Prémio Nobel
09 outubro 2024 às 17h34
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E o Homem criou as proteínas. Inteligência Artificial domina Nobel da Química

A criação de proteínas artificiais, desafio maior da Ciência, encontrou uma resposta no trabalho dos três laureados com o Nobel da Química de 2024. Com recurso à Inteligência Artificial, os investigadores preveem agora com precisão a estrutura das proteínas e projetam proteínas inteiramente novas.

Há muito que os químicos aspiram ao entendimento e ao domínio dos blocos construtores da exuberante diversidade da vida, as proteínas. Uma meta mais próxima graças ao trabalho do neurocientista do Reino Unido Demis Hassabis e do biólogo computacional norte-americano John M. Jumper. Os cientistas, a trabalharem na britânica Google DeepMind, utilizaram com sucesso a Inteligência Artificial (IA) para preverem a estrutura de quase todas as proteínas conhecidas. Por seu turno, o bioquímico David Baker, também dos Estados Unidos e professor na Universidade de Washington (Seattle), dominou os blocos de construção da vida e criou proteínas inteiramente novas. O potencial destas descobertas foi reconhecido esta quarta-feira (9 de outubro) pela Academia Sueca de Ciências com a atribuição ao trio de cientistas do Prémio Nobel da Química 2024. David Baker, pelo “design computacional de proteínas” e Demis Hassabis e John M. Jumper, pela “previsão da estrutura de proteínas”, detalhou a Academia no momento do anúncio dos premiados.

As proteínas podem ser descritas como “ferramentas químicas, geralmente ‘construídas’ a partir de 20 aminoácidos, combinados de infinitas formas. Usando as informações armazenadas no DNA como um modelo, os aminoácidos ligam-se entre si nas nossas células para formar longas sequências. Acontece a magia das proteínas: a sequência de aminoácidos torce-se e dobra-se numa estrutura tridimensional distinta — às vezes única. Essa estrutura é o que dá às proteínas a sua função. Algumas tornam-se blocos de construção químicos que podem criar músculos, chifres ou penas, enquanto outras podem tornar-se hormonas ou anticorpos. Muitas delas formam enzimas, que conduzem às reações químicas da vida com precisão surpreendente. As proteínas que ficam nas superfícies das células também são importantes e funcionam como canais de comunicação entre a célula e o ambiente adjacente”, detalha em comunicado a Academia Sueca de Ciências.

A mesma instituição sublinha que “o Prémio Nobel da Química 2024 soube entender e dominar estes processos a uma escala totalmente nova”. Demis Hassabis e John M. Jumper recorreram à IA para resolver com sucesso um problema com o qual os químicos lutavam há mais de 50 anos: prever a estrutura tridimensional de uma proteína a partir de uma sequência de aminoácidos. Em 2020, Hassabis (nascido em 1976) e Jumper (nascido em 1985) apresentaram um modelo de IA a que chamaram AlphaFold2. Um passo de gigante para calcular a estrutura de todas as proteínas humanas. Acresce que o Google DeepMind também disponibilizou publicamente o código do AlphaFold2 (o mesmo não acontece com a mais recente versão o AlphaFold3). Desde a sua criação, o AlphaFold2 foi usado por mais de dois milhões de pessoas de 190 países. O que antes levaria anos a obter, ou seja, a estrutura de uma proteína, é agora alcançado em minutos. O novo modelo de IA tem uma taxa de sucesso de previsão próxima dos 90%. Este passo permitiu aos dois cientistas, agora premiados com o Nobel, preverem a estrutura de quase todas as 200 milhões de proteínas conhecidas.

A outra metade do Prémio Nobel da Física de 2024, concedida a David Baker, reconheceu o desenvolvimento de métodos computadorizados para alcançar o que muitos acreditavam ser impossível: criar proteínas que não existiam anteriormente e que, em muitos casos, têm funções totalmente novas. A capacidade de prever o “enovelamento” das proteínas tem implicações na biologia molecular, ajudando a acelerar descobertas em áreas como o desenvolvimento de medicamentos, biotecnologia e biologia de sistemas.

Recuando alguns anos, a 2023, David Baker, nascido em 1962, criou então a primeira proteína “totalmente diferente de todas as existentes”, algo descrito como “um desenvolvimento extraordinário”. A proteína Top7 tem uma estrutura única que não existia na natureza, possuindo 93 aminoácidos, sendo maior do que qualquer outra produzida anteriormente. Baker publicou a sua descoberta ainda em 2003. O cientista também desenvolveu e disponibilizou um código para o software de computador Rosetta, entretanto desenvolvido pela comunidade de investigadores que lhe encontraram novas áreas de aplicação.
Paulo Costa, coordenar do Computational Chemistry and Molecular Interactions Lab do BioISI (Universidade de Lisboa), sintetiza o alcance das descobertas dos três investigadores: “Entre as várias aplicações, o trabalho de Hassabis e Jumper permite que seja possível prever a estrutura de um determinado alvo terapêutico [proteína], cujo arranjo tridimensional seja extremamente difícil ou impossível de obter experimentalmente, unicamente a partir da sua sequência de aminoácidos. Uma vez conhecendo a estrutura, podemos eventualmente desenhar fármacos específicos para esse alvo. Por outro lado, os modelos computacionais desenvolvidos por Baker permitem abordar o problema de outro ângulo: a partir da estrutura final desejada podemos prever qual a sequência de blocos fundamentais (aminoácidos) necessária para obter essa mesma estrutura (e função), abrindo possibilidades infindáveis no desenho de enzimas artificiais, capazes por exemplo de catalisar reações industriais ou degradar plástico.

O primeiro Nobel de Química foi atribuído pela primeira vez em 1901 a Jacobus Henricus van ‘t Hoff, dos Países Baixos. Moungi G. Bawendi, Louis E. Brus e Alexei I. Ekimov foram laureados com o Prémio Nobel da Química de 2023 pela descoberta e síntese de pontos quânticos.

Calendário

Nobel da Fisiologia ou Medicina – Victor Ambros e Gary Ruvkun

Nobel da Física – John J. Hopfield e Geoffrey E. Hinton

Nobel da Química – Demis Hassabis, John M. Jumper e David Baker.

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