Renúncia
05 agosto 2024 às 22h09
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Ascensão e queda da “dama de ferro” do Bangladesh

Sheikh Hasina, creditada pelo progresso económico, mas também pelo crescente autoritarismo, foge após um mês de protestos.

A primeira-ministra do Bangladesh, Sheikh Hasina, há 15 anos no poder, fugiu esta segunda-feira do país, de helicóptero, após um mês de manifestações violentas que causaram quase 100 mortos só no domingo. A filha do herói da independência de 1971, que os apoiantes dizem ter sido responsável pelo progresso económico da nação asiática, mas que os críticos acusam de autoritarismo, não resistiu aos protestos contra o sistema de quotas para a contratação pública. O líder do Exército, general Waker-Uz-Zaman, anunciou a formação de um Governo interino.

Hasina, hoje com 76 anos, tinha 27 e estava a visitar a Europa com o marido e a irmã mais nova quando o pai, Sheikh Mujibur Rahman, o primeiro presidente do Bangladesh, que na altura era primeiro-ministro, foi morto num golpe de Estado em 1975 juntamente com a mulher e os três filhos. Hasina voltaria do exílio passados seis anos para assumir as rédeas da Liga Awami, o partido do pai, liderando com outros opositores os protestos pró-democracia que levaram à queda da ditadura de Hussain Muhammad Ershad já em 1990.

Eleita primeira-ministra pela primeira vez em 1996, perderia a reeleição cinco anos depois para a antiga aliada tornada opositora Begum Khaleda Zia, do Partido Nacionalista do Bangladesh, que era viúva de outro herói da independência e presidente assassinado em 1981, Ziaur Rahman.

Zia, que já tinha chefiado o Governo entre 1991 e 1996, e Hasina viriam a ser detidas por corrupção após o golpe militar de 2007. Mas, um ano depois, já depois de as acusações serem retiradas, voltaram a enfrentar-se nas urnas, com Hasina a vencer. Estava no poder desde então, sendo a mulher há mais tempo no cargo de primeira-ministra no mundo.

O Bangladesh, que era um dos países mais pobres do mundo quando se tornou independente do Paquistão, cresceu a uma média de mais de seis pontos percentuais por ano desde 2009. Hasina recebe os créditos pelo progresso económico, assente na indústria têxtil, que permitiu que mais de 25 milhões de pessoas saíssem da pobreza nas últimas duas décadas, segundo o Banco Mundial. O Bangladesh tem cerca de 170 milhões de habitantes.

Mas à medida que os anos foram passando, foram aumentando também as críticas de perseguição aos opositores, muitos mortos ou detidos, e às vozes dissidentes. Em janeiro, Hasina venceu um histórico quarto mandato, mas com acusações de que as eleições não foram livres. Os que pediam que se demitisse eram acusados de ser terroristas, com a primeira-ministra a prometer responder com mão de ferro.

Os protestos que começaram há um mês e fizeram mais de 250 mortos foram a gota de água. Tudo começou por causa do sistema de quotas para a contratação pública, que garante mais de 50% dos cargos aos descendentes dos que lutaram na guerra da independência e outras minorias. Os trabalhos na Função Pública são mais bem pagos e muitos queixam-se de que não têm oportunidade por causa das quotas - o desemprego jovem ronda os 15%. Mas o que começou com as quotas evoluiu para a contestação à própria Hasina, a “dama de ferro da Ásia”, com os manifestantes a invadirem esta segunda-feira a Residência Oficial - já após a sua fuga para a Índia - e a festejar a sua renúncia. 

susana.f.salvador@dn.pt