Dados do ICAD
06 abril 2024 às 09h12
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Há 480 mil portugueses com problemas relacionados com o álcool

O ICAD acaba de publicar um relatório onde são contabilizados os consumos, com ou sem substâncias. O álcool e o jogo instantâneo são as adições que mais alertam as autoridades.

Estima-se que no nosso país existam “480 mil pessoas com problemas relacionados com o uso de álcool e quase 50 mil com problemas relacionados com drogas”, garante ao DN Manuel Cardoso, médico e vogal do Instituto para os Comportamentos Aditivos e Dependências (ICAD). O problema é assumido com a publicação do relatório final do V Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral, Portugal 2022 , que acaba de ser publicado pelo ICAD.

 
Neste estudo são analisados os consumos de várias substâncias psicoativas, lícitas e ilícitas, desde 2001 até 2022, bem como adições sem substâncias - é o caso do jogo - e as conclusões apontam para um maior excesso no consumo de álcool. “Aquilo que mais me preocupa no estudo em relação aos consumos é o consumo de bebidas alcoólicas”, adianta Manuel Cardoso. “Independentemente desse consumo há depois práticas de padrões de consumo de risco que são graves. Aqueles que dizem, neste estudo, que consumiram grandes quantidades num período curto de tempo, ou seja, que se embriagaram, são uma percentagem muitíssimo alta. Essa é a nossa preocupação do que ao inquérito diz respeito”.


O consumo de álcool, na perspetiva de Manuel Cardoso, além de ser “socialmente aceite” está enraizada na sociedade portuguesa. “Tem a ver com a cultura. A nossa cultura é de consumo de bebidas alcoólicas. Festejamos tudo com álcool e aceitamos isso”. E acrescenta: “Somos produtores de vinho, de cerveja e outras bebidas alcoólicas. A indústria e todo o setor económico relacionado com a produção e consumo de bebidas alcoólicas é enorme. E por isso a tolerância aos consumos também é muito grande.” 


Devido à magnitude do consumo de álcool, o médico alerta para a necessidade de controlar a publicidade e o patrocínio, por parte de bebidas alcoólicas, de eventos culturais e desportivos, à semelhança do que já aconteceu com o tabaco anteriormente. “Parece que há condições para fazer alterações à lei da publicidade. Em relação às bebidas alcoólicas, o patrocínio de eventos, nomeadamente culturais ou desportivos, é muito comum e tem de ser regulado”, observa.

Também na Internet, o perigo espreita: “Tem de ser mais regulada e muitíssimo mais fiscalizada a publicidade online, digital, feita por influencers, o que não acontece neste momento.”


O facto de o álcool ser legal e de fácil acesso também contribuirá para um número tão considerável de consumidores, muitos deles problemáticos. “Encontramos álcool em vários sítios, mesmo com algumas regras, que não estão a ser cumpridas na íntegra - [como a proibição de venda a menores] nomeadamente nas grandes superfícies. O acesso é fácil e demasiado promovido”, avança o vogal do conselho diretivo do ICAD.

“Quando vai a um supermercado encontra bebidas alcoólicas ao virar de cada prateleira. A acessibilidade, até por via dos preços, também é enorme. A facilidade de acesso, a disponibilidade, a publicidade e o marketing são enormes”.


O consumo excessivo de álcool acaba por, também, traduzir-se em inúmeros problemas de saúde e sociais, além da sua dependência. “Não é só consumir. O problema são os efeitos desse consumo. Este está associado a doenças como cirroses, cancros, pancreatites e até aos problemas de violência doméstica, acidentes de viação e violência contra pessoas que chega a situações gravíssimas, até de homicídios”, acrescenta o médico. 


O jogo é a segunda adição mais preocupante para o ICAD, sobretudo a lotaria instantânea, conhecida como raspadinha. “A indução de dependência vem dos jogos de recompensa imediata, como é o caso das raspadinhas. As pessoas com menos dinheiro acabam por consumir, por jogar, na tentativa de encontrar uma resposta fácil a problemas”.

Quando dão por elas estão viciadas. “A pessoa começa, e se tem retorno nos primeiros momentos, vai continuar a jogar, convencido que vai ter sempre retorno. Depois, se não tiver retorno joga porque nalguma vez há de ter retorno. Portanto, é para compensar aquilo que gastou. Nunca lá chega porque o jogo não está feito para ser assim”, avisa este responsável.