António Costa estabeleceu um padrão ao demitir-se de primeiro-ministro quando se soube investigado pela justiça na Operação Influencer, alegadamente sob a suspeita de prevaricação, mas ontem, na Madeira, o presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, do PSD, envolvido numa investigação de crimes de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência, recusou seguir-lhe o exemplo.
À noite soube-se pela CNN que Albuquerque foi de facto constituído arguido.
Porém, horas antes, quando falou aos jornalistas no Funchal, Albuquerque não só recusava afastar-se do seu cargo como vir a fazê-lo mesmo sendo arguido: “Eu não me vou demitir, porque eu vou colaborar no esclarecimento da verdade”, dizia - para logo a seguir acrescentar: “Se for constituído arguido, vou ficar, porque eu tenho de apresentar a minha defesa.” “Nunca estive em nenhum caso de corrupção nem vou estar na minha vida. A mim ninguém me compra”, afirmava ainda, dizendo-se de “consciência tranquila” - e insistindo diversas vezes na garantia de que está a colaborar plenamente com a investigação criminal.
Em Lisboa, o líder nacional do PSD foi interpelado pelos jornalistas à entrada de uma cerimónia na antiga FIL da Junqueira de apresentação do programa económico da Aliança Democrática - e nessa altura ainda não se sabia que o presidente do Governo Regional já era arguido.
Montenegro reagiu nitidamente irritado quando lhe perguntaram se o exemplo dado por Costa não deveria agora ser seguido pelo social-democrata que lidera o governo da Madeira e o PSD regional. “Não sei porque é que me está a fazer essa pergunta assim! Sinceramente...”, exclamou.
A seguir considerou que as diferenças nesta situação em relação à que levou à demissão do primeiro-ministro “são mais que muitas”. Mas, deixando no ar a ideia de que a comparação o embaraça, acrescentaria: “Não quero ater-me nisso.” E reforçou: “Quero aliás recordar que sempre disse que não foi um parágrafo [de um comunicado da PGR] que esteve na origem da demissão do primeiro-ministro.”
Assim: “Neste momento, com a informação de que dispomos, do ponto de vista político, não há nada que mude.” Porém, prudentemente, Montenegro acrescentou: “Não estou a dizer que a evolução do processo não possa conduzir a mudanças do ponto de vista político.” E, de resto, “ninguém está acima da lei e é evidente que não é por estas pessoas serem do PSD que o principio é diferente.” À investigação criminal deixou um apelo: “Espero que o esclarecimento seja rápido.” Deixando ainda outro recado a Miguel Albuquerque: “Não estou a desvalorizar a situação nem estou a desresponsabilizar.”
O PS, começou logo a explorar o caso para atacar Montenegro. Numa entrevista à CNN, o novo líder do partido, Pedro Nuno Santos, perguntava-lhe: “Uma vez que não exigiu ou defendeu a demissão do Governo Regional da Madeira, o que acha que António Costa devia ter feito?”. Quer dizer: “A coerência em política é um valor importante e é a partir dela que atribuímos ou não credibilidade aos políticos e há aqui matérias de potencial incoerência.”
Na Madeira, o líder socialista regional, Paulo Cafôfo, sugeria a Albuquerque - mas sem o afirmar claramente - que porventura estará na altura de se demitir da governação. Fê-lo pedindo-lhe que “se questione se é possível continuar a governar nestas circunstâncias”, desafiando-o “a requerer o levantamento da imunidade que tem como conselheiro de Estado para serem criadas as condições que levam ao apuramento da verdade”.
Cafôfo mostrou-se porém mais categórico em relação a Pedro Calado, presidente PSD da câmara do Funchal, detido ontem para interrogatório. Segundo disse, não tem agora “quaisquer condições de continuar” no cargo. “As suspeitas que recaem sobre o presidente do Governo e o presidente da câmara do Funchal dão-nos motivos para estarmos muito preocupados com a Madeira e os madeirenses, não é uma situação boa”, sublinhou, realçando ao mesmo tempo a “ligeireza e leviandade” com que Miguel Albuquerque “desvaloriza a investigação em curso e as suspeitas.”
Em Lisboa, o Presidente da República tentou proteger a investigação criminal dizendo que “a justiça deve realmente exercer a sua função, a sua missão, que é uma missão constitucional, deve investigar”. E, além do mais, “a investigação surge, não tem calendários que tenham a ver com a política, com a economia, com outra realidade social e, portanto, isso deve desenvolver-se como uma atividade natural”.
Interrogado se considera que há um clima de intranquilidade, o Presidente da República respondeu: “Não, há uma tranquilidade, uma estabilidade institucional”.