Entrevista DN/TSF
23 agosto 2024 às 07h10
Leitura: 33 min

José Luís Carneiro: “Tem havido decisões perniciosas ao Estado com a limpeza a eito em altos quadros”

O ex-ministro não aponta erros nas políticas do PS sobre a imigração. Considera que o aumento do suplemento de risco na GNR e PSP “não é estrutural ao interesse do Estado”. Defende que, para nomeações em áreas de soberania, o Governo consulte o PS. Sobre o seu futuro político, estará “onde o partido entender”.

A imigração tornou-se, também em Portugal, um tema fraturante. Assume que as políticas públicas do Governo que integrou contribuíram para a atual situação que estamos a viver?

A imigração é hoje um fenómeno global que é, aliás, indispensável para os desafios que enfrenta a União Europeia (UE) e o nosso país. Quais são esses desafios? Em primeiro lugar, o desafio demográfico. Eu recordo que a Europa representou cerca de 20% da população mundial até 1950 e estima-se que possa representar 4,6% até 2050.

Ou seja, a UE e também o nosso país, tem um desafio demográfico para enfrentar que é algo de vital a sua subsistência. Depois, porque também tem efeitos muito positivos no plano da economia e do rejuvenescimento social, da diversidade cultural e do enriquecimento cultural.

Além do mais, é também essencial no financiamento das funções sociais, quer do modelo social europeu, quer também do nosso Estado Social. Recordo que, em 2023, o saldo líquido positivo de contribuições dos imigrantes para a Segurança Social foi de 1500 milhões de euros.

Contribuíram com 1800 milhões, receberam de prestações do Estado 300 milhões. Se hoje temos contas públicas equilibradas, deve-se muito ao saldo líquido positivo da Segurança Social e para isso as contribuições dos imigrantes têm sido decisivas.

Esse é o lado bom da moeda. Mas há o reverso. Temos mais de 400 mil processos pendentes que a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) herdou do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Temos filas intermináveis de imigrantes desesperados que não conseguem ver a sua situação resolvida. Além de que esta situação serve de munição a extremismos e a xenofobias, como sabe…

Sim, essa é a outra face da moeda, como aliás, acontece também no quadro dos países europeus. É por isso que o reforço das capacidades do Estado em termos de acolhimento, de integração, de proteção dos cidadãos migrantes seja de facto, um dos mais amplos desafios que tem as sociedades europeias. Porque desse bom acolhimento, dessa boa integração intercultural e, se quisermos, das sínteses culturais que se venham a produzir, nascerá um dos principais e mais amplos desafios às próprias sociedades democráticas.

É por isso mesmo também que a Europa evoluiu desde a crise migratória de 2015 até ao atual Pacto das Migrações e do Asilo. Assim como as Nações Unidas também estabeleceram aquelas que são as suas prioridades no Pacto das Migrações. Fomos evoluindo para a separação das funções policiais, das funções de acolhimento e de integração. 

Está a fugir ao elefante na sala, não é? Chegámos a este ponto no nosso país em resultado das políticas públicas do anterior Governo ou não, ou não assume isso?
Isso é uma visão muito simplista da realidade. Se olharmos para os fluxos migratórios, verificamos que os que entram de forma irregular vêm pelo Mediterrâneo Central e Oriental e pelos Balcãs. No ano passado foram cerca de 300, 350 mil imigrantes irregulares.

Depois há vários milhões de imigrantes que entram em solo europeu e no espaço Schengen de forma regular, com vistos temporários até 90 dias e depois circulam na Europa por via terrestre. O que ocorre com os fluxos humanos, com aqueles que têm vindo para a Europa e para o nosso país, é que, em regra, depois desses 90 dias, os cidadãos acabam por encontrar atividades profissionais e ficam a nesses países.

Ora, esses 400 mil que refere era o número que estava quando se constituiu formalmente a AIMA. Temos de nos lembrar que a AIMA nasceu em outubro, em novembro houve uma crise política e estivemos até ao fim de março, princípio de abril, para a tomada de posse do novo Governo pleno de funções.

Sem dar meios à AIMA...

Não era sequer possível, na altura, ter condições para poder proceder de forma diferente, porque o Governo estava em modelo de gestão. Dentro desses 400 mil há realidades muito diversas. Quando cheguei às funções de ministro da Administração Interna, também fim de março de 2022, tínhamos cerca de 250 mil processos pendentes de manifestações de interesse. Portanto, quando transitou em 2023, um ano depois, havia 300 e tal mil. Mas dentro destas 300 e tal mil estavam regularizações dos vistos CPLP, estavam pedidos de autorização de residência e estavam também pessoas que já tinham autorização, que estão no país e que querem fazer a sua renovação. 

Quando chegou às funções, a extinção do SEF já estava decidida. Em nenhum momento achou que era necessário mudar o caminho de alguma coisa para tornar o processo mais ágil ou mais produtivo?

Mas foram tomadas muitas decisões. Por exemplo, a primeira prioridade adotada, foi a de fechar aquilo que eram atribuições e competências das forças de segurança, porque é um elemento vital da nossa arquitetura de Segurança Interna e da segurança do próprio país. Nomeadamente, a definição de atribuições e competências da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Guarda Nacional Republicana (GNR). Havia questões para clarificar.

A segunda grande prioridade foi a da formação de agentes da autoridade democrática, militares da GNR e polícias da PSP, para as funções na fronteira marítima, na fronteira aérea e na fronteira terrestre, nomeadamente nos centros de cooperação policial e, posteriormente, a garantia da transição dos inspetores do SEF - numa solução consensualizada - para a Polícia Judiciária (PJ).

Depois, houve a dimensão do acolhimento, da integração e, se quisermos, da documentação da regularização dos migrantes e da proteção internacional.

A parte policial foi o que correu bem, de facto. Mas continua a não explicar porque é que houve três anos para preparar a AIMA, que começa praticamente do zero?

O mais relevante é dar conta de que, quando a AIMA foi formalmente constituída, é o resultado de uma articulação e de uma cooperação entre vários ministérios, nomeadamente o da Justiça (Catarina Sarmento e Castro), porque tem a tutela do Instituto de Registos e Notariado; com a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares (Ana Catarina Mendes), que ficou com a tutela das migrações; e também com o ministério da Presidência, que tutelava o Alto Comissariado para as Migrações.

É no conjunto dessa concertação e dessa cooperação que se veio a fechar a solução da AIMA. Fechada a arquitetura institucional, ela entra em funcionamento em outubro de 2023. Como já referi, tivemos, infelizmente, uma crise política logo em novembro, que criou também um impasse durante alguns meses. Agora as decisões estão tomadas. De reforço dos meios. Uma decisão essencial, pois estava identificado esse problema.

Mas não devia de ter sido antes? Quer dizer, houve três anos para preparar todo este processo. Quando vê as filas intermináveis de imigrantes à porta da AIMA, quando vê imigrantes acampados aqui em Lisboa, não sente, de facto, que houve aqui alguma coisa que inevitavelmente não funcionou?

Estava em curso uma reforma estrutural duma arquitetura de segurança, de integração e de acolhimento. Naturalmente que isto trouxe consigo desafios novos e também acarretou essas dificuldades, nomeadamente no processo de regularização.

Estava identificada a falta de meios no SEF, mas como havia sido tomada a decisão de extinção em 2021, era pouco prudente estar a abrir um procedimento de concurso para uma entidade em processo de extinção.

Fechado que foi o processo AIMA, com certeza a abertura de procedimento para o reforço de meios humanos. Ao mesmo tempo, convém que se diga, estava em curso já um processo de digitalização no acesso e na decisão relativa a procedimentos de caráter administrativo para efeitos de regularização, quer em termos de backoffice, quer de front office, da própria AIMA.

É, aliás, um dos objetivos que consta do Plano de Ação para as Migrações apresentado pelo novo Governo. E sobre este Plano, gostava também de deixar ficar uma felicitação e três questões que merecem ser esclarecidas. O aspeto que considero positivo é que o Governo recuou, e bem, na sua intenção de voltar a juntar as funções policiais com as funções de acolhimento, integração e proteção internacional. 

E quanto às dúvidas?

O fim das manifestações de interesse é uma delas. Embora estivessem identificadas pelas forças de segurança como um ponto crítico da Lei de Estrangeiros, é evidente que também tinha a dimensão de permitir que os imigrantes que chegavam irregularmente tivessem uma porta de contacto com a administração para efeitos de regularização.

Mas tinha um efeito de chamada, não? E levou a que houvesse centenas de milhares de imigrantes sem o seu processo finalizado e muito tempo à espera...

As manifestações de interesse permitiam que, mesmo à distância, os imigrantes pudessem contactar com a Administração e fazer pedidos para a obtenção da autorização de residência, em regra, formulados por entidades que representam esses mesmos imigrantes.

Desaparecendo o ponto de contacto, pode desaparecer também um fator de regulação desses fluxos. Mas estas dúvidas serão esclarecidas com o tempo. A segunda dúvida tem que ver com a intenção do Governo de criar uma nova Unidade de Segurança de Fronteiras no âmbito da PSP.

Sei bem que quando são tomadas decisões desta natureza é devida uma prévia auscultação dos outros órgãos de polícia criminal, particularmente daqueles a quem a lei confere poderes no âmbito dos estrangeiros e, portanto, há que verificar se essa auscultação foi ou não realizada e se, tendo sido realizada, merece a concordância das outras forças de segurança. Por outro lado, o próprio Sistema de Segurança Interna (SSI) tem hoje já uma Unidade de Coordenação de Estrangeiros e Fronteiras, vulgarmente apelidado de “mini-SEF”. Foi precisamente constituída para fortalecer integração dos vários sistemas de informação, de regulação e de segurança das nossas fronteiras.

A terceira dúvida tem que ver com o modo como o Governo anunciou que queria alargar o âmbito dos vistos CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) para circulação no espaço Schengen. Ora, nós conhecemos as dúvidas que a Comissão Europeia tinha levantado sobre os vistos CPLP. Os vistos CPLP resultam de um acordo internacional no quadro dos países que integram esta comunidade, têm jurisdição territorial limitada a cada Estado membro.

Agora, o Governo anunciou que queria alargar esta possibilidade a todo o espaço Schengen, de forma a que cidadãos que solicitem os seus vistos possam depois circular em todo o espaço Schengen. É preciso acompanhar como é que o Governo vai alcançar este objetivo, porque o facto de ter sido anunciado criou uma expectativa muito elevada nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, particularmente em Angola e também em Cabo Verde...

É uma reivindicação desses imigrantes. Tem havido bastante pressão para esse alargamento… Mas pode provocar um novo efeito chamada...

Aqui não se coloca a questão do efeito de chamada. Coloca-se sobretudo a expectativa. De facto, quando avançámos com o visto CPLP, muitos tinham a expectativa de poder circular livremente no espaço Schengen. Só que essa circulação já não é só vontade do Estado português.

Tem de ser vontade do conjunto dos Estados que integram o espaço Schengen. Por isso, será muito relevante que o Governo possa também, assim que possível, explicitar a forma como pretende cumprir este objetivo.

Aqui chegados, temos um problema de perceções, com o terceiro maior partido no Parlamento português a convocar uma manifestação contra a imigração descontrolada, contra a insegurança nas ruas e chega mesmo ao ponto de exigir um referendo sobre este assunto. Como é que saímos desta situação? Que soluções é que indicaria para enfrentar este problema, que é também um problema político?

O trabalho que estamos a fazer aqui hoje também cumpre esse objetivo. Trabalhamos para informar, para esclarecer e para desconstruir narrativas que têm, em regra, um alicerce demagógico e populista. Infelizmente, pela Europa toda e também noutros países do mundo, há hoje partidos que procuram instrumentalizar um conjunto de temas. O tema das migrações é um deles. Mas há outros, como a igualdade de género, o racismo, a xenofobia, a corrupção.

Passando agora às perceções de insegurança em determinados territórios, Porto e Lisboa, particularmente. Um autarca socialista, o Miguel Coelho, da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, faz parte desse coro de protestos. Quando deixou o Governo tinha a noção de que era um fenómeno, seja ele de perceção, seja de desconforto dos autarcas, que estava a crescer?

Sim, tinha essa consciência. Aliás, tínhamos vindo a trabalhar com vários autarcas, quer com o do Porto, quer com o de Lisboa, além de outros das áreas metropolitanas, com quem, aliás, reuni, no âmbito da Estratégia Integrada de Segurança Urbana (EISU) através da qual se procura, entre outras respostas, responder a este sentimento que se tem vindo a fazer sentir particularmente nas áreas metropolitanas.

Porque a pandemia, por um lado, e os efeitos da guerra, por outro, trouxeram consigo um conjunto vasto de desafios e de complexidades, nomeadamente na delinquência juvenil, na maior agressividade, na intensidade da violência.

Por isso mesmo tomei a iniciativa de criar uma Comissão Integrada (da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta) para estudar e recomendar medidas para enfrentar esses fenómenos. Mas há um esforço de cooperação que tem de ser feito por todas as entidades.

Como sabe, há um plano, pelo menos com 10 anos, para fazer a reorganização da PSP em Lisboa e no Porto. A resposta para estes fenómenos também passa muito por uma maior visibilidade policial, que aliás, é aquilo que é sempre pedido pelos autarcas. Porque é que este plano nunca saiu do papel? Este plano, aliás, prevê o encerramento de esquadras e temos autarcas, como Carlos Moedas em Lisboa, a dizer que é preciso abrir mais esquadras. Como é que acha que se consegue aqui encontrar a resposta certa?

A resposta tem de ser sempre um equilíbrio de duas dimensões: uma proativa social e uma proativa operacional. Na resposta proativa social, tem que ser desenvolvida a nível local, nomeadamente no que tem que ver com o trabalho de diagnóstico e de intervenção dos Conselhos Locais da Ação Social.

Depois, no âmbito das próprias competências de segurança municipais, por forma a que se articulem com forças e serviços, quer de Saúde, quer de Segurança Social, que garantem respostas na Educação, no Desporto, na Juventude, na Cultura.

Porque há dimensões que têm que ver com disrupções ou com fenómenos críticos do ponto de vista social, que exigem uma resposta social. Não podemos querer respostas policiais para dimensões que são de caráter social e de caráter preventivo.

Mas em relação à reivindicação de resposta policial, acha que é preciso fechar ou abrir esquadras para ter essa proximidade da população?
Já vou a essa questão, que é muito relevante. Se fosse por essa via que se solucionava as questões de natureza social e de natureza criminal, seria relativamente fácil solucionar o problema. Ou seja, a questão da visibilidade policial e do policiamento de proximidade é essencial e muito relevante. E para esse objetivo é importante a reforma do dispositivo policial. 

Mas porque é que nunca saiu do papel?

Lembro que a nossa legislatura foi interrompida a meio do mandato.

Sim, mas governaramnoutras matérias e nesta não...

Convém lembrar que sempre que se toma uma decisão de encerramento, deve haver alternativas viáveis de garantia de garantia de segurança às populações, precisamente para que não se constitua nas perceções uma i deia de insegurança.

E o que fizemos em relação às forças de segurança? Primeira grande decisão do Governo foi a Lei de Programação de Investimento em Infraestruturas e Equipamentos, 607 milhões de euros, prevendo a construção de novas esquadras, novos postos territoriais, a modernização de muitos dos equipamentos já existentes e também a modernização tecnológica. 

Tínhamos preparado, já com testes-piloto desenvolvidos, um projeto de atendimento digital para ser localizado em várias freguesias no país, a ser desenvolvido pela GNR. Tínhamos também já testado com o senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa a criação da chamada Esquadra do Cidadão, por forma a que, em articulação com as Câmaras Municipais e com as Juntas de Freguesia, pudéssemos garantir dois objetivos, proximidade e visibilidade.

Maior facilidade no atendimento, mas ao mesmo tempo também encerramento de infraestruturas e de equipamentos que hoje já não cumprem as funções para as quais foram efetivamente constituídas. Há também matérias que podem ser tratadas em sede municipal. Por exemplo, uma das principais queixas dos cidadãos tem que ver com o ruído nos grandes centros urbanos. Ora, os horários de funcionamento dos estabelecimentos de diversão noturna são estabelecidos em sede municipal, Câmara e assembleias municipais.

Um outro exemplo são as operações mistas - e realizámos várias - em que entram polícias municipais, a PSP, a Autoridade Tributária, a Autoridade para as Condições do Trabalho, a ASAE, a PJ para, de forma integrada, regular muitos dos fluxos de vida noturna que se constituíram de forma exponencial, quer pelo crescimento do turismo, quer também no pós-pandemia. Portanto, a regulação da vida nas cidades tem de ser sempre objeto de uma grande cooperação entre a administração central e a administração local e as próprias forças da sociedade civil.

José Luís Carneiro, estava aqui a ouvi-lo e parecia que estava no futuro, parecia que estava em agosto, setembro de 2025 e que estava a falar com o candidato à presidência da Câmara Municipal do Porto…

Esse tema tem ocupado o espírito de alguns. O essencial é o seguinte: o desafio das eleições autárquicas é, talvez, um dos mais importantes desafios particularmente para os dois grandes partidos portugueses, PS e PSD.

O PS tem hoje uma ampla maioria de câmaras, mais 38 do que o PSD, que está coligado em vários modelos. O PS tem a maioria da Associação Nacional de Municípios Portugueses e na Associação Nacional de Freguesias. Mas há aqui dimensões que são prioritárias em detrimento de falarmos das personalidades.

A primeira é a programática, ou seja, o qual é o modelo de políticas autárquicas que queremos no futuro? Devem ser comuns ao país todo? O partido deve ter uma estratégia comum? As autarquias e os poderes regionais são essenciais ao desenvolvimento, à coesão nacionais e ao próprio crescimento do país. Naturalmente que deve haver linhas mestras de desenvolvimento nacionais para as quais as autarquias possam e devam contribuir.

Também há uma outra matéria que deve ser avaliada, depois da dimensão programática. Nas áreas metropolitanas qual é a política de alianças? Lembro que, para se ter uma pequena ideia, o PSD ganhou sozinho em 72 câmaras em 2021, mas fez 42 coligações. Ou seja, 72 mais de 42 câmaras em coligação, onde está o CDS, onde está o PPE, onde está o MPT. Onde estão vários partidos.

O PS não fez…

O PS ganhou em 148 sozinho, uma com coligação e três em que apoiou candidatos independentes. É uma discussão que deve ser desenvolvida pela direção nacional. Não me quero substituir à direção nacional, mas tenho uma opinião. E estou, aliás, a falar de acordo com aquilo que, enquanto secretário-geral adjunto, fiz sob a orientação do dr. António Costa, na altura secretário-geral.

Primeiro houve uma discussão sobre aquilo que são linhas de orientação programáticas em termos de políticas. Depois, discutimos e avaliámos a dimensão das alianças ou não, onde houvesse essa iniciativa, porque, por vezes, são as próprias estruturas locais e distritais que vêm ao encontro da direção nacional propor alianças.

Por exemplo, temos uma aliança com o Livre em Felgueiras. Foi o próprio candidato apoiado pelo PS que propôs essa coligação. Depois devemos ter muito claros os objetivos eleitorais. Onde é que nos vamos bater para ganhar as eleições? Foi aquilo que fizemos em 2021, 2017 e 2013.

O PS foi a força política mais votada nas autarquias. É mesmo o fator essencial, não apenas para a aplicação das políticas públicas, mas sobretudo para o próprio rejuvenescimento dos partidos políticos. Porque é a partir das eleições autárquicas que se promove o grande rejuvenescimento político dos partidos. Por isso digo que as eleições autárquicas de 2025 são decisivas para os dois grandes partidos portugueses.

E é mais importante ter respostas a esses pontos de interrogação todos que colocou agora para perceber se quer ser candidato à Câmara do Porto ou se quer manter-se como uma alternativa à liderança do PS no futuro, não sendo uma coisa incompatível com a outra?

Sabe que na vida política é tão importante saber ganhar como saber perder. Estou aqui, naturalmente, no apoio ao secretário-geral que ganhou as eleições. Hoje há um só partido, há um só secretário-geral. Sou também relativamente novo para me demitir dos meus deveres cívicos.

Enquadra-se naquele capítulo do rejuvenescimento...

Ainda sou suficientemente novo, já não digo jovem, para abdicar dos meus deveres cívicos e políticos. Diria que termos hoje pessoas que entregam as suas vidas à vida política, é algo que deve ser enaltecido.

Aqueles mais jovens que hoje estão também na direção do partido, que querem levar por diante esse legado de valores e de princípios, devem ser enaltecidos. Sempre estive e estarei no futuro onde o meu partido entender que melhor posso servir esses valores e esses princípios.

Não está fora do seu horizonte vir a ser de novo candidato à liderança do PS?
Neste momento, o tempo político é do secretário-geral, Pedro Nuno Santos. Como disse, nunca me demitirei dos meus deveres cívicos e políticos.

A partir de setembro a GNR e a PSP vão receber mais de 200 euros do suplemento de risco. Passa dos atuais 100 para 300 euros e até 2026 vão receber 400. É para si um amargo de boca não ter conseguido este aumento para os polícias?

Não, não é. Fiquei satisfeito por ter havido um acordo, porque isso contribui para dar tranquilidade às forças de segurança. Mas tenho a consciência de que houve uma instrumentalização de um sentimento de injustiça relativo que as forças de segurança constituíram relativamente ao suplemento que foi atribuído à PJ.

A prova de que houve instrumentalização está na conclusão do acordo. Porque, sejamos honestos, as manifestações começaram porque os polícias queriam um suplemento equivalente ao da PJ e o acordo não estabeleceu um suplemento igual. Portanto, houve uma instrumentalização político-partidária de um sentimento de injustiça. Mas também já disse que a solução tem de ser duradoura e servir os interesses do Estado.

Sejamos claros, nós tínhamos uma política em curso que foi interrompida a meio da legislatura. Como já disse, avançámos com a maior lei de programação de investimentos de 607 milhões de euros. Em 2017, tinha sido executada uma com 340 milhões. Dei um contributo muito relevante para a resolução dos problemas de alojamento, que tem que continuar, numa cooperação muito positiva com as autarquias.

E tínhamos também em curso um processo de reforço das remunerações em 20% para as forças de segurança entre 2022 e 2026 e o meu antecessor aumentou o suplemento de risco da componente fixa de 70 para 100 euros, que foi atribuído a todos. Ou seja, não apenas aqueles que estão que estão no patrulhamento e expostos ao risco, mas também para aqueles que estão em funções administrativas, como aliás acontece agora.

O que foi feito agora deveria ser reavaliado no futuro, quando for feita uma discussão mais estrutural. Se estamos a falar de suplemento de risco, temos de avaliar quem efetivamente está exposto ao risco.

O Governo tinha feito uma revisão das carreiras gerais e estávamos a entrar na revisão das carreiras especiais, onde entram os órgãos de polícia criminal. Do meu ponto de vista, os titulares de responsabilidades políticas com tutela sobre os órgãos de polícia criminal, onde está o Ministério da Administração Interna, o Ministério da Defesa Nacional, que tem a Polícia Marítima e os militares, o Ministério da Justiça, o Ministério da Economia, que tem a tutela da ASAE, devem, sob a coordenação do primeiro-ministro e com o acompanhamento do ministério das Finanças, avaliar a estrutura remuneratória e estabelecer um quadro de comparação relativamente equivalente para que funções e complexidade e exigência equivalentes haja uma remuneração base superior e equivalente. Isto permitirá fazer uma revisão aos suplementos que, nalguns casos, podem e devem ser integrados na estrutura remuneratória de base.

Noutros casos, poderá também remunerar melhor as dimensões efetivas do risco quando elas existam e prevaleçam. Esta seria a abordagem adequada a uma solução estrutural. Porque a solução que até aqui foi adotada, embora tenha sido anunciado que se pretende fazer uma segunda ronda para avaliar as questões de natureza estrutural, é útil aos polícias momentaneamente, mas não é estrutural ao interesse do Estado.

Terminou na quinta-feira o mandato, já prolongado um mês, do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI), o embaixador Paulo Vizeu Pinheiro, que foi nomeado pelo Governo socialista, sem que haja substituto para fazer a transição. Que leitura faz da gestão que o Governo tem feito nesta matéria?

Entendo que o Governo nestas matérias de soberania deve sempre promover um diálogo e a concertação com o principal partido da oposição, bem como com outras lideranças partidárias com quem entenda dever fazê-lo.

É um dever, porque tem havido decisões que são muito perniciosas ao Estado na forma como se tem feito uma limpeza a eito em altos quadros da administração pública, sem cuidar de garantir que há uma transferência de conhecimento. Isto tem efeitos nocivos na própria administração pública.

O argumento das indemnizações que, do meu ponto de vista, é demagógico, é apenas um argumento para ter aceitação popular, mas não é aceitável quando estamos a falar de funções que são relevantes e que têm conhecimento adquirido.

A substituição de um alto dirigente da administração pública sempre que há mudanças políticas do governo, deve obedecer a um tempo destinado à transferência de conhecimento. No que respeita ao SSI, isso é ainda mais relevante, porque estamos a falar do mais importante órgão de decisão da mais importante estrutura de decisão estratégica sobre a segurança nacional.

Quero aproveitar para deixar ficar uma palavra de gratidão ao senhor embaixador Paulo Vizeu Pinheiro, pelo trabalho que ele desenvolveu de cooperação, de diálogo e de integração das várias visões das forças e serviços que contribuem para a arquitetura de segurança interna.

Teve uma demonstração muito clara e competente na gestão da Jornada Mundial da Juventude. Sei que a decisão de servir Portugal no âmbito da Aliança Atlântica está tomada, admito que haja alguma reserva também na escolha que venha a ser feita, mas a consulta ao maior partido da oposição e ao líder do maior partido da oposição deve existir. Se é que não foi feita, deve ser feita.