Cartel da banca
19 setembro 2024 às 00h04
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Bancos pedem ao tribunal absolvição de multas de 225 milhões

BBVA, BPI, BCP, Santander e CGD defendem que paragem do processo judicial durante dois anos levou à prescrição de infrações apontadas pela Autoridade da Concorrência. Sentença do tribunal é conhecida amanhã.

O “cartel da banca”, como ficou conhecido o grupo de 14 bancos que, entre 2002 e 2013, trocaram informações sobre créditos a clientes, pediu esta quarta-feira ao tribunal a absolvição das multas instauradas pela Autoridade da Concorrência (AdC), que ascendem a 225 milhões de euros, ou a aplicação de coimas simbólicas ou apenas uma admoestação. Os bancos consideram que não partilharam dados, nem violaram a lei da concorrência. Cinco destes bancos preparam-se também para defender a prescrição do processo. A sentença é lida amanhã no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém,

Há ainda a decorrer cinco ações da Ius Omnibus, associação europeia de defesa do consumidor, onde são reclamados mais de 5,3 mil milhões de euros de indemnização aos consumidores lesados por esta atividade. 

O BCP defendeu que “dos 1080 documentos” citados e que se lhe referem apenas 18 foram considerados “referentes a intenções futuras” e que nenhuma da informação recebida e partilhada terá permitido “prever com suficiente precisão o comportamento futuro dos concorrentes”. “Não resulta do acórdão qualquer presunção de dano que os consumidores tenham sofrido, ou qualquer vantagem que o BCP tenha retirado desta conduta”, disse o advogado, que pediu a absolvição do banco ou a redução da coima a um valor simbólico.

O Santander considerou o caso sem “grande relevância real”, adiantando que as trocas de informações eram “esporádicas” e, sobretudo, “de antigos colegas que queriam poupar trabalho uns aos outros”, para que não tivessem de pesquisar em simuladores e sites. O advogado do Santander defendeu que a atuação do banco foi sem infração ou sem infração preocupante.

O BIC, multado por factos praticados pelo então BPN, alegou que não transmitiu ou recebeu de outros bancos “informações estratégicas”. O BBVA considerou também não haver elementos que comprovem trocas de informação que “demonstrem que, de facto, o mercado não continuou a funcionar de forma normal”, ou seja, sem concertação de taxas de juro entre bancos e sem eliminar o fator “incerteza” entre concorrentes.

No início da sessão de quarta-feira do julgamento de recurso de 11 dos bancos sancionados, a juíza Mariana Gomes Machado revelou que o BBVA, BPI, BCP, Santander e CGD apresentaram requerimentos para admissão de pareceres sobre prescrições. Os bancos consideram que a paragem do processo durante dois anos levou à prescrição de infrações.

O julgamento iniciou-se em outubro de 2021, no Tribunal da Concorrência, em Santarém, e meio ano depois Mariana Gomes Machado deu os factos como provados. Ainda assim, suspendeu a instância e remeteu ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para que este se pronunciasse sobre se constituíram restrição de concorrência por objeto, já que não ficou provado se a troca de informação teve ou não efeito sobre os consumidores.

Só em julho deste ano, dois anos passados, o TJUE admitiu que a partilha de dados entre os bancos nesses mais de dez anos “pode constituir uma restrição à concorrência por objeto”. Os bancos têm outra interpretação.

Para o Santander, o acórdão europeu foi “arrasador para a Autoridade da Concorrência”. Grande parte do caso foi posto de parte pelo tribunal europeu, tendo ficado “reduzido a meia dúzia de e-mails” trocados entre funcionários dos bancos, disse o representante do banco no tribunal. Já a CGD considerou que trouxe “elementos abonatórios” para o processo, ao fazer uma análise diferenciada da graduação das trocas de informação e do contexto económico e jurídico. Para o banco público, essa análise diferenciada não foi feita pela AdC e cabe ao tribunal levá-la em devida conta na sentença.

A AdC multou, em 2019, os bancos pela prática concertada de troca de informação sensível no crédito. Segundo o regulador, a banca partilhou dados sobre spreads (margem de lucro comercial) a aplicar aos créditos dos clientes (habitação, consumo e a empresas) e os volumes de produção. A AdC condenou a CGD ao pagamento de 82 milhões de euros, o BCP 60 milhões, o Santander Totta  35,65 milhões, o BPI em 30 milhões, o Montepio em 13 milhões, o BBVA em 2,5 milhões, o BES em 700 mil euros, o Banco BIC em 500 mil euros, o Deutsche Bank (cuja infração prescreveu em outubro de 2020) e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo em 350 mil euros cada um. Já à Union de Créditos Imobiliários coube um pagamento de 150 mil e ao Banif (que não recorreu) de mil euros.

O Abanca, também visado no processo, viu a infração prescrever ainda na fase administrativa e o Barclays, que apresentou um pedido de clemência, viu suspensa a coima de oito milhões de euros. Ao Montepio, a coima foi reduzida em metade por ter aderido ao pedido de clemência. Com Lusa