Brasil
26 junho 2024 às 08h02
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Anielle Franco: “O racismo existe e a gente está aqui para fazer com que diminua”

Em Lisboa para assinar um memorando de entendimento entre Brasil e Portugal e participar do 12º Fórum Jurídico de Lisboa, a ministra da Igualdade Racial do Brasil Anielle Franco concedeu entrevista ao Diário de Notícias.

A ministra da Igualdade Racial do Brasil está em Lisboa e assina hoje no Observatório do Racismo e Xenofobia, da Nova School of Law, um memorando de entendimento entre os dois países. Iniciativa prevê troca de boas práticas,  apuramento de dados estatísticos, bolsas e intercâmbios. “É uma luta de anos, mas estamos nesse começo”, diz. A agenda da ministra também inclui participação no 12º Fórum Jurídico de Lisboa, na mesa "ESG e Sustentabilidade Corporativa", além de encontros com representantes do Governo português e do corpo diplomático brasileiro em Portugal. 

O que significa esse acordo, esse memorando que vai ser assinado hoje em Lisboa?

É o primeiro significado da resposta do trabalho que começou ainda no ano passado, em uma das nossas primeiras missões, quando nós viemos aqui, uma com o presidente Lula e uma sem o presidente. É um trabalho que se inicia dentro de uma reestruturação de um ministério que não existia, num assunto pelo qual muitas das vezes é negado, onde as pessoas dizem que não existe, tanto em Portugal quanto no Brasil. Significa a comprovação de um trabalho que tem sido feito de maneira séria, de maneira árdua, pensando muito, mas fortemente, acima de tudo, num lema que a gente carrega no ministério, que é “onde estiverem povos negros brasileiros precisando de nós, assim estaremos”. O memorando também ocorre justamente num ano onde o presidente de Portugal faz aquela fala da importância da reparação. Para mim, particularmente, enquanto não só ministra, mas também enquanto uma pessoa que morou fora há muito tempo nos Estados Unidos, que passou por diversas situações e hoje está trazendo para cá a possibilidade dessa assinatura, mas de parcerias concretas, de trocas de experiência, de trocas de dados, de boas práticas também, tanto com Portugal quanto no Brasil, significa muito. Significa que a gente está conseguindo avançar numa pauta milenar e eu espero que seja aí o primeiro passo, um dos primeiros passos de muitos.

Portanto, é um resultado prático da cimeira, que foi uma espécie de retomada das relações diplomáticas entre os governos de Brasil e Portugal?

Com certeza. É troca, vamos beber dessa fonte, que foi um pouco do que eu senti quando nós estivemos em Portugal conversando, inclusive na universidade, pela qual a gente está assinando também o memorando, que elas diziam para a gente “olha, o Brasil tem muitos dados nas relações das pautas raciais, a gente lê Sueli Carneiro, a gente lê Lélia Gonzalez, a gente lê muitas das suas intelectuais, então por que a gente não começa daí”? Isso precisa ser política de Estado, não pode ser nada pensado na política de governo, porque quando troca, acaba.

Em termos práticos, o que é que vai significar para as pessoas esse memorando?

Além de discutir boas práticas e estatísticas e dados, podemos também estabelecer intercâmbios, pensar bolsas, pensar as relações que precisam ficar e permanecer, que são as relações diplomáticas que existem entre Brasil e Portugal. Eu acho que para mim isso já é um grande passo para o concretismo de uma população que isso é negado há muito tempo.  Pode ser que a gente não consiga alcançar o ideal, que é uma luta de anos, mas a gente está nesse começo. Essa aproximação com Portugal é um exemplo. Um outro exemplo também foi o que fizemos com o jogador Vini Júnior, que estava sendo muito atacado e segue sendo atacado, infelizmente, com o racismo no desporto. Aquela lei da igualdade, a lei que visa a prisão daquelas pessoas, começa numa reunião entre o Ministério da Igualdade Racial e o Ministério da Igualdade da Espanha. O próprio embaixador que lá reside também nos ajudou. Concretamente falando, visa e busca melhoria de vidas, acesso, o combate a toda essa xenofobia que muitos brasileiros têm nos procurado para falar, mas de uma vez por todas, demonstrar que sim, o racismo existe e a gente está aqui para fazer com que minimamente diminua e dê condições legais para as pessoas que aqui residem. A gente precisa agir, uma preocupação sem ação, ela fica aí no limbo e é literalmente vazia, então acho que por isso o acordo, por isso as reuniões, por isso a nossa presença aqui e por isso cada vez mais o que pudermos fazer em parceria com o governo português, então estar com as nossas outras partes é essencial para que a gente possa desenvolver um trabalho sério mas também de concretude.

Aqui em Portugal o racismo não é crime, individualmente não é crime. Acha que memorandos como esse também podem reforçar esse movimento de tentar tornar o racismo um crime?

Sim, acho que sim. Acho que é sempre uma esperança. Nós assinámos a lei da injúria racial no dia da minha posse lá no Brasil. Desde então,  o tema tem muita visibilidade, mas também ao mesmo tempo agora as pessoas estão sendo punidas. Vindo para cá ontem à noite, teve um caso específico de uma senhora que agrediu um funcionário dentro do aeroporto e foi presa ali em flagrante no mesmo momento que tudo aconteceu.  Quanto mais a gente puder ter leis sérias que visem coibir ou diminuir, porque isso na minha opinião não pode ser a regra, isso tinha que ser a exceção do acontecimento, então as leis podem ajudar.

A lei do Brasil pode servir de exemplo para Portugal e para outros países?

Com certeza, acho que sem dúvida nenhuma, a gente tem muitos países de mundo afora nos quais a gente sabe que infelizmente existe cor e raça para muitas das atrocidades que acontecem então essa lei vem muito nesse sentido de coibir, diminuir mas também dá um destaque eu diria, da importância de frearmos todo e qualquer crime racial que existe.

amanda.lima@dn.pt