Política
08 fevereiro 2024 às 23h22
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Ventura apresenta programa radical, mas com ambição de vencer legislativas

Equiparação das pensões mínimas ao salário mínimo com recurso aos bens confiscados a corruptos, apenas duas taxas de IRS e isenções para jovens são algumas das apostas para o Chega “ficar em primeiro” a 10 de março. Dos temas antigos fica o controlo da imigração.

Foi “com ambição de lutar para vencer” as legislativas de 10 de março que André Ventura iniciou a apresentação do programa eleitoral que o próprio líder do Chega disse ser radical e conter medidas controversas na “compressão de direitos” associada ao “combate impiedoso à corrupção” ou na despesa pública para pôr termo à “miséria que não pode continuar” entre os pensionistas com menores rendimentos.

Respaldado por sondagens que o colocam em torno de 20% de intenções de voto, Ventura disse várias vezes que o Chega não abdica da sua identidade por estar, nas suas palavras, em condições de superar o PS e a Aliança Democrática, sendo a força mais votada nas legislativas de 10 de março. No entanto, falou pouco de temas que eram recorrentes em tempos recentes. O controlo da imigração mantém-se entre as prioridades do partido, mas só no final da longa intervenção do seu líder, sem direito a perguntas ou distribuição do documento “com mais de duas centenas de páginas”, se ouvir uma referência à prisão perpétua para “crimes particularmente hediondos”, como terrorismo e crimes sexuais.

Estabelecendo como “pilar fundamental” do programa eleitoral o “combate impiedoso à corrupção”, que defendeu ter estado ligada à queda da maioria absoluta de António Costa, devido à sua incapacidade de “limpar os interesses que se moviam à volta do Estado”, Ventura assumiu que o Chega advoga uma “compressão de direitos” no sistema judicial, nomeadamente através da limitação dos recursos “que se tornaram um garante de que não se condena ninguém”. De igual modo, no que toca à criação e implementação do crime de enriquecimento ilícito, na qual não resistiu a mencionar “o autarca do Funchal” - sem nomear Pedro Calado - ao falar de detentores de cargos públicos que aumentam o património inexplicavelmente, além de propor “sanções acessórias fortes”, como a proibição do exercício de funções públicas por dez anos, o líder do Chega disse que a punição da criminalidade económica servirá para o financiamento das medidas sociais do eventual governo do seu partido, defendendo que o património dos envolvidos seja apreendido pelo Estado “mesmo antes da condenação final”.

Baseando-se num estudo, que não identificou, no qual se aponta que o fenómeno da corrupção representa 20 mil milhões de euros anuais em Portugal, estabeleceu o objetivo de 20% desse montante ser confiscado. Seria uma forma de financiar aquela que Ventura admitiu ser “a medida mais controversa e mais custosa” com que se apresenta a votos nestas legislativas. O líder do Chega estabeleceu como “principal desígnio” do programa eleitoral um aumento faseado das pensões mínimas que as aproxime do valor do indexante de apoios sociais no espaço de três anos - atualmente esse valor é de 509,26 euros - e as equipare ao salário mínimo ao final de seis.

Rodeado de atuais deputados do Chega que procuram reeleger-se a 10 de março, como Pedro Pinto, Rita Matias, Pedro Frazão, Rui Paulo Sousa ou Mithá Ribeiro, Ventura calculou que a “proposta absolutamente radical” teria um impacto de sete a nove mil milhões de euros, que nos seus cálculos representa um aumento de despesa de 1,3% face ao PIB ao longo de seis anos, o que disse ser “perfeitamente possível e fazível”, constituindo um desígnio nacional” para travar “a miséria que alastra por Portugal”. “É a proposta mais cara e com potencial mais disruptivo que o Chega apresenta”, vincou, defendendo que o aumento de rendimentos desses idosos se refletirá numa diminuição das despesas com saúde, mas também “significa mais consumo, mais poupança e mais dinheiro na economia”.

Para o crescimento económico numa média anual de 4% que o Chega antevê para esta legislatura contribuiriam medidas fiscais, incluindo uma descida do IRC para 15%, “criando um ambiente mais favorável” às empresas. E, naquilo que admitiu ser “discriminação positiva”, prometeu a isenção de IRS para os jovens que entram no mercado de trabalho até perfazerem 100 mil euros de rendimento bruto. Uma forma, segundo o líder de um partido que os estudos de opinião indicam ter grande apoio entre os eleitores mais novos, de procurar “inverter o saldo demográfico e migratório”.

Também na fiscalidade, Ventura retomou um dos principais temas de campanha da Iniciativa Liberal em 2022, defendendo apenas duas taxas marginais de IRS: uma de 15%, até 39 999 euros de rendimento bruto, e de 30% a partir de 40 mil, num esforço de “simplificação” que também prevê isenção para quem receba até mil euros mensais, precisamente a meta que estabeleceu para o salário mínimo nacional no final da legislatura.

Destinadas aos jovens são medidas como a redução dos impostos pagos por senhorios que arrendem a alunos do ensino superior em cidades universitárias e a atribuição de garantias do Estado em empréstimos bancários destinados à aquisição de primeira habitação permanente.

Ouviram-se ataques de Ventura aos “modelos de Cuba e da Venezuela” na possibilidade de arrendamento forçado de imóveis, que o Chega se propõe reverter, e à “agenda verde woke” pela qual, “para a esquerda e algum centro-direita”, o gasolina e o gasóleo “são sempre para taxar mais”. O partido propõe a redução do IVA sobre combustíveis rodoviários para a taxa intermédia de 13%, mas também prevê uma contribuição extraordinária, a pagar pelos setores bancários e petrolífero em 2024 e 2025.

Nos temas habituais do Chega houve menção à “classe de subsidiodependentes” que considera sustentada pelos impostos da classe média, graças a governos “prontos a tirar a quem trabalha para devolver a quem não quer fazer nada”.

Quanto à imigração, tema que reconheceu “não ser consensual” na sociedade portuguesa, André Ventura mantém a posição do Chega, “o único partido de relevo que acredita num controlo rigoroso”. Algo que passará, se governar o país, por quotas anuais assentes nas qualificações dos imigrantes e nas necessidades da economia. Defendendo que o “fenómeno da imigração descontrolada terá de acabar”, prometeu ainda que revogaria o acordo de mobilidade dos países Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), que disse ser “absurdo” aos olhos dos parceiros da União Europeia.

No mesmo sentido, anunciou que pretende alterar a Lei da Nacionalidade, atribuindo-a “a quem conhecer a língua e cultura portuguesas, independentemente do tempo de permanência”. E a criação do crime de residência ilegal em território português, impossibilitando os condenados de regressar a Portugal de forma legal nos cinco anos seguintes. “Somos um partido que diz ao que vem”, repetiu, várias vezes, o líder do Chega.

Medidas para temas quentes   

Polícias

André Ventura quer compromisso com AD e PS para o subsídio de missão da Polícia Judiciária se aplicar às outras forças policiais.

Saúde

Além do regresso das PPP, o Chega quer consultas e cirurgias no setor privado ou social comparticipadas em caso de falha de prazos vinculativos. E o fim do cargo de diretor executivo do SNS.

Educação

O programa prevê a reintrodução de exames nacionais no final dos ciclos do ensino secundário e no ensino básico, com hipótese de reprovação. E Cidadania e Desenvolvimento deve ser opcional e com “neutralidade ideológica” no currículo.