Açores
03 junho 2024 às 08h34
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Da rocha faz-se o vinho... biológico

A celebrar 10 anos de produção da vinha da ilha do Pico, a Azores Wine Company aponta o caminho futuro depois do trabalho de recuperação de vinhas centenárias.

A comemorar a primeira década de existência, os responsáveis da empresa vinícola Azores Wine Company estão a plantar o futuro. Comecemos por aí mesmo. Filipe Rocha, que com António Maçanita, fundou a empresa em 2014, passou por Lisboa e, ao DN, partilhou os próximos passos da empresa: “Toda a área de produção está em processo de certificação para biológico. A ideia é replicar como faziam os nossos avós, e o mais interessante é que já há outras pessoas na ilha [Pico] a fazer o mesmo”.

Antes da conversa prosseguir, e para esclarecer o leitor, há que perceber o que diferencia dos outros o vinho dos Açores na boca - ou no copo, se preferir. Filipe Rocha responde de imediato: é um vinho fresco “mineral, de origem vulcânica, com um toque de sal. E é uma combinação muito particular de vinhos que têm muita textura e toque de mar”.

Apesar do ressurgimento dos vinhos do Pico ser recente, e potenciado por empresas como a Azores Wine Company, entre outras, há uma história com centenas de anos que começou quase ao mesmo tempo que o início do povoamento da ilha (entre 1460 e 1480). Poucas décadas depois está documentado que existiam mais de 15 mil hectares de vinhas, e “100 anos após o povoamento já se falava do vinho e das castas plantadas, entre as quais a Verdelho, e existia alguma indústria em redor do vinho”.

Contudo as doenças - o oídio e depois a filoxera - , em meados do século XIX, entraram com força na região. Mas se o continente europeu recuperou, os Açores não. A indústria colapsou e “desapareceu praticamente”, explica Filipe elucidando que o que ficou foi “a cultura do vinho feito em casa”.

Em 2004 com a elevação do Pico a Património Mundial deu-se o início da mudança de paradigma, isto numa altura em que sobravam 120 hectares, cerca “de 1% do que havia anteriormente”, recorda Filipe Rocha. Contudo, foi-se criado uma bolsa de resistência de certas castas ao longo da ilha, sobretudo das autóctones Arinto dos Açores ou Terrantes do Pico. Depois de alguns apoios do governo regional, a partir de 2004, para incentivar o cultivo de vinho na “difícil ilha de basalto”, os primeiros 10 anos “tiveram algum sucesso e a área de vinha mais do que duplicou. Contudo, não criou a apetência suficiente para a estabelecer um investidor de vinhos”, explica Filipe acrescentando o importante papel da Cooperativa do Pico, fundada no final dos anos 1940, que permitiu que as pessoas tivessem onde entregar as uvas. “Engarrafava-se e vendia-se um bocadinho de vinho”.

Depois surgiram vários projetos privados – chegou-se aos seis produtores em 2013. Ainda antes disso, o açoriano Filipe Rocha começou a trabalhar com o descendente de açorianos António Maçanita. A vontade deste último de fazer um vinho nos Açores levou-os a ambos a um projeto de consultoria que falhou mas que levou à fundação da Azores Wine Company. E a partir desse momento, muito mudou, como por exemplo, o preço das uvas. “Nessa altura as uvas custavam 80 cêntimos o quilo, hoje estão entre os 4 e os 6 euros o quilo, e são as uvas mais caras de Portugal”, constata Filipe.

Desde então tem sido feito um trabalho de recuperação de vinhas de grandes dimensões (tendo em conta a geografia da ilha) e começaram a pensar no projeto da Adega (ver caixa). Começámos a fazer experiências, encontrámos vinhas mais antigas – entre os 60 e os 120 anos. Ao todo, conta, recuperaram 120 hectares de vinhas na ilha, “um trabalho que demorou três anos com 30 homens por dia a cortar o mato, repor os muros, recuperámos cerca de 900 quilómetros, e voltar a plantar. Foi um trabalho gigantesco”.

Hoje contam com mais 1000 hectares de vinha plantada num terreno que, convém sublinhar, tem 10 a 15% da produtividade de uma vinha normal. “Há uma década o Pico não estava no mapa e agora estamos em restaurantes em Paris e Milão, entre outros. Com vinhos com preços que chegam aos 400 euros (vinha dos Ardes) ou o Saborinho (120 euros).

Uma adega onde se come e dorme

Inaugurada em julho de 2021, a Adega da Azores Wine Company tem tido destaque em várias publicações internacionais, do Financial Times ao New York Times, da Monocle à Forbes. Um projeto idealizado em 2015 e influenciado pelas típicas adegas do Pico, “pequenas casas de pedra junto ao mar e junto às vinhas, onde se vinificava e onde exista pelo menos um quarto ou uma cama onde se podia dormir”, explica Filipe Rocha. Foi com essa ideia que lançaram o espaço que não é um hotel, “mas sim uma adega que tem cinco quartos e um apartamento T2 e um restaurante que serve de montra para os produtos locais”. O restaurante da Adega tem menu de degustação e menu ao balcão e a cozinha é da responsabilidade do chef Rui Batista. “Queremos oferecer uma boa experiência e diferente. O cliente escolhe o pairing de vinhos, não escolhe o menu, portanto percebe que o ponto alto são os vinhos e que estamos numa adega”.

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