Trocas entre Chega e PSD
04 maio 2024 às 12h51
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“Sangria” do Chega ao PSD? É um “meio para alcançar um só fim”: continuar na política

António Maló de Abreu e Tiago Moreira de Sá, ex-deputados do PSD, são apenas dois dos nomes que mudaram de partido. Uma tática muito mais carreirista do que propriamente ideológica, dizem investigadores ouvidos pelo DN.

É “um misto”: ou se continua “numa atividade político-partidária” num espetro ideológico próximo, ou quem mudou não se sentiu “reconhecido pelo seu partido”, neste caso o PSD. Isso levou a que vários nomes ligados aos sociais-democratas tenham passado para o lado mais à direita da barricada, o do Chega. A análise é feita por Paula do Espírito Santo, investigadora no Instituto de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) de Lisboa. 

A professora afirma que não haverá “explicações muito para lá” destas duas. Mas acrescenta uma terceira: a juventude do Chega enquanto partido. Isso faz com que “também procure quadros ou figuras” já experimentadas a nível político. Isso, aliado à necessidade que o partido de André Ventura poderá ter de mostrar que “há suficiente proximidade ideológica para também atrair antigos quadros do PSD”, acabaram por levar, entre outros, os ex-deputados sociais-democratas Tiago Moreira de Sá (que será o número 2 às Europeias de junho) e Rui Cristina (que foi eleito como cabeça-de-lista por Évora) a mudar de ares. Antes deles - e vindos de outros partidos - já Cristina Rodrigues (ex-deputada do PAN) ou Nuno Simões de Melo (ex-Iniciativa Liberal) tinham passado para as hostes do Chega. O caso mais recente foi o de Lina Lopes, ex-deputada do PSD. Apesar de não ter entrado para um lugar parlamentar, foi nomeada para o gabinete de Diogo Pacheco de Amorim, deputado do Chega que foi eleito vice-presidente da Assembleia da República no início da legislatura.

Não é isto contraditório com o discurso apresentado por André Ventura, que quer caçar e terminar com os ‘tachos’ políticos? O Chega, defende Paula do Espírito Santo, “tem uma coerência muito precária”. Dura enquanto “a finalidade ou o objetivo não são atingidos” e, depois disso, “rapidamente acaba por ter essa plasticidade ideológica e política”, tendo a função de “atingir determinadas metas”. Resumindo: “É um meio para atingir um só  fim”, que passa pela continuidade na vida política.

André Freire, investigador no ISCTE, relembra que fenómenos como este “não são novos”. “Nas primeiras décadas da democracia portuguesa” houve vários. Muitas delas ligadas a “uma mudança de orientação ideológica”, traduzidas numa divisão entre protagonistas, com temas mais fraturantes (como posições sobre o Muro de Berlim, por exemplo). “Nesses casos, isso era conhecido”. Algo que, agora, não aconteceu. Ou seja: “Estes casos podem sugerir que os interesses de carreira se podem sobrepor a tudo o resto”. Afinal “não se ouviu” nenhuma dissidência crítica “deste ou daquele deputado”. 

Estas “incursões” têm, depois, um outro efeito. O investigador explica que “não são só pela qualidade das pessoas”. É muito mais “espetar uma lança, penetrar no terreno do adversário e provocar uma sangria de votos” do PSD para o Chega.

Militantes defenderam entendimentos com o Chega

Apesar das mudanças terem causado polémica (há, nas hostes laranjas, quem expresse a sua incompreensão com algumas trocas), outros entendem que o Chega deve ser parceiro privilegiado de negociação e acordos parlamentares.

Num manifesto chamado Portugal em Primeiro (assinado em março, e ao qual o DN teve acesso), militantes sociais-democratas como Rui Gomes da Silva (ex-ministro) apelavam a que Montenegro tivesse “foco, responsabilidade e sentido de Estado”, com o objetivo de “construir um Governo estável, com uma maioria sólida” à direita, permitindo “fazer as reformas de que o país precisa”.

No documento, assinado também por Miguel Corte-Real, líder de bancada do PSD na Assembleia Municipal do Porto, era ainda defendido que “quem não o quiser entender, quem não quiser dialogar, quem não quiser construir uma verdadeira alternativa não-socialista para Portugal, estará a fazer o jogo da esquerda. E era deixada uma garantia: “Desse lado, nós e muitos portugueses, nunca estaremos.”

O "PSD" que rodeia Ventura

António Maló de Abreu

Foi um dos primeiros ex-PSD a passar para o Chega. Em rota de colisão com a liderança de Luís Montenegro desde janeiro de 2024, passou a deputado não-inscrito. Dias depois, André Ventura anuncia o nome como o cabeça-de-lista pelo círculo de Fora da Europa (por onde havia sido eleito). Mas Maló negou-o publicamente, dizendo que não estava incluído em lista alguma - algo que o líder do Chega confirmaria dias depois. O motivo para esta divergência foi um artigo da Sábado, no qual era dito que Maló de Abreu estava sob suspeita de ter mudado, de propósito, a sua morada de Coimbra para Luanda, nos serviços do Parlamento. Isto teria feito resultado num aumento de 70% no valor dos subsídios e ajudas de custo que recebeu, durante quatro anos e meio enquanto deputado.

Henrique de Freitas

Militante do PSD desde 1979, Henrique de Freitas juntou-se ao Chega em 2023. Tendo sido deputado pelo PSD durante 10 anos, entre 2002 e 2004 integrou o governo de Durão Barroso na qualidade de Secretário de Estado da Defesa e dos Antigos Combatentes. Foi também presidente da junta de freguesia das Mercês, em Lisboa. Em janeiro de 2024, foi então anunciado como o cabeça-de-lista do Chega pelo distrito de Portalegre. Com a difícil missão de ser eleito (pois o distrito só elege dois deputados), Henrique de Freitas conseguiu no entanto superar a tarefa. Foi, a par do socialista Ricardo Pinheiro, eleito deputado. Estava assim confirmado o regresso à vida parlamentar, que deixara em 2009.

Rui Cristina

Tal como Maló de Abreu, passou, em janeiro, a ser deputado não-inscrito depois de se ter desfiliado do PSD, onde militava desde 2001. Eleito pela primeira vez deputado em 2019 pelo distrito de Faro, passou em 2024 a ser militante do Chega. Pelo partido de André Ventura, foi cabeça-de-lista pelo distrito de Évora nas últimas eleições legislativas. Com apenas três lugares em disputa, o engenheiro civil de 44 anos conseguiu ser eleito, conquistando o terceiro posto ao PCP, que não elegeu ninguém. Tornou-se, assim, no primeiro deputado eleito pelo partido de André Ventura no distrito de Évora, que não tinha conseguido eleger ninguém em 2019 e 2022. Com isto, o Chega passou a 3.ª força política no Parlamento, atrás de PS e PSD.

Manuela Tender

Em 2018, esteve envolvida no escândalo das falsas presenças no Parlamento. Manuela Tender terá , alegadamente, participado, enquanto vereadora, em reuniões de câmara em Chaves e no mesmo dia a sua presença foi registada no Parlamento. Depois de ter sido afastada das listas do PSD em 2019, desfiliou-se do partido em 2020. No ano seguinte, juntou-se ao Chega. Nas legislativas de 2022, foi cabeça-de-lista pelo distrito de Vila Real, mas não conseguiu ser eleita. Para as eleições de 10 de março, voltou a repetir a posição na lista e, desta vez, conseguiu votos suficientes para regressar ao Parlamento, onde já estivera durante oito anos.

Eduardo Teixeira

Outro dos envolvidos nas presenças-fantasma no Parlamento (neste caso entre 2011 e 2015), Eduardo Teixeira foi militante do PSD desde 1991. A ligação ao partido terminou em 2024. Nas últimas legislativas foi eleito deputado pelo círculo de Viana do Castelo, pelo qual foi cabeça-de-lista. Regressava assim ao Parlamento, onde já tinha estado durante 11 anos, entre 2011 e 2022. Economista, chegou mesmo a liderar a estrutura distrital do PSD na cidade minhota. Além de candidato à Câmara Municipal de Viana do Castelo, foi vereador na autarquia e membro da Comissão Política Nacional dos autarcas sociais-democratas. No Parlamento foi membro de comissões como a de Orçamento e Finanças e a de Transparência e Estatuto dos deputados.

Tiago Moreira de Sá

Renunciou às eleições legislativas depois de ter sido colocado num lugar praticamente não-elegível (25.º por Lisboa). Tiago Moreira de Sá abandonou depois o PSD. Filiado nos sociais-democratas desde a década de 1990, foi Coordenador da Secção de Negócios Estrangeiros do Conselho Estratégico Nacional (CEN), uma espécie de governo-sombra do PSD. Era um dos nomes próximos de Rui Rio. No Parlamento, para onde fora eleito em 2022, foi, entre outras, membro da Comissão de Assuntos Europeus. Professor universitário na área das Relações Internacionais, foi escolhido para ser o número 2 do partido de André Ventura às Europeias. A lista é encabeçada pelo diplomata (e homem-forte do Chega), António Tânger Correia.

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