Presidenciais
12 janeiro 2024 às 23h10
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Futuro da relação China-EUA vai hoje a votos em Taiwan

Sondagens dão vantagem ao candidato do DPP, William Lai. Pequim avisou ontem que as Forças Armadas estão prontas para impedir quaisquer planos de independência.

Mais de 19,5 milhões de eleitores em Taiwan vão hoje às urnas escolher entre três candidatos quem será o próximo presidente da ilha, mas também os novos deputados. O tema central da campanha foi a relação com a China, sendo que, segundo os analistas, o resultado destas eleições irá também ajudar a definir como será a relação entre Pequim e os Estados Unidos de agora em diante. Com os independentistas do DPP, atualmente no poder, à frente das sondagens, a pressão chinesa tem-se feito sentir de várias formas, tendo Xi Jinping deixado o recado no seu discurso de final do ano de que a reunificação com Taiwan é uma “inevitabilidade histórica”. 

“Se ganhar o Partido Democrático Progressista (DPP), é provável um aumento das tensões entre Pequim e Taipé, que tem consequências negativas para as relações entre Pequim e Washington. Se ganhar o Partido Nacionalista (Kuomintang) é possível uma pausa nas tensões entre Pequim e Taipé”, defendeu Carlos Gaspar, professor catedrático e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA), em declarações recentes ao DN. 

Uma opinião partilhada por Luís Tomé, professor catedrático e diretor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa. “As eleições em Taiwan podem precipitar fatores negativos na relação da China com os Estados Unidos e uma tensão muito grande se ganharem os independentistas do DPP novamente.”.

Ainda esta semana, Pequim apelou aos Estados Unidos para não “se intrometerem” nas presidenciais de Taiwan e disse opor-se “firmemente” aos laços entre Taipé e Washington, que anunciou o envio de uma delegação à ilha após a votação. Os Estados Unidos “não devem interferir nas eleições na região de Taiwan, sob qualquer forma, de forma a evitar danos graves nas relações sino-norte-americanas”, disse Mao Ning, porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros chinês.

Paz nas relações com a China

No debate conjunto que os três candidatos à presidência realizaram no final de dezembro a mensagem comum foi o desejo de manterem relações pacíficas com a China.

William Lai, atual vice-presidente e considerado favorito, afirmou estar disposto a dialogar com as autoridades chinesas. “Desde que haja igualdade e dignidade nos dois lados do estreito de Taiwan, a porta de Taiwan estará sempre aberta”, disse o independentista do DPP, frisando que está disponível para cooperar com Pequim no sentido de “melhorar o bem-estar das pessoas dos dois lados do estreito de Taiwan”.

Considerado mais amigável com Pequim, o Kuomintang apoiou, no passado, a unificação com a China, mudando de posição nos anos recentes, à medida que o eleitorado se foi identificando mais como taiwanês, por oposição a chinês. No mesmo debate, o seu candidato, Hou Yu-ih, defendeu “democracia e liberdade” para Taiwan, e, embora recusando a unificação com a China, destacou a importância de manter relações pacíficas com Pequim.

O terceiro candidato, Ko Wen-je, do Partido do Povo, sublinhou que as pessoas dos dois lados do estreito “são da mesma raça e têm a mesma história, língua, religião e cultura, mas, nesta fase, têm diferentes sistemas políticos e modos de vida”, fazendo depender o diálogo com Pequim da preservação da democracia que existe em Taiwan.

Mesmo apesar de estas mensagens pacificadoras, o Ministério da Defesa chinês deixou ontem mais um aviso de que as Forças Armadas do país estão em elevado estado de alerta e prontas a tomar todas as medidas necessárias para impedir quaisquer planos para a “independência de Taiwan”. Uma resposta à mais recente atualização de Taiwan da sua frota de caças e os planos de Taipé para comprar mais jatos aos Estados Unidos.

Nos últimos meses, a China, que teme que a vitória de Lai seja um passo para a independência, tem sugerido aos eleitores de Taiwan que a votação de hoje é uma escolha entre a paz e a guerra.

Crescentes desigualdades sociais

Além da relação com a China, o futuro presidente de Taiwan vai ter de lidar também com outras questões internas. A ilha tem a sua economia em terreno positivo, mas apresenta uma crescente desigualdade, alimentada por salários baixos e elevados preços da habitação.

A economia da ilha cresceu 2,3% no terceiro trimestre, enquanto a bolsa de valores atingiu em dezembro o nível mais elevado em quase dois anos. Já a taxa de desemprego caiu em novembro para 3,3%, o valor mais baixo desde 2000, e a inflação é de 2,9%.

Embora tenha havido um crescimento na área da tecnologia, os salários estagnaram nos serviços, setor que representa a maioria da mão-de-obra em Taiwan. Cenário acompanhado por um problema de habitação, área em que os preços estão fora de controlo, e que o governo tem procurado combater com mais benefícios sociais, promoção do arrendamento e redução da especulação imobiliária, mas sem grande sucesso, nomeadamente junto dos mais jovens.

Quem são os três candidatos a presidente

EPA/RITCHIE B. TONGO

William Lai
Partido Democrático Progressista (DPP)

O independentista William Lai, de 64 anos, começou a carreira política como deputado e depois presidente da Câmara de Tainan, no sul da ilha, antes de se tornar primeiro-ministro de Tsai Ing-wen, a atual presidente, entre 2017 e 2019. Há quatro anos, desafiou Tsai, sem sucesso, nas primárias do DPP, antes de se tornar vice-presidente. Pequim acusa Lai de ser um “separatista”, termo do Partido Comunista Chinês para aqueles que não apoiam a noção de que Taiwan pertence à China.

Nesta campanha, tem prometido seguir a linha de Tsai nas questões relacionadas com a China e fazer o seu melhor para manter o status quo do território, uma independência de facto mas não formal. “Gostaria de reiterar que Taiwan já é uma nação independente e soberana e, portanto, não temos necessidade de declarar a independência de Taiwan”, disse Lai há cerca de um ano, quando assumiu a liderança do DPP. No passado, chegou a identificar-se como um “trabalhador pragmático pela independência de Taiwan”.

EPA/RITCHIE B. TONGO

Hou Yu-ih
Kuomintang (KMT)

Foi agente da polícia e subiu na hierarquia até se tornar diretor-geral da Agência Nacional da Polícia em 2006. Tornou-se presidente da Câmara de Nova Taipé em 2018 e foi reeleito no final de 2022, com uma vitória esmagadora, graças à sua fama de moderado e eficiente. Nascido em 1957 na vila de Chiayi, no sudoeste da ilha, Hou passou a infância a ajudar na banca de carne de porco da família num mercado local. Tem um doutoramento em Prevenção do Crime e Correções pela Universidade Central da Polícia.

Até à sua candidatura presidencial, Hou manteve-se afastado da direção do partido e evitou pronunciar-se sobre questões relacionadas com a China. Desde então, expressou apoio a uma versão do “consenso de 1992”, que está em conformidade com a Constituição chinesa, referindo-se à política de longa data do KMT de que Taiwan faz parte da China, mas discordando de Pequim sobre o que significa essa “China”, ou seja, não é pró-Pequim, mas apenas a favor de laços mais estreitos.

EPA/RITCHIE B. TONGO

Ko Wen-je
Partido do Povo de Taiwan (TPP)

Ko fundou o TPP em 2019 com o objetivo de atrair os eleitores insatisfeitos com o governo do DPP e não dispostos a apoiar o KMT. Nascido na cidade de Hsinchu, no norte da ilha, em 1959, Ko foi cirurgião durante três décadas, até ter concorrido para autarca de Taipé, em 2014, derrotando de forma esmagadora o candidato do KMT, apesar de ser um estreante na política - governou a capital de Taiwan por dois mandatos, até 2022.

Apoiou anteriormente a candidatura de Tsai à presidência, mas, nos últimos anos, afastou-se da sua posição de apoio ao DPP e declarou-se como “terceira força”, acusando os independentistas no poder de serem demasiado “pró-guerra”. Defende uma maior colaboração económica com a China, alegando que as duas partes têm muito em comum em termos de cultura, religião e história. No entanto, a nível político, considera que a noção de “uma só China” é atualmente impossível, referindo-se à posição de Pequim de que Taiwan é uma província chinesa. 

Tópicos: Taiwan, China