Paris1924
27 julho 2024 às 10h54
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27 de julho de 1924. O dia em que “os cavalos não se portaram à altura dos cavaleiros”

Chefe Manuel Latino descreve o mau desempenho de Reginald, Profond e Avrô, e Hebraico. Presidente Teixeira Gomes avançou 10 libras de ouro para a viagem da comitiva a Paris.

"Os cavalos não se portaram à altura dos cavaleiros.” Esta conclusão consta do relatório de Manuel Latino, o tenente-coronel que liderava a equipa equestre nos Jogos Olímpicos de 1924, onde Portugal conquistou a primeira medalha, um Bronze.

Faz hoje100 anos que os cavaleiros Aníbal Borges d' Almeida, Hélder de Sousa Martins, José Mouzinho d' Albuquerque e Luís Cardoso de Menezes (Margaride) surpreenderam o mundo equestre ao terminar a prova de saltos em 3.º lugar no Prémio das Nações, entre os 19 países. 

“Se avaliarmos a equipa pelos seus resultados temos de concluir que ela foi magnífica. As classificações obtidas execederam o que podíamos aspirar e foram invejadas por países cuja organização e preparação eram incomparavelmente superiores aos nossos. Mas não nos iludamos. Os nossos cavaleiors cumpriram e serão sempre elementos com que o País pode contar para o representar condignamente. Ao seu auxiliar indispensável, o cavalo, não podemos dizer o mesmo”, escreveu o líder da equipa. A medalha, deveu-se à “alma dos nossos cavaleiros, à sua coragem inexcedível”, que “eram olhados com desprezo antes da tarde de 27 de julho em Colombes”, e “não ao valor dos cavalos”.

Segundo a troca de correspondência que consta do relatório da VIII Olympiada nos arquivos do Comité Olímpico de Portugal (COP) a Missão esteve em risco por falta de verbas. Eram precisos cerca de 300 contos, que não haviam nos cofres, para os portugueses irem a Paris. Só a Missão do hipismo custava 168 contos.

Apenas uma subscrição pública viabilizou a presença de Portugal em Paris1924, com o presidente da República, Teixeira Gomes a fazer o primeiro donativo de 10 libras de ouro (1550 escudos). Um beijo de uma atriz foi a leilão e arrecadou 1200 escudos. Os aviadores portugueses na Índia juntaram 470 contos e viabilizaram a participação. Um jogo entre o Sporting e o Casa Pia rendeu 40 contos, mas uma zanga entre o presidente do Comité liderado por José Pontes e o casapiano Cândido de Oliveira custaria a presença ao futebol. 

Viviam-se tempos conturbados, após uma tentativa de revolução militar partindo dos quartéis da Amadora. Os militares necessitavam de autorização do Minsitro da Guerra para participar, mas a nomeação do próprio ministro chegou depois do fecho das inscrições para o evento. Foi preciso usar de diplomacia até a Secretaria de Guerra informar o COP da nomeação do capitão de Cavalaria José Mouzinho d’Albuquerque e o tenente de Cavalaria Hélder de Sousa Martins para fazerem parte da equipa de Portugal, que seria chefiada pelo tenente coronel de Cavalaria Manuel da Costa Latino. A que se juntaram dois civis, nomedados pelo conde de Sobral, então presidente da Sociedade Hípica Portuguesa: Aníbal Borges d’Almeida e Luís Cardoso de Menezes.

O treino dos cavalos foi naquele que é hoje o Hipódromo do Campo Grande, em Lisboa, onde foram montados uns obscáculos idênticos aos que iam ter na prova Olímpica. Em Paris, segundo o descrito no relatório, os cavalos “tiveram tempo para se refazerem da fadiga dos seis dias de viagem”, “galopando num magnífico terreno” junto ao estádio e treinando com recurso a uns obstáculos “gentilmente” emprestados pelos polacos... até ao dia da prova. Mas nessa tarde de 27 de julho, uma infeção intestinal afetou o Hebraico, que foi à prova “convalescente, não fazendo o percurso que dele se esperava”. 

Só a calma com que Borges d’ Almeida entrou na pista e lançou o bom Reginald no seu galope largo e cadenciado “tranquilizaram” Manuel Latino, que logo se enervou com a recusa de Avrô em saltar muitos dos obstáculos e acumulando faltas. Depois foi a vez de Profond, que baixou a média da equipa, com “um percurso fraco” por culpa de uma ferida no joelho.

Por fim Hebraico, guardado para a volta final “pelas suas qualidades”, fez um “belo percurso” com “magníficos saltos” num estilo que deu que falar, mas ainda assim “fraco” para o que se esperava dele. Do desempenho dos cavaleiros nem uma palavra.

Apesar de tudo “os cavalos cumpriram” e “o hipismo cumpriu a missão de honrar Portugal nos Jogos Olímpicos” e deu ao líder do COP “a maior alegria que podia ter” estando ele internado num hospital de Paris, após sofrer um acidente de automóvel.

Portugal fez 53 pontos, atrás da Suíça (50) e da Suécia (42,5). E Manuel Latino finalizou o relatório assim: “Se pensarmos em concorrer à próximo Olimpíada, precisamos já de tratar da base principal, o cavalo, que nos falta em absoluto. Findo o meu relatório com o grito de alarme: cavalos, não temos cavalos!!”

Em Paris1924, Portugal fez-se representar por 28 atletas, segundo o relatório, embora haja notícias a referir uma comitiva de 25 em oito modalidades: atletismo, esgrima, halterofilismo, hipismo, natação, ténis, tiro e vela. Os Jogos eram um misto de desporto e cultura e decorreram entre 4 de maio e 27 de julho, com a participação de 2956 atletas (136 mulheres), representando 44 países.

Tópicos: Jogos Olímpicos