Educação
03 junho 2024 às 12h51
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Falta de assistentes operacionais: “As escolas não são lugares seguros”

Diretores escolares, pais e encarregados de educação apontam a falta de assistentes operacionais como um dos potenciadores de insegurança nas escolas e querem que a portaria que define o rácio do número de funcionários seja revista.

O Relatório Anual de Segurança Interna 2023 (RASI) traça um cenário negativo no que se refere à segurança nas escolas públicas. Segundo o documento junto a estes estabelecimentos, e no seu interior, observou-se um “aumento global de ocorrências (+12,4%)” e de “ocorrências de natureza criminal (+16,1%)”, comparativamente a 2022. Em causa estão furtos, roubos e tráfico de estupefacientes de menor gravidade, tendo sido registadas 6821 no total, em 2023. A delinquência juvenil, também aumentou 8,7%.

Dados que justificam o alerta dos assistentes operacionais (AO), pais e diretores escolares, que dizem serem as escolas lugares cada vez menos seguros. Na base dessa insegurança está a falta de AO, o que leva à quase inexistência de vigilância nos recreios, principalmente nas escolas básicas e secundárias.

Em declarações ao DN, um pai de uma aluna de 12 anos, que pediu anonimato, descreve o que considera serem “dois anos de stress constante” a que a filha esteve sujeita na escola. A criança frequenta o 6.º ano e “há mais de um ano que não sai para o recreio nos intervalos”. “Fica no interior do edifício com mais uma amiga nos intervalos porque a escola onde estuda tem alunos desde o 5.º ano ao 12.º. Os alunos mais velhos fazem bullying aos mais novos e, no caso da minha filha, foram várias as vezes em que foi apalpada e se sentiu ameaçada. Não havendo supervisão, decidimos que o mais seguro seria não ir para o recreio, como ela própria nos andava a pedir. Tivemos que fazer um pedido à direção para a deixarem ficar no interior do pavilhão nos intervalos e a direção aceitou”, conta.

Carla Cadilhe, assistente operacional numa escola da Póvoa de Varzim explica que a falta de AO impossibilita a vigilância dos recreios e afirma: “As escolas não são lugares seguros.” “Na minha escola há uma pessoa que de vez em quando faz uma pequena vigilância, mas se está num lado, não está do outro lado. Para uma escola inteira, esta vigilância é praticamente nada”, refere. Para a AO “o que está a falhar é a portaria que define o rácio do número de AO e o facto de a portaria não ter em conta as diferentes estruturas das escolas”. “Uma escola de 1.º ciclo e uma secundária, por exemplo, são muito diferentes. As secundárias são enormes e é isso que as entidades competentes não têm em atenção. Calculam o mesmo rácio igual para todas”, explica. Carla Cadilhe frisa ainda que quando está destacada para trabalhar no bar da escola, deixa de poder vigiar os alunos que lhe competem. “Por norma, os AO estão dentro do edifício e depois, cá fora, onde está a vigilância?”, questiona.

A assistente sublinha ainda a dificuldade que existe para substituir quem falta por motivos de doença, algo que acontecia de forma mais célere, conta, quando os AO eram responsabilidade do Ministério da Educação (ME). Recorde-se que, em 2019, o então Governo de António Costa aprovou a transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da educação. Os AO transitaram, assim, para os mapas de pessoal das câmaras municipais da localização geográfica respetiva.

Funcionários sentem-se inseguros

Paulo Marinho, secretário-geral do Sindicato Independente e Solidário dos Trabalhadores do Estado e Regimes Públicos (SISTERP) tece as mesmas críticas e é perentório ao afirmar que “claramente, as escolas não são lugares seguros”. O responsável tem alertado “as entidades competentes para este problema” e mostra-se preocupado com a escalada de violência nas escolas. “É uma preocupação nossa e dos encarregados de educação (EE). As pessoas devem ser exigentes com os municípios que, bem ou mal, arcaram com esta responsabilidade”, afirma. O sindicalista diz ainda haver poucos municípios preocupados com a falta de funcionários nas escolas e promete continuar a pressão para conseguir mais AO nos estabelecimentos escolares. “Temos pressionado e vamos continuar, é a salvaguarda das crianças que está em causa”, refere, acrescentando que há municípios que conseguem responder aos pedidos e outros que não.

Segundo Paulo Marinho, a escola de hoje, “por força da sociedade, é muito diferente”. “Os pais e os EE têm atitudes condenatórias e os AO estão muitas vezes em risco”, conta. Perante este clima de insegurança, o SISTERP tem sugerido aos trabalhadores que assinem um termo de escusa de responsabilidade. A medida, conta, já surtiu efeito, levando alguns municípios a aumentar o número de AO nas escolas.

Envelhecimento e absentismo

À semelhança da classe docente, também os AO estão “envelhecidos”, levando a um “absentismo profundo”. “Temos trabalhadores já com uma certa idade e, mesmo os mais jovens, estão cansados e desmotivados porque se sentem desrespeitados. Há um absentismo profundo que merece a atenção de todos, com baixas curtas e prolongadas porque há um grande mau estar”, refere o representante do SISTERP. Defende, por isso, mudanças de funções aos 55 anos, idade a partir da qual “os AO não deveriam assumir funções de vigilância”. Além destes problemas, Paulo Marinho alerta para o “assédio laboral” cada vez mais frequente e para a “criminalidade “escondida pelas direções das escolas”. “É um problema delicado e não é por acaso que os AO se sentem inseguros. Os alunos ameaçam os AO e os professores. Não havendo vigilância, é um problema. Há alunos e EE que aproveitam a escola para semear a insegurança e o medo e há direções que escondem os reais problemas existentes à comunidade escolar”, denuncia.

O secretário-geral do SISTERP pede aos municípios para “assumirem as suas competências, dando resposta a este clima de insegurança nas escolas”.
Última revisão da portaria que define o rácio de AO data de 2021
O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, tem defendido a revisão da portaria Portaria 73/A, que define o número de AO afetos às escolas e cuja última alteração data de 2021. Esta atualização, afirma, é cada vez mais urgente porque houve “mudanças significativas nas escolas nos últimos anos”. “Temos uma população que não é só portuguesa e é uma nova realidade. Têm chegado alunos estrangeiros em massa quase diariamente. Essa portaria deveria ser revista por vários motivos e este é um deles, bem como a necessidade de aumentar o número de técnicos de informática. São precisos mais assistentes técnicos, mais AO e mais recursos humanos nas escolas”, assegura. Filinto Lima explica ser necessário que o Governo reveja o orçamento para as autarquias, para que estas possam colocar mais funcionários nos estabelecimentos escolares.

Questionado sobre as consequências da escassez de funcionários nas escolas, o presidente da ANDAEP não considera que os estabelecimentos escolares sejam lugares inseguros, embora admita que essa falta de AO “é um fator potenciador de insegurança”. “Acho que podemos ser proativos e perceber que em algumas escolas são necessários mais AO, principalmente em contexto de recreio, não só para supervisão, mas também para encaminhamento e orientação”, refere. Desde 2021, continua, a realidade das escolas mudou, bem como a postura dos alunos. “Os miúdos estão mais ansiosos, impertinentes, talvez por efeito da pandemia, estão mais desafiantes. É preciso ter mais paciência e ser mais vigilante”, admite. Mudanças ainda mais desafiadoras devido à média de idades dos AO, afirma.

E de forma a tornar mais visível a complexidade do problema, Filinto Lima exemplifica com casos concretos em dias de greve. “Há escolas com tão poucos funcionários que basta que haja um a aderir a uma greve para ser necessário encerrar a escola, principalmente as de 1.º ciclo”. Segundo o responsável, o problema tornou-se mais claro e evidente desde dezembro de 2022, altura em que as greves se multiplicaram e muitas escolas tiveram de fechar portas. “Percebeu-se claramente que as escolas fechavam maioritariamente pela ausência de funcionários”, conclui.

CONFAP quer mais AO e com mais qualificações

Mariana Carvalho, reeleita na semana passada presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), admite problemas no que se refere à falta de AO nas escolas, mas diz não ter recebido denúncias por parte dos pais. Para a responsável, o problema pode ser resolvido com a revisão do decreto lei que define o rácio de AO, pois estes “não são suficientes e devem ser alterados”. Mariana Carvalho lamenta ainda a contagem de AO, mesmo quando estes estão a faltar por motivos de doença. “Quando os AO estão de baixa continuam a contar no rácio e isso eleva a dimensão do problema”, assegura. A presidente da CONFAP alerta para aquilo que considera ser também preocupante e que passa pela não contemplação da dimensão das escolas, bem como dos espaços exteriores para a contabilização dos funcionários necessários. “Os rácios não contemplam a planta das escolas e é uma das questões que queremos ver alteradas. Há escolas com vários edifícios e espaços exteriores maiores. É uma preocupação geral que já vem de há um tempo para cá. A portaria não contempla a dimensão, o número de pisos ou a área exterior”, explica. Mariana Carvalho quer ainda que os AO ao serviço das escolas tenham mais qualificações.

Estas questões, promete, serão discutidas em breve com o Ministério da Educação, Ciência e Inovação.