Quando em Portugal se debate a crise dos media e do jornalismo, a proposta de apoios diretos do Estado a media privados é quase sempre afastada como anacrónica e associada a dirigismo e controlo estatal da informação - a chamada “captura dos media” pelo poder político. Porém esse tipo de apoio existe em vários países europeus, nomeadamente em alguns dos que são considerados democracias mais desenvolvidas e mais bem pontuadas nos índices de liberdade de imprensa. É o caso de vários países nórdicos, assim como dos mui liberais Luxemburgo, Áustria e Bélgica.
Isso mesmo se constata no relatório Public Financing in News Media/Financiamento Público dos Media Jornalísticos, recentemente publicado pela Comissão Europeia e que se apresenta como o primeiro estudo exaustivo sobre financiamento do jornalismo na União Europeia (UE). Na qual se terão, em 2022, investido 690 milhões de euros em apoios diretos aos media jornalísticos privados. 94% desse valor (648,6 milhões) diz respeito a apenas sete países - Itália, França, Áustria, Suécia, Bélgica, Luxemburgo e Dinamarca - todos, incluindo o minúsculo Luxemburgo (população 660 mil) com dotações superiores a 10 milhões cada.
Esses sete países são igualmente aqueles que, juntando os apoios diretos e indiretos, apresentam, segundo este estudo, o maior investimento per capita no jornalismo “privado” na UE. À cabeça está o Luxemburgo, com 16,5 euros por habitante; seguem-se a Bélgica, 15,7 euros; Dinamarca, 10,8; Suécia e Áustria, 9,7; Itália, 8,3; França, 5,1.
Portugal encontra-se no fundo da tabela, entre os 18 países que aplicam menos de dois euros per capita em fundos públicos neste tipo de apoios: em 2022, calcula o relatório citado, foram 40 cêntimos por cabeça - menos que o preço de um jornal diário.
O “apoio direto do Estado aos media privados” é igualmente analisado noutro relatório, este do Conselho da Europa - Good practices for sustainable news media financing (Boas Práticas para o financiamento sustentável dos media jornalísticos), publicado em outubro de 2023. Neste, certifica-se que “vários estados apoiam o jornalismo diretamente através de variados subsídios e apoios à distribuição” e aponta os países nórdicos como possuindo boas práticas nessa matéria, pela transparência, previsibilidade e prestação de contas.
Um deles é a Noruega (população 5,4 milhões), há sete anos consecutivos no primeiro lugar do índice de liberdade de informação dos Repórteres sem Fronteiras, o qual descreve o respetivo mercado de media como “vibrante”, com um setor privado “diversificado” e “empresas de media que garantem extensiva independência editorial”. Em 2023, este país não-UE, que instituiu o financiamento público direto aos jornais privados em 1969, atribuiu, só nesse tipo de apoio, 34,5 milhões de euros, distribuídos por 156 títulos jornalísticos (resultando numa média de 221 mil euros por título). Só em apoios diretos, a Noruega investe 6,38 euros per capita.
Noutros dois países do topo do índice de liberdade de informação citado (Dinamarca e Suécia, terceiro e quarto lugar), e no Luxemburgo (20º), todos da UE, os subsídios diretos representam a maior fatia do sistema de financiamento público dos media jornalísticos privados.
Já em França e Itália, tais apoios, embora muito significativos em montante, constituem a menor parte do investimento total. Apresentando os segundos mais altos níveis de apoio público aos media privados, os dois países são classificados no relatório da CE como possuindo um “modelo misto”, que combina níveis baixos de subsídios diretos - que se dirigem às TV, rádios e imprensa regionais - com formas variadas de apoio indireto (sobretudo para os jornais em papel) como créditos e deduções fiscais, apoio à distribuição, e redução nas contribuições à Segurança Social.
Esta última aplica-se, em todo o universo da UE, apenas em França, onde existe desde 1987, consistindo numa redução de 20% para trabalhadores jornalistas. O país, cuja lista de apoios ao jornalismo é longa e variada, também oferece, desde 2021, créditos fiscais para encorajar o consumo de produtos jornalísticos.
Em causa, um crédito de 30% do valor da primeira subscrição anual de um jornal (em papel ou digital) ou de revistas de informação - desde que se trate de publicações pelo menos trimestrais, e os temas cobertos incluam política e assuntos de interesse geral (aplicam-se restrições: só pode haver um crédito fiscal por agregado; o valor dos impostos a pagar pelo subscritor tem de ser inferior a 24 mil euros).
Quanto a Itália, apoia diretamente apenas projetos jornalísticos sem fins lucrativos, detidos por cooperativas de jornalistas. A legislação exclui especificamente publicações de partidos e sindicatos, assim como todas as formas de publicações especializadas. O emprego de trabalhadores permanentes com menos de 35 anos é um fator de atribuição do subsídio.