Visto por especialista em comunicação
04 abril 2024 às 07h05
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Novo Governo. Mais organizado, mas com grande distância entre os ministros

Especialista em comunicação não verbal diz que postura da maioria dos governantes na foto oficial do Executivo traduz abertura e alinhamento com a imagem que querem passar.

A primeira impressão de Irina Golovanova ao analisar a fotografia oficial do Executivo de Luís Montenegro, partilhada nas redes sociais do Governo na manhã desta quarta-feira, recaiu no acréscimo de organização em relação à foto de conjunto do derradeiro executivo de António Costa. Para a especialista em comportamento e comunicação não verbal, que é diretora da Body Language Academy, a forma como os 18 governantes se posicionaram nas escadarias da residência oficial do primeiro-ministro transmite uma ordem que faz a diferença.

Ainda assim, desafiada pelo DN a explicar o que o retrato oficial do XXIV Governo Constitucional (ainda só com ministros, ficando a posse dos secretários de Estado para esta sexta-feira) tenta comunicar a quem o vê, deixa um reparo à distância entre os 18 fotografados, separados por três filas. “Se ficassem mais perto uns dos outros deixariam uma impressão de maior unidade”, diz, embora admita que “cada um tem o seu espaço”.

A especialista em comunicação não verbal volta a fazer uma comparação do registo fotográfico do último Executivo de António Costa para chamar a atenção a um conjunto “menos colorido em termos de roupa”. Assumindo como boa escolha a prevalência do azul, a começar por Montenegro - que até na gravata não destoou -, Golovanova explica que é uma cor “associada à competência” e que “agrada tanto a homens como a mulheres”.

Entre as exceções ao tipo de roupa escolhida pelos novos governantes, com imagem claramente mais conservadora, a diretora da Body Language Academy não encontra nada que se assemelhe à saia “demasiado longa” envergada pela antiga ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva. Além do casaco mais colorido da nova responsável pela pasta da Justiça, Rita Júdice, Golovanova chama a atenção para o casaco verde da ministra da Juventude, Margarida Balseiro Lopes, por ser a cor associada à esperança, e para o cinzento da ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, que lhe interessa por ser “uma cor mais analítica”.

Reconhecendo que o retrato oficial do Governo está “muito alinhado com a imagem que se quer passar”, detém-se na ministra da Saúde, Ana Paula Martins, para dizer que o contraste entre preto e branco na roupa “aumenta a perceção de poder” da responsável por um dos ministérios com mais problemas.

“Não sabemos qual foi o grau de consciência dessa escolha. Se foi por acaso, calhou-lhe bem”, diz.

Questão de mãos e de olhos

Na fotografia oficial também salta à vista o contraste entre as poses dos ministros. Ao centro, Montenegro e os ministros de Estado Paulo Rangel (Negócios Estrangeiros) e Miranda Sarmento (Finanças) estão entre os que optam por manter os braços estendidos ao longo do corpo, como é “protocolarmente correto”. Algo que significa abertura, sendo essa a forma como se apresentam na primeira fila Leitão Amaro (Presidência) e Rita Júdice (Justiça), tal como Pedro Duarte (Assuntos Parlamentares) e Ana Paula Martins (Saúde) na segunda, e ainda Miguel Pinto Luz (Infraestruturas) na terceira.

Quase tantos são os ministros que surgem com as mãos juntas à frente do corpo, o que Golovanova adverte ser “uma postura que torna a pessoa mais pequena”, sem procurar destacar-se. Desde logo, a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, que a especialista em comunicação não verbal admite “não se sentir à vontade”.

Com a agravante, também patente noutros dos incluídos na fotografia oficial - como Maria do Rosário Palma Ramalho (Trabalho) e Dalila Rodrigues (Cultura) -, de estar a olhar para o lado e não em frente, o que se explica com a presença de outros repórteres fotográficos além do autor do retrato partilhado nas redes sociais do Governo. Mas não deixa de constituir ruído na comunicação. “Fica a ideia de que olhar para a câmara não será um dos maiores desafios que irão enfrentar e nem isso conseguem”, comenta Irina Golovanova.

Mais intrigante considera ser a linguagem corporal de dois ministros no canto direito da foto. Na primeira fila, Castro Almeida (Coesão Territorial) surge de mãos nas costas, pelo que “não passa despercebido”. E, logo atrás, o titular da pasta da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, tem os braços cruzados, o que Irina Golovanova defende “deixar impressões muito diferentes”.

Nesse sentido, recorda um inquérito feito pela Body Language Academy em 2016, na qual as interpretações sobre essa postura “variavam do oito para o 80” entre os portugueses, rotulando quem a pratica “desde seguro e confiante até arrogante”. Mas o que chamou a atenção da especialista foi o professor da Universidade do Minho ser a única pessoa com os braços assim. “E ainda bem”, acrescenta.

Olhando para as expressões dos governantes, Golovanova nota o contraste entre o sorriso de Luís Montenegro e o olhar circunspeto de Nuno Melo, embora reconhecendo que o líder do CDS-PP e agora ministro da Defesa “não é uma pessoa muito sorridente”. E remata com uma apreciação geral da fotografia: “Não é perfeita, mas dá uma perceção de maior organização. Se vai ser assim de verdade, ainda vamos ver.”