Prova de Vida
07 janeiro 2024 às 09h14
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Fernando Nobre: O Kouchner português

Prova de Vida faz parte de uma série de perfis, por António Araújo.

Não temos razão nenhuma, absolutamente nenhuma, para duvidarmos de Mário Soares quando afirmou que “o Dr. Fernando Nobre é um homem excepcional”. Nem de José Manuel Barata-Feyo, que, no mesmo ensejo, exclamou: “Fernando Nobre é o homem que mais admiro à face da Terra, de entre todos os que conheci durante a minha vida de jornalista.”

Depoimentos prestados, à laia de prefácio, na obra Viagens Contra a Indiferença, de 2004, a que o Nobre-autor juntaria Gritos Contra a Indiferença, três anos depois, e, em 2008, Imagens Contra a Indiferença, podendo dizer-se que, nesta sua luta contra o indiferentismo, o presidente da AMI não tem deixado ninguém indiferente: para uns, o dr. Fernando é o último dos grandes humanistas, a encarnação viva do espírito de Albert Schweitzer, sua figura de referência, com a qual gosta veladamente de se irmanar; para outros, Nobre não passa de um vaidosão, sedento de palco e ribalta, sempre desejoso de marcar posição e presença junto das luzes e dos holofotes. Não é improvável, contudo, que seja um pouco das duas coisas, pois a alma humana, como sabemos, é complexa e contraditória, capaz de tudo e do seu avesso, e como tal avessa a leituras de preto ou branco.

Outrora uma figura pública de primeiro plano, colocado em 25.º lugar dos Grandes Portugueses do Século, o controverso programa da RTP de 2006-2007, Fernando Nobre abalançou-se às duas maiores presidências deste regime, e logo no mesmo ano: em Janeiro de 2011, ficou em 3.º lugar, com quase 600 mil votos e 14,10%, no sufrágio para a chefia do Estado; escassos meses depois, em Junho, viu rejeitada à segunda volta a sua candidatura à liderança do Parlamento, o que o fez desistir da mesma, dizendo que iria manter-se como deputado enquanto entendesse que tal era “útil ao país”. Utilidade que se esfumou ao fim de poucos dias, já que, em 1 de Julho de 2011, renunciou ao mandato parlamentar e, desde então, dele há a registar apenas uma saída do armário maçónico (em Janeiro de 2012, em entrevista à SIC, disse pertencer à Grande Loja do Oriente Lusitano, afirmando que todos os maçons deveriam assumir-se como tal) e diversas declarações polémicas aquando da pandemia da covid-19, que o envolveram, e à Ordem dos Médicos, numa embrulhada danada - em 16 de Setembro de 2021, o bastonário Miguel Guimarães desmentiu uma notícia da SIC segundo a qual fora aberto um processo disciplinar contra Nobre por este ter feito afirmações anti-científicas numa manifestação de negacionistas em frente à Assembleia, que desembocaria, momentos depois, em bullying  verbal a Ferro Rodrigues e senhora, quando estes almoçavam pacatamente num restaurante de São Bento; dias volvidos, a 21 de Setembro, o Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos veio confirmar, afinal, a abertura de um processo disciplinar ao presidente da AMI, com base na existência de queixas várias: pela sua oposição à vacinação contra a covid; por ter contestado os testes de detecção do SARS-CoV-2; por ter questionado a utilização das máscaras sanitárias; por ter dito que foi curado com medicamentos de eficácia não-comprovada, como a malfadada hidroxicloriquina, tão do agrado de Maduro, Trump e Bolsonaro. Depois disso, soube-se que diversos médicos negacionistas, com destaque para a anestesiologista Maria Margarida Oliveira, foram punidos pela Ordem. Quanto a Nobre, porém, não há notícia alguma sobre sanções, nem sobre o que terá sucedido ao processo que lhe foi instaurado.

Em contrapartida, sabe-se que, em Janeiro de 2022, Fernando Nobre apareceu como mandatário eleitoral, sem pelouro definido, da Alternativa Democrática Nacional (ADN), ao lado de alguns dos rostos mais conhecidos do Médicos pela Verdade, movimento a que a Entidade Reguladora da Saúde aplicou uma coima de 15 mil euros por várias infracções na “concepção e difusão de práticas de publicidade em saúde”.

Não foi a primeira experiência política de Nobre, longe disso: nas legislativas de 2002, apoiou Durão Barroso (depois, disse estar arrependido); foi membro da comissão política de Soares nas presidenciais de 2006; foi mandatário nacional do Bloco de Esquerda nas europeias de 2009 e, nesse mesmo ano, membro da comissão de honra da candidatura de António Capucho à Câmara de Cascais; e foi, como vimos, candidato presidencial em 2011 e, nesse mesmo ano, deputado pelo PSD e candidato à presidência da Assembleia da República. Para alguém que afirma ter aprendido com o seu pai que “a política é uma porcaria”, é, no mínimo, singular e bizarra tão frequente atracção pela escória, na qual Nobre mergulha e se afunda com o mesmo espírito missionário que outrora o levou aos piores cenários de guerra deste planeta.

É possível que tal versatilidade se deva a uma “expressão muito significativa de cidadania”, para usar as palavras de Passos Coelho no Facebook, quando em 2011 o apresentou à massa associativa laranja, dizendo ainda o líder do PSD que Nobre era uma “voz respeitada” e que representava a sociedade civil portuguesa ao “mais alto nível”. Assim não o entenderam os deputados da nação, que, por duas vezes, lhe negaram o acesso ao cadeiral mais alto de São Bento, fazendo eco das críticas quanto à escolha do seu nome então suscitadas por muitos barões do PSD, como Morais Sarmento, Santana Lopes, Marques Mendes ou Pacheco Pereira (no seu blogue Abrupto, este último falou de “uma mistura de vaidade e aproveitamento biográfico sem pudor, populismo e ignorância” e acusou o médico e activista de fazer “política do pior”). Quando foi convidado por Passos, estava no Sri Lanka, em labor humanitário, mas não deixou de revelar que também tinha sido convidado para integrar as listas do PS e que optara pela melhor oferta de Passos pois este garantira-lhe a presidência da Assembleia, caso o PSD ganhasse. Mais disse que não lera sequer o programa eleitoral dos sociais-democratas, mas que confiava inteiramente no líder e no valor da sua palavra (cf. Público, de 16/4/2011). 

Quando se candidatou a Belém, Fernando Nobre afirmou que o fazia por “um dever de cidadania”, falando na necessidade de “credibilizar o mundo da política”. Tratou-se “das decisões mais heróicas que tomou até hoje”, considerou na altura o seu amigo e incondicional apoiante José Manuel Barata-Feyo, o principal responsável pelo seu regresso a Portugal nos Anos 1980.

Outro dos seus admiradores, Miguel Sousa Tavares, classificou-o como “um português notável” e sustentou, inclusive, que, se acaso Nobre fosse eleito Presidente da República, tal seria “um desperdício”, porque o fundador da AMI iria “morrer de tédio” no Palácio de Belém. “É um homem excepcional, com uma vida de altruísmo, de generosidade. Não deveria ter jogado todo o seu prestígio e esforço nesta campanha”, opinou Sousa Tavares. Nobre, de seu lado, desmentia a pés juntos ter-se candidatado a instâncias de Mário Soares (“Isso é insultuoso, eu penso pela minha própria cabeça”), o qual, todavia, foi dizendo que o médico daria um bom Presidente (“é uma pessoa que admiro e que todos nós admiramos, porque dedicou toda a sua vida aos outros sem pedir nada em troca,e isso não tem paralelo”).

A campanha presidencial enfrentou alguns percalços: o senhorio da sua sede de candidatura, em Lisboa, queixou-se nos jornais de que Nobre lhe devia mais de 100 mil euros de renda e vedou-lhe o acesso ao edifício; o candidato proclamou que não era nem de esquerda, nem de direita, mobilizando as críticas de uma e de outra, enquanto fazia promessas populistas contrárias à Constituição, como reduzir os deputados de 230 para 100, e puxava pelos galões do seu altruísmo humanitário - “Estou acostumado a meter a cabeça na boca do lobo”; “Já vi muita gente morrer. Naquele instante derradeiro, apercebemo-nos de que somos efémeros, uma poeirinha.”

Sob o lema Recomeçar Portugal, a sua candidatura dizia que “o que é preciso para recomeçar e mudar o que está mal em Portugal é trabalho, honestidade e exemplo”. Nobre, de seu lado, bradou que se candidatava por “um chamamento ético e idealístico”, prometeu que iria ser “um motor da mudança” e que não iria “para Belém para se sentar numa cadeira” (“a Presidência da República não pode ser uma cadeira para reformados”), entre outras vacuidades várias, como as suas máximas de vida, que são três, todas belas: “1.ª - Não há montanha inacessível; 2.ª - Não há fortaleza inexpugnável; 3.ª - Não há obstáculo inultrapassável.”

Depois, no calor da contenda, defendeu-se como pôde e não pôde das revelações que iam sendo feitas na imprensa. Aos que lhe apontaram o facto de ter apoiado sucessivamente Durão Barroso (PSD), Mário Soares (PS), António Capucho (PSD) e Miguel Portas (BE), replicou que tal demonstrava que era “um espírito livre” e “não sectário”. Quando se soube que no passado se inscrevera na Causa Monárquica, reagiu dizendo que “preencheu uma ficha em 1992”, que “nunca pagou quotas” e, enfim, que “a nossa História tem perto de nove séculos e oito são de monarquia. Não estou para gastar tempo em discussões infantis”.

Vìtor Higgs / DN

Mais graves foram as acusações de familismo na Assistência Médica Internacional, a organização não-governamental que fundou em 1984, “com o Homem no centro de todas as suas preocupações”. Ficou a saber-se, como então disse o Público, de 24/12/2010, que no conselho de administração e na direcção da AMI predominavam os Nobres, os quais ocupavam, ao que parece, cinco dos sete cargos dirigentes: Fernando era presidente e director-geral; a irmã, Leonor, era vice-presidente e directora-geral adjunta; a mulher, Luísa Nemésio, neta do autor de Mau Tempo no Canal, era secretária-geral e directora-geral-adjunta; os dois irmãos, Carlos e José Luís, eram vogais da administração. E nos corpos gerentes ainda figuravam outros familiares, coisa que não parecia incomodar o médico-humanitário, que respondeu de uma forma desconcertante e ilusionista (“em 200 colaboradores fixos, qual é o mal de ter uma dezena de familiares? Só tenho pena que os meus pais não tenham tido 50 filhos, porque hoje a AMI estaria mais longe”), como se os membros da família Nobre ocupassem cargos menores na organização e não estivessem todos nos seus lugares cimeiros e como se os genes dos seus pais - o industrial José Alves Ribeiro Nobre e Maria Alice de La Vieter, de ascendência franco-belga e cabindense - fossem a causa do sucesso da AMI.

Mário Soares dissera que Nobre “dedicou toda a sua vida aos outros sem pedir nada em troca”, mas ficou ainda a saber-se que, na presidência da AMI, cujo orçamento contava então com 20 por cento de financiamento público, auferia um ordenado mensal de cinco mil euros por mês. Aos que lhe perguntaram se a AMI não era “um grande tacho”, respondeu assim: “Não vão por aí. Ganho um pouco menos de cinco mil euros por mês. Na clínica privada bastaria operar uma próstata, vá lá, duas próstatas por mês, para ganhar isto.”

Com Belém à vista, Nobre disse que só pararia se lhe dessem um tiro na cabeça. Não deram. Mas também não lhe deram os votos necessários para que fosse eleito, o que não o impediu de, volvidos três meses, voltar a submeter-se a novo sufrágio, desta feita em campanha ao lado de Pedro Passos Coelho. Miguel Sousa Tavares, que meses antes o levara aos píncaros, falou então num “tiro no pé”, Soares afirmou que aquela candidatura “não fazia sentido”, Louçã falou no “fim de uma imensa fraude” (e indagou ainda: “Queria perguntar ao Doutor Mário Soares o que é que ele pensa desta expressão pública de uma adesão à direita, que eu lamento”).

Para o Esquerda.Net, de 11/4/2011, os apoiantes de Nobre eram unânimes em classificar a sua candidatura como uma “traição” e, nas páginas do Expresso, Daniel Oliveira chamou-lhe um “ziguezagueante populista”, falou de “puro oportunismo”, farpeou Soares (“Quem também não fica bem na fotografia é Mário Soares, que, na última campanha, por ressentimento pessoal, alimentou esta candidatura”) e pôs o dedo na ferida: o uso e abuso, por parte de Nobre, da retórica anti-partidos e anti-política, com laivos de superioridade moral, não passava de um expediente para disfarçar a total ausência de ideias e de um programa coerente.

Na verdade, a irrequieta trajectória pública de Fernando José de La Vieter Ribeiro Nobre, nado em Luanda aos 16 de Dezembro de 1951, é só um exemplo, mais um, entre tantos, daquilo a que pode levar a ladainha da “cidadania”, um conceito passe-partout, vago e redondo, que tanto pode abranger as mais admiráveis acções em prol dos outros e da causa pública como pode servir de biombo ao mais absoluto deserto de ideias e ao mais desprezível dos oportunismos.

Talvez sem se aperceber disso, o fundador da AMI, ao percorrer um arco que vai da Causa Monárquica ao Bloco de Esquerda, atravessou a linha ténue que separa a liberdade de espírito do troca-tintismo e depois, em plano inclinado, rumo ao abismo, acabou ligado à Alternativa Democrática Nacional (ADN), uma força política liderada por Bruno Fialho, advogado e chefe de cabina da SATA, e que contou nos seus quadros, como secretário-geral, o famigerado ex-juiz Rui Fonseca e Castro, o qual, além de tiradas negacionistas da covid, ficou famoso pelas suas posições anti-semitas e anti-maçónicas e pelas ligações a grupos violentos e neo-nazis compostos por desertores do Chega e por Mário Machado.

A ADN, ao que parece, rompeu com Fonseca e Castro, mas, além do negacionismo da covid, caracteriza-se pelo negacionismo das alterações climáticas e pela responsabilização da NATO e dos EUA na crise da Ucrânia. “Portugal é um país inclusivo. Basta observar a quantidade de deficientes que temos no Governo para confirmar isso mesmo”, escreveu Bruno Fialho no Twitter, em Março de 2020. É preciso dizer mais?

Nas eleições de 2022, e invocando a sua “autoridade moral, ética, cívica e científica”, Fernando Nobre gravou vídeos de apoio à ADN, ao lado dos clínicos negacionistas Margarida de Oliveira e Gabriel Branco, ambos punidos pela Ordem dos Médicos, e do advogado João Pedro César Machado, mandatário da ADN para os Assuntos Constitucionais, que defendeu vários integrantes dos Médicos pela Verdade, os proprietários do restaurante Lapo, no Bairro Alto, que recusou as medidas de confinamento, e a mãe de uma criança de 12 anos, que escondeu a filha para evitar que esta fosse vacinada pelo pai (cf. Tânia Pereirinha e Marta Leite Ferreira, Contra testes, vacinas, máscaras e certificados. O que defende o novo partido ADN e que ligações tem aos movimentos negacionistas, Observador, de 18/1/2022).

Em Setembro de 2021, Francisco George, ex-director-geral da Saúde, classificou a posição de Fernando Nobre em matéria de covid como “absolutamente intolerável”, falando de “atitudes incompreensíveis que um médico não pode ter” e já antes, em Novembro de 2020, Rui Unas retirou do ar parte de uma entrevista de Nobre no seu liveshow Maluco Beleza, alegando que não queria ficar “associado a um negacionismo perigoso, demasiado perigoso nesta fase”. Nessa entrevista, Nobre afirmava, entre o mais, que não existiam “infectados assintomáticos”, o que foi considerado uma “pura mentira” e desmentido pela OMS: cf. Polígrafo, de 21/11/2020 e de 8/5/2021.

Fernando Nobre orgulha-se das suas origens plurais, transcontinentais, e gosta de se caracterizar, pelo lado paterno, como descendente dos Távoras, vítimas de Pombal, e, pelo materno, como “um embondeiro plantado no Atlântico com raízes em Portugal, França, Holanda, Brasil e Cabinda”. Aos 12 anos, foi viver com os pais e os quatro irmãos para a República Democrática do Congo e, três anos depois, foi estudar sozinho para a Bélgica, onde se licenciou e doutorou em Medicina, na especialidade de Cirurgia e Urologia, pela Universidade Livre de Bruxelas. Começou a trabalhar no Serviço de Cirurgia Geral e Urologia do Hospital Universitário de Bruxelas, casou-se com uma belga, teve dois filhos, dava aulas de Embriologia e Anatomia na Universidade, mas, às tantas, depois de ler numa revista um artigo sobre os Médicos Sem Fronteiras, ganhou o “bichinho de médico do mato” e, em 1980-1981, ajudou a criar a secção belga da organização humanitária que Bernard Kouchner fundara dez anos antes, no rescaldo da guerra do Biafra.

Enquanto fazia uma missão humanitária entre a fronteira do Darfur e do Chade, uma reportagem do L’Express catapultou-o para os cumes da fama e chamou a atenção de Barata-Feyo, da Grande Reportagem da RTP, que o deu a conhecer aos portugueses. O então ministro da Saúde, Maldonado Gonelha, desafiou-o a instalar-se em Portugal, país onde só estivera fugazmente em 1975. Fixou-se em Portimão, abriu consultório, ajudou a lançar o Hospital Particular do Algarve e, em 5 de Dezembro de 1984, em conjunto com a irmã Leonor, que trabalhava na companhia de seguros Bonança, lançou a Assistência Médica Internacional, ao serviço da qual desempenhou dezenas ou mesmo centenas de acções humanitárias pelo mundo fora, num trabalho incansável, admirável e notável, que o tornou uma das mais consensuais e respeitadas figuras da vida pública portuguesa.

Com mais sucesso do que ele, também o seu mentor, Bernard Kouchner, se aventurou na política, primeiro como compagnon de route dos socialistas, depois como Alto-Representante da ONU no Kosovo, e finalmente como ministro dos Negócios Estrangeiros. De certo modo, Fernando Nobre é uma versão lusitana e em miniatura do seu ídolo francês, o qual também acabou envolvido em polémicas várias, seja pelo apoio dado a Roman Polansky, acusado de abuso sexual de menores, seja pelas acusações de encobrimento do tráfico de órgãos humanos no Kosovo, seja, enfim, pelos trabalhos feitos por Kouchner e seus familiares para empresas privadas no Gabão e no Congo, para não falar de um relatório que fez sobre a Birmânia para a petrolífera Total, onde chegou a justificar o trabalho forçado como “um costume antigo” naquele país.

Ambos filhos do terceiro-mundismo das décadas de 70 e de 80, Kouchner e Nobre acabaram por desbaratar a credibilidade e o currículo quando decidiram aventurar-se na política e, pior ainda, quando optaram por misturar humanitarismo e negócios. Segundo uma reportagem recente da revista Sábado, de 22/7/2023, a AMI tem tanta liquidez financeira que, nos últimos anos, decidiu fazer vultuosos investimentos no imobiliário, no valor de 6,17 milhões de euros, comprando um prédio inteiro na Baixa de Lisboa e herdades no Alentejo, com destaque para o Monte do Peral, em Évora. Uma prática de boa gestão financeira, sem dúvida - ou, se quisermos, “uma política de afectação de excedentes financeiros” -, não fora o facto de a AMI ser um feudo da família Nobre (o Relatório e Contas de 2022 é assinado por Fernando, presidente, e pela sua mulher, Luísa, vice-presidente) e ter 30% das receitas vindas do Estado e demais entidades públicas. Numa altura em que milhares de jovens se debatem com a falta de casas, a AMI facturou, só na exploração de hostels, 560 mil euros em 2022. Tudo em nome da cidadania, sempre da cidadania.

Prova de vida (27) faz parte 
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Historiador.