Energia
06 maio 2024 às 09h07
Leitura: 8 min

Custo ambiental. “Por cada 30 interações com o ChatGPT, meio litro de água evapora-se”

Como otimizar o atual software de forma a torná-lo mais sustentável - e criar boas-práticas que toda a indústria possa seguir, de forma a que, no limite, todos ganhem: empresas, utilizadores e ambiente. É este o trabalho de Luís Cruz.

Desde que aprendeu a controlar o fogo, há pelo menos um milhão de anos, que a atividade humana - ou a dos nossos ascendentes - altera o ambiente que o rodeia. No entanto, nunca como no último século (e qualquer coisa) as ações da nossa espécie foi tão eficiente a alterar o planeta - em todos os aspetos - devido às evoluções tecnológicas que foram acelerando exponencialmente desde o período do Renascimento europeu. Nos últimos 70 anos, devemos (em parte) a revolução informática à II Guerra Mundial e à máquina de Turing; e a internet à Guerra Fria - vem de então a lógica de dividir os dados em packets, pedaços, que são lançados na rede, de modo a que, mesmo que um nódulo de comunicação seja destruído, é possível circum-navegá-lo e reconstituir a mensagem original. Foram conflitos à escala global, mas impulsionadores de inovação. E o processo, não havendo um cataclismo que nos ponha a “lutar a Quarta Guerra Mundial com paus e pedras”, como terá um dia dito Einstein num jantar de amigos, será irreversível.

Problema: toda a tecnologia precisa de energia. E criá-la tem - tal como o fogo de há um ou dois milhões de anos - um custo ambiental. Mesmo que seja aparentemente invisível, porque está na cloud!

Exemplo: “Treinar o ChatGPT uma única vez, dos dados até ao modelo final que está agora a ser usado em produção, tem um custo de 500 toneladas de emissão de carbono”, afirma ao DN Luís Cruz, especialista em Engenharia de Software Sustentável. “Isto, obviamente, é um número difícil de imaginar, não é? Vamos tentar converter para unidades mais familiares... É o equivalente a mil carros percorrerem mil quilómetros.”

O número, por si só impressionante - e que já tem em conta o cuidado que hoje em dia as grandes empresas por trás do ChatGPT (OpenAI e Microsoft) têm em criar “quintas de servidores” que utilizem maioritariamente fontes de energia renováveis -, “não inclui toda a experimentação e o desenvolvimento que houve para chegar à versão final do ChatGPT”, afirma o professor auxiliar na Universidade Técnica de Delft, nos Países Baixos.

O que acontece é que, inevitavelmente, estes processos exigem muita eletricidade - e também  recursos naturais para arrefecimento dos potentes processadores que equipam os computadores. “É água potável, porque não se pode usar água imprópria, são máquinas muito sensíveis. Há água que depois volta para os rios - e essa, tudo bem, não é problemática. Mas há água que evapora, ou seja, que sai do ecossistema da zona [onde está o data centre] e que não deveria ter saído. E os números que temos é que, por cada 30 interações com o ChatGPT, meio litro de água evapora-se”.

O “temos” a que Luís Cruz se refere é à sua universidade, mas também ao Software Engineering Research Group, da Delft, de que faz parte. Um grupo de especialistas da Academia que visa compreender melhor como o software é desenvolvido, promover a ligação entre o mundo académico e a indústria e ajudar a criar soluções inovadoras que possam, se não solucionar, pelo menos minimizar os problemas que existem.

“Uma grande parte do nosso trabalho é ajudar os atuais engenheiros, programadores, a própria indústria de software, de forma mais fácil, mais simples e barata, a criar código que gaste menos energia na cloud, menos energia nos dispositivos das pessoas, para reduzir esta enorme pegada energética que decorre de correr estes programas”, diz Luís Cruz ao DN.

Na 46.ª edição da International Conference on Software Engineering (ICSE24), um dos mais importantes encontros mundiais de especialistas do ramo, que decorreu em meados de abril no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, Luís Cruz e alguns dos seus colegas demonstraram aos seus pares algumas das mais recentes soluções propostas - por exemplo, como é possível poupar energia nos servidores mantendo os serviços “dormentes” até serem solicitados pelos utilizadores; mesmo que por frações de segundo, consegue-se poupança - e algumas das maiores dificuldades do setor atual.

Software mais eficiente acaba por sair mais barato

“Queremos ajudar a indústria a conseguir continuar a inovação, mas ao mesmo tempo ter algum controlo sobre o seu impacto ambiental”, garante o especialista, fazendo questão de afastar qualquer ideia de que possa haver alguma intenção de fazer parar a evolução tecnológica.

“Fala-se muito dos pontos [de contacto] entre a academia e a indústria, que às vezes vamos para uma conferência académica e vemos pouco a indústria, e vamos a uma conferência de indústria e vemos pouco a academia, e como é que podemos juntar estes pontos... É isso que queremos. Não queremos que a indústria perca.”

O objetivo do grupo de trabalho de Luís Cruz é, assim, claro: fazer, com o tempo, um “manual” que sirva de standard para toda a indústria - de grandes empresas a programadores individuais - para que, ao criarem e aperfeiçoarem o seu software, o façam da melhor maneira, do ponto de vista energético. Para que “de uma forma muito simples, [tenham] ali um livro de receitas, em que eles podem pegar e olhar para o software que eles estão a desenvolver e ver se de facto estão a seguir esta fórmula certa.”

A vantagem deste processo é evidente: se conseguirem desenvolver programas que sejam energeticamente mais eficientes, os programadores (e as empresas) estarão a criar negócios mais lucrativos.

Uma mentalidade que, no entanto, ainda não está enraizada: “Este tipo de conteúdos tem de fazer parte do currículo das universidades em termos de engenharia de software, ciências da computação, engenharia informática, engenharia de computadores, etc. Ou seja, não deveria haver, nos dias de hoje, um único curso nesta área que não tivesse, nem que fosse apenas um pequeno foco em engenharia de software [sustentável]”, diz Luís Cruz.

Até porque, lembra: “Estamos a treinar os próximos programadores, mas também os próximos líderes da indústria de software.” E as suas decisões irão ter impacto, literalmente, na forma do mundo.