Em junho de 2005, dois anos e meio depois do desastre ecológico provocado pelo afundamento do petroleiro Prestige, o Partido Popular (PP), acusado de má gestão no rescaldo da tragédia, perdeu a maioria absoluta que Manuel Fraga Iribarne tinha desde 1990 na Galiza. Quase 20 anos depois, não foi uma maré negra, mas uma maré de plástico a que chegou às costas da região espanhola, sob a forma de pellets (granulados) que caíram de um navio de contentores. Mas, desta vez, pode não ser a poluição a custar ao PP a maioria absoluta, reconquistada por Alberto Núñez Feijóo em 2009 e mantida noutras três eleições, mas a polémica do agora líder nacional em torno de um indulto aos independentistas catalães
Feijóo trocou a Galiza pela política nacional há quase dois anos, passando a pasta ao seu vice-presidente, Alfonso Rueda. Este tinha até junho para marcar as eleições, mas decidiu antecipá-las, diante de sondagens favoráveis à revalidação da maioria (42 dos 75 lugares no Parlamento Regional). A vitória de Rueda não é posta em causa por nenhuma sondagem (as últimas datam de segunda-feira passada), mas a corrida parece ser mais renhida que o esperado, com algumas pesquisas a darem mesmo a perda da maioria absoluta.
O partido que mais vai crescer, de acordo com os inquéritos, é o Bloco Nacionalista Galego (BNG), que tem atualmente 19 deputados, com Ana Pontón a ser a favorita a liderar uma coligação de esquerda com os socialistas (14 deputados), que têm como líder José Gómez Besteiro, a perder ainda mais lugares. Em 2005, apesar de Fraga ter ganho as eleições, ficou aquém da maioria, com o socialista Emilio Pérez Touriño a ser eleito presidente da Xunta da Galiza graças a uma coligação com o BNG.
Nessa altura, o PP (que também estava à frente do Governo Nacional com José Maria Aznar) foi castigado na Galiza por causa da resposta à maré negra do Prestige. Com o acidente com os pellets, a esquerda galega esperava mobilizar o seu eleitorado a ir à urnas, para voltar a derrotar a maioria absoluta do PP. Mas a Xunta passou as culpas para o Governo Central pela intervenção tardia, enquanto de Madrid se pedia aos galegos que elevassem o nível de alerta para poder ajudar. No final, o caso marcou a pré-campanha, mas acabou por ficar para segundo plano.
O tema que acabou por marcar a última semana diz respeito aos independentistas catalães. A uma semana das eleições, veio a público que Feijóo, antes de rejeitar totalmente a ideia, terá analisado durante 24 horas a proposta de amnistia exigida pelo Junts per Catalunya em troca de um eventual apoio à investidura do líder do PP como primeiro-ministro. Mais: que não era contra a ideia de um indulto (mesmo com muitas condições) ao antigo presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, autoexilado na Bélgica para escapar à Justiça espanhola. A esquerda acusou-o de falsidade e contradição, uma vez que nos últimos meses mobilizou milhares de pessoas em protestos contra amnistia.
Feijóo não está no boletim de voto na Galiza, mas após ter conquistado quatro maiorias absolutas na região e ter sido quase omnipresente durante a campanha, arrisca que um eventual desaire do PP tenha leituras nacionais. Para evitar esse cenário, o partido mobilizou-se, com Rueda a contar não apenas com a presença de Feijóo, mas também o apoio da popular líder da Comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso.
Tudo para evitar o que apelidam de “procés à galega”, recorrendo à palavra usada para referir o processo independentista catalão, considerando que existe o risco de algo semelhante com um Governo liderado pelo BNG -- que comparam ao Junts, à Esquerda Republicana da Catalunha ou até ao Bildu (do País Basco). E acusam o socialista Besteiro de apoiar esse cenário.
A Galiza é o único Parlamento Regional onde a extrema-direita do Vox não tem um lugar -- e, segundo as sondagens, é provável que continue sem ter. Mas o partido de Santiago Abascal não perde a esperança de ainda poder surpreender. Há algumas sondagens que admitem a eventual entrada no Parlamento do Sumar, da vice-presidente do Governo Yolanda Díaz, ou da Democracia Ourensana, um partido provincial de Ourense. Este último é aliado do PP e poderá, eventualmente, contribuir para uma maioria absoluta de direita.
Quase 2,7 milhões de eleitores são chamados este domingo às urnas, sendo que quase meio milhão estão no estrangeiro e puderam votar por correio. Estes votos só começam a ser contados a partir de dia 26 e podem implicar mudanças (aconteceu nas últimas eleições gerais), pelo que se a votação for muito renhida, ainda pode demorar dez dias a confirmar-se uma ou outra maioria.