Tinha 87 anos
19 fevereiro 2024 às 12h21
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Morreu Abílio Diniz, o luso-brasileiro que fundou o Pão de Açúcar

Fundador do grupo de supermercados, entre outros empreendimentos, era uma lenda do mundo dos negócios no Brasil. Não resistiu a uma insuficiência respiratória. Morreu aos 87 anos.

Abílio Diniz faleceu em São Paulo, a cidade onde nasceu há 87 anos, na noite de domingo, 18, já madrugada de segunda-feira em Lisboa, vítima de uma insuficiência respiratória nomeada, pelos relatórios médicos, de “pneumonite por hipersensibilidade”. Diniz foi um dos mais respeitados e bem-sucedidos homens de negócios do Brasil depois de ter fundado nos anos 60, ao lado do pai, Valentim Diniz, nascido na região de Pinhel, em Portugal, o grupo Pão de Açúcar, a que juntou, entretanto, muitos outros empreendimentos ao longo da vida.

Diniz, mais velho de seis irmãos, cresceu numa casa nos fundos de uma padaria de Valentim no centro de São Paulo chamada Doceria Pão de Açúcar. Em 1963, quatro anos depois de se formar em gestão na Fundação Getúlio Vargas e de fazer estágios em redes de supermercados em França e nos EUA, assumiu ao lado do pai o comando da então ainda pequena rede de padarias familiares, tornando-a num colosso da venda a retalho em poucos anos - em 1971 já liderava no segmento em toda a América do Sul.

Pelo meio, criou a Associação Brasileira de Supermercados e o Jumbo, primeira rede de hipermercados do país. Considerado visionário pelos pares empresários, implantou o primeiro hipermercado dentro de um centro comercial e as primeiras farmácias abertas 24 horas.

A importância no mundo dos negócios levou-o a ter influência no mundo político. Diniz manteve relação ora próxima, ora conturbada com os diversos presidentes brasileiros, de João Batista Figueiredo, o último da ditadura militar, até Lula da Silva, o atual chefe de Estado, e os respetivos ministros das Finanças.

Há registo de atritos com José Sarney, o presidente que intermediou a passagem da ditadura para a democracia, de apoio a Collor de Mello nas primeiras eleições democráticas e de convívio ameno com os dois primeiros governos de Lula e os de Dilma Rousseff.  “Já comemos muito sal juntos”, disse em encontro do grupo de empresários Esfera Brasil com Lula antes da eleição de 2022 para sublinhar a relação intensa com o atual presidente.   

O empresário exerceu mesmo um cargo político, como membro do Conselho Monetário Nacional, na década de 80, período em que foi agraciado com o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique, de Portugal.  

Diniz protagonizou ainda um momento pessoal de enorme tensão, em 1989. Quando saía de carro de casa para o emprego foi bloqueado por uma ambulância falsa e sequestrado por 153 horas até ser libertado pela polícia, numa casa na zona norte de São Paulo. Os dez sequestradores eram todos sul-americanos, incluindo um brasileiro.  

Por essa altura, Diniz passava, com o confisco da poupança dos brasileiros determinado pelo governo Collor, por grave crise nos negócios, fechando 270 lojas e colocando o Grupo Pão de Açúcar à venda. Pretexto para um conflito familiar envolvendo a mãe, Floripes, e os irmãos Arnaldo e Sônia, pelo controle da empresa. “A tarde que selou o rompimento da família foi um dos meus piores momentos”, disse, já depois de adquirir a participação dos irmãos.      

Em 2012, no contexto da globalização e da entrada de competição estrangeira no mercado, acabou por vender o grupo Pão de Açúcar à multinacional francesa Casino, num processo atribulado que envolveu a concorrente do grupo comprador, a Carrefour, para cujo conselho de administração acabaria por entrar na sequência.

Em paralelo, começou a dedicar-se freneticamente à prática de desportos - “você tem de achar que é eterno”, dizia, no intervalo de maratonas e pesadas sessões de musculação - e a acompanhar o clube do coração, o São Paulo, a cujos jogos assistia em casa com sete televisores ligados em simultâneo. 

O velório de Diniz, aliás, realizou-se no MorumBis, estádio do São Paulo.

Diniz teve seis filhos, entre os quais o empresário João Paulo, falecido por problema cardíaco há um ano e meio, o maior golpe que sofreu na vida, segundo o próprio, e Pedro Paulo, piloto que correu na Fórmula 1. Casou-se duas vezes, com Auriluce Falleiros, mãe de quatro dos filhos, e Geyze Marchesi, mãe dos outros dois.

Geraldo Alckmin, vice-presidente do Brasil, Tarcísio de Freitas, governador do estado de São Paulo, Romeu Zema, governador do estado de Minas Gerais, Simone Tebet, ministra do Planeamento, Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, e Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, foram dos primeiros a lamentar a morte de Diniz. “Visionário” e “inspirador” foram as palavras mais utilizadas para o descrever.

Mas ele preferia ver na lápide a inscrição “estou aqui, mas eu vim contra a minha vontade”.