Uma multidão aglomerou-se em frente a uma porta em Vila Nova de Gaia no dia 16 de março. Um “empurra-empurra”, como em concertos de grandes astros da música, todos à procura do melhor ângulo para ver o ídolo, telemóvel na mão para filmar. Adultos, crianças e muitos jovens, Bíblia debaixo do braço, queriam ver de perto quem estava naquela sala, com capacidade para mais de mil pessoas e já repleta de gente, em pé e sentada: era o pastor brasileiro Silas Malafaia, líder da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC), que ali estava para inaugurar a sua segunda igreja em Portugal.
Três domingos antes, outra multidão vestida de verde e amarelo - alguns com Bíblias - ouvia atentamente os gritos do mesmo pastor. O líder da ADVEC estava em cima de um palco no meio da Avenida Paulista, no coração de São Paulo. “Eu vou levantar uma oração e nós vamos ouvir o presidente Bolsonaro. Por favor, se você concordar com a minha oração, quando eu disser ‘amén’, dê um ‘amén’ retumbante. E ore”, disse, ao lado do ex--presidente brasileiro, do qual é publicamente um fervoroso apoiante e defensor.
Este foi mais um capítulo da história que comprova a interpenetração entre a política e o culto evangélico no Brasil. No entanto, esse movimento já vai além fronteiras, não só pelo uso profissional das redes sociais, mas também pela expansão das igrejas pelo mundo, sendo o território português um dos alvos. “Portugal é um laboratório, nós vamos abrir igrejas em todo o país e aqui na Europa”,afirmou Silas Malafaia na cerimónia de inauguração em Vila Nova de Gaia. Na sequência, ouviram-se gritos de “amén”, “glória a Deus” e aplausos. O pastor havia prometido o mesmo aos fiéis um domingo antes, em celebração na manhã de 10 de março - dia das eleições - na igreja em Santa Iria de Azoia, perto de Lisboa, onde também a casa estava cheia e o pastor visto como uma pop star.
“Sem dúvida, o voto evangélico chegou a Portugal. O Chega já o fazia de forma discreta, desde o início recebeu apoio de evangélicos e o ADN (Alternativa Democrática Nacional, nova designação, aceite em 2021 pelo Tribunal Constitucional, do Partido Democrático Republicano, que fora criado em 2014 por Marinho e Pinto. Em 2023, num relatório da ONG norte-americana Global Project Against Hate and Extremism, o ADN, que tem como líder Bruno Fialho, surge classificado como “grupo de ódio e de extrema- direita”) foi o primeiro a falar disso abertamente”, afirma Donizete Rodrigues, professor de Sociologia da Religião na Universidade da Beira Interior (UBI). O docente investiga há 10 anos a influência dos evangélicos na política. Segundo este especialista, a estratégia é chamada de “teologia do domínio”, já aplicada com sucesso nos Estados Unidos e no Brasil, com Donald Trump e Bolsonaro.
“É uma ideologia que assenta na ideia de tomar o poder para transformar a sociedade. Isso começa com um grupo, é uma ideologia extremamente ultraconservadora, que navega facilmente nos partidos ou nos movimentos de direita, direita radical ou extrema-direita, como é o caso do Trump, Bolsonaro e agora André Ventura em Portugal, além do ADN”, argumenta Donizete. De acordo com o investigador, tanto o Chega quanto o ADN “claramente, têm por trás o apoio dessa elite evangélica que defende a teologia do domínio”.