Histórico
04 março 2024 às 22h21
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França é o primeiro país a pôr aborto na Constituição

Macron irá “selar” a “liberdade garantida à mulher de recorrer à interrupção voluntária da gravidez” no Dia da Mulher.

No Dia da Mulher, a França vai tornar-se no primeiro país do mundo a inscrever na sua Constituição “a liberdade garantida à mulher de recorrer à interrupção voluntária da gravidez”. Sob um coro de aplausos, os deputados e senadores franceses, reunidos no Palácio de Versalhes, aprovaram esta segunda-feira a proposta com 780 votos a favor e 72 contra. O presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou para 8 de março uma cerimónia pública na qual irá “selar” oficialmente esse direito. 

“Orgulho francês, mensagem universal”, escreveu o presidente no X (antigo Twitter), anunciando a cerimónia para a Praça Vendôme, ao meio-dia (11.00 em Lisboa). A Torre Eiffel brilhou ontem com a mensagem “o meu corpo, a minha escolha”, depois de os resultados da votação apelidada por todos de “histórica” serem divulgados num ecrã gigante. A inscrição desta “liberdade garantida” na Constituição surge quase meio século depois da aprovação, em janeiro de 1975, da primeira lei que despenalizou o aborto em França, a Lei Veil (em nome de Simone Veil, então ministra da Saúde do presidente Valéry Giscard d’Estaign). 

“O homem que sou nunca experimentará a angústia que viveram estas mulheres, privadas da liberdade de controlar os seus corpos durante décadas. O homem que sou nunca conhecerá o sofrimento físico daqueles tempos, quando o aborto era sinónimo de segredo vergonhoso, de dor indescritível e de riscos fatais”, disse o chefe do governo, Gabriel Attal, que entrou no palácio junto com Jean Veil, filho de Simone Veil. “Mas o irmão, o filho, o amigo, o primeiro-ministro que sou, recordará durante toda a sua vida o orgulho de ter estado nesta tribuna neste momento: aquele em que vamos, juntos, unidos e cheios de emoções, mudar a nossa lei fundamental para incluir a liberdade das mulheres”, acrescentou, antes da votação. 

“A lei determina as condições nas quais se exerce a liberdade garantida à mulher de recorrer à interrupção voluntária da gravidez”, diz a frase que foi agora introduzida no artigo 34 da Constituição. Desta forma, torna-se mais difícil recuar nesta liberdade, uma vez que será de novo necessária uma maioria de três quintos para alterar o texto. 

A França torna-se assim pioneira num mundo onde o direito ao aborto está a regredir, seja nos EUA (com a revogação da decisão Roe v. Wade) ou na Europa de Leste. A líder dos deputados da França Insubmissa, Mathilde Panot, que preparou a iniciativa de revisão constitucional na Assembleia Nacional, falou de uma “promessa” para “as mulheres que lutam em todo o mundo” pelo direito ao aborto. E já anunciou que apresentou um texto para que o governo faça pressão para que seja inscrito na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 

A Amnistia Internacional falou num gesto de “enorme importância” da França, que deve servir de exemplo para outros países. Já o Vaticano defendeu que “não pode ser um direito” acabar com uma vida humana. “A Pontifícia Academia para a Vida reitera que precisamente na era dos direitos humanos universais não pode haver um ‘direito’ de suprimir a vida humana”, indicou em comunicado.

susana.f.salvador@dn.pt