França
05 setembro 2024 às 23h16
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Macron aposta em Michel Barnier e fica nas mãos da extrema-direita

Esquerda já anunciou uma moção de censura ao novo primeiro-ministro, oriundo da direita tradicional (Os Republicanos) e mais conhecido na Europa por ter negociado o Brexit.

O mais jovem primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, que tinha 34 anos quando tomou posse, passou esta quinta-feira a pasta ao mais velho chefe de Governo da V República. Michel Barnier, de 73 anos, conhecido dos europeus por ter sido o negociador do Brexit, foi o escolhido pelo presidente Emmanuel Macron para desbloquear o executivo e assumir as rédeas de Matignon.

No discurso na posse, o novo primeiro-ministro admitiu que haverá “mudanças e ruturas” neste virar de página, defendendo que será preciso “ouvir muito e muito respeito”, prometendo dialogar com todas as forças políticas. Militante d’Os Republicanos, partido de direita que foi apenas quarto nas legislativas, Barnier já sabe que irá ter que enfrentar uma moção de censura da parte da esquerda, que o acusa de não ter “legitimidade”.

Numa Assembleia Nacional dividida em três grandes blocos, a chave estará nas mãos da extrema-direita do Reunião Nacional (RN), que exclui fazer parte do governo mas quer ouvir o “discurso de política geral” de Barnier antes de tomar uma posição. “Julgaremos com base no seu discurso de política geral, as suas decisões orçamentais e a sua ação. Apelaremos para que as grandes emergências dos franceses, o poder de compra, a segurança, a imigração, sejam finalmente resolvidas, e reservamos quaisquer meios de ação política se este não for o caso nas próximas semanas”, indicou o líder do RN, Jordan Bardella, no X. Já Marine Le Pen disse que Barnier cumpre um dos principais requisitos do partido, que era respeitar as diferentes forças políticas e ser capaz de dialogar com o RN.

“Macron roubou a eleição ao povo francês”, disse Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa (LFI), o maior partido da aliança Nova Frente Popular (NFP). E acusou o presidente de ter um acordo secreto com a extrema-direita. “Este é um governo de Macron e de Le Pen. Eles já se comprometeram a aceitar o orçamento, preparado nas sombras pelos ministros demissionários”, denunciou, apelando os franceses a saírem à rua em protesto este sábado.

O Partido Socialista, que também faz parte da NFP, anunciou a decisão de pedir a censura de Barnier. Apesar de a nomeação de um primeiro-ministro ser da exclusiva responsabilidade do presidente, os deputados podem escolher censurar o executivo. A aliança de esquerda tem 193 deputados na Assembleia, longe dos 289 da maioria absoluta que precisa para fazer cair o governo.

Essa maioria é contudo possível se os 126 deputados do RN decidirem votar ao lado da esquerda. Ou se alguns dos partidos do bloco presidencial ou da direita quiserem surpreender. O próprio Renascimento, de Macron, disse no X que não votará pela “censura automática” contra o novo governo, mas fará “exigências substanciais” e não assinará um “cheque em branco” a Barnier.

Sr. Brexit

O novo primeiro-ministro tem mais de 50 anos de carreira política, tenso sido eleito pela primeira vez para a assembleia do departamento de Saboia em 1973. Antigo deputado e senador, ocupou várias pastas nas presidências de Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy - do Ambiente à Agricultura e Pescas, passando pelos Negócios Estrangeiros.

Passou ainda pelo Parlamento Europeu e esteve por duas vezes na Comissão Europeia, com a responsabilidade da Política Regional com Romano Prodi e Mercado Interno e Serviços com Durão Barroso - de quem também foi vice-presidente. Na Europa ficaria contudo mais conhecido como o Sr. Brexit, depois de liderar as negociações do lado europeu para a saída do Reino Unido da União Europeia. Uma veia negociadora que precisará para conseguir agora formar governo.

Barnier tentou voltar à política francesa candidatando-se às primárias d’Os Republicanos para disputar as presidenciais de 2022 - mas não teve sucesso. Não entrou na corrida ao Eliseu, mas entra agora em Matignon. Para a sua escolha terá pesado o facto de ter menos “anticorpos” do que outros nomes que se ouviram nos últimos dias, como Xavier Bertrand ou Bernard Cazeneuve. Além disso, não vai destruir a política dos últimos anos de Macron - nomeadamente a reforma das pensões que estava ameaçada pela esquerda - e não tem aspirações presidenciais em 2027.

susana.f.salvador@dn.pt