O filme Lee Miller - Na Linha da Frente teve a sua primeira apresentação no Festival de Toronto em setembro de 2023. Só agora está a chegar aos grandes mercados internacionais, incluindo os EUA e o Reino Unido, e também aos de menor dimensão, como é o caso português. Tendo em conta que o seu maior trunfo é o protagonismo de Kate Winslet, uma atriz “oscarizada”, conhecida das plateias de todo o mundo, eis um adiamento que dá que pensar.
Mesmo com um nome como Winslet, os mecanismos dominantes do marketing global não sabem o que fazer com um produto que não “encaixa” nas opções correntes dos circuitos comerciais. Colocando a questão de forma cândida, tais mecanismos esbarram na pergunta mais simples: que fazer com um filme sobre Lee Miller (1907-1977), uma mulher fotógrafa?
Se outros méritos não tivesse, este é um filme capaz de resgatar do esquecimento alguém que raras vezes terá sido conhecida (e devidamente admirada) pelo génio do seu labor como repórter de guerra durante o segundo conflito mundial. Sem esquecer que tal esquecimento foi, em parte, favorecido pela própria Lee Miller, ao esconder a maior parte dos negativos das suas fotografias, desgostosa com o facto de, logo após o fim da guerra, não terem sido devidamente publicadas as suas imagens, sobretudo as que testemunham a monstruosidade dos crimes cometidos pelos nazis.
No processo de redescoberta e divulgação de tais fotografias, Antony Penrose (n. 1947), filho de Lee Miller, foi e continua a ser uma figura essencial, obviamente não por acaso com um papel determinante na teia dramática do filme, interpretado por Josh O’Connor (que vimos este ano como um dos protagonistas de Challengers, de Luca Guadagnino). Daí a estrutura tradicional do filme, propondo um ziguezague entre as memórias de uma Lee Miller envelhecida, profundamente desencantada, e os episódios emblemáticos de uma vida invulgar, enfrentando diversas formas de marginalização profissional motivadas pela “estranheza” de uma mulher querer fazer fotografias, não de moda (Lee chegou a ser modelo), mas em cenários de guerra.