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Sociedade
18 dezembro 2024 às 00h07
Leitura: 11 min

ADSE alerta para "retirada seletiva" de cuidados de saúde nos acordos com privados

A ADSE prevê terminar ano com lucro de cerca de 153 milhões, parte em resultado dos aumentos na Função Pública, que fizeram crescer as receitas. O Conselho Geral e de Supervisão diz que grandes prestadores estão a retirar das Convenções seletivamente alguns cuidados de saúde forçando o recurso ao Regime Livre.

Em 2023, a ADSE teve um saldo positivo de 160,6 milhões de euros. Em 2024, deve terminar com lucros da ordem dos 153,5 milhões, menos do que no ano anterior, mas, mesmo assim, melhor do que em 2022. E para 2025, as previsões apontam para um resultado líquido positivo de  110,4 milhões de euros, menos do que este ano, mas também “muito positivo”, pode ler-se no  parecer do Conselho Geral e de Supervisão da ADSE, sobre o Orçamento para o próximo ano - um documento que foi aprovado em outubro e publicado agora no site oficial do sistema de saúde do Estado, que serve 1,2 milhões de trabalhadores e familiares. 

Segundo explicou ao DN o economista, e ex-membro do Conselho Diretivo da ADSE, Eugénio Rosa, esta tendência de crescimento está diretamente relacionada com os aumentos anuais nos salários e nas pensões dos beneficiários, os quais pagam à cabeça 3,5% da remuneração base. O próprio documento destaca que, de acordo com as previsões para 2025, a contribuição dos beneficiários poderá atingir os 846,3 milhões de euros, sendo que, em 2024, foi de 804,9 milhões, em 2023 de 746 milhões, em 2022 de 702,5 milhões, e em 2021 foi de 667,9 milhões.

O documento destaca mesmo que “a  receita prevista para o orçamento de 2025 mantém uma tendência crescente (+9,6 %, +79,4M, comparativamente com o orçamento de 2024), sobretudo pelas contribuições dos beneficiários e rendimentos da propriedade”.  

O economista e ex-dirigente da ADSE explica ao DN ser normal este  aumento da receita pela via das contribuições dos beneficiários do Estado, que “são os únicos que sustentam o sistema”. Recorde-se que até 2011, momento em que a Troika entrou em Portugal, os funcionários da Administração Pública descontavam 1,5% para a ADSE, e depois passaram a descontar 3,5%,  para assegurar a sustentabilidade do sistema. E o valor nunca mais baixou. 

Em relação à despesa, também é normal que esta aumente todos os anos, indicando assim as previsões para 2025  “uma tendência crescente (+5,5 %, +40,8M, face ao orçamento de 2024)”, lê-se no documento, que justifica este aumento com duas situações: “Em particular, pela conjugação do crescimento da despesa com o regime livre e as aquisições de bens e serviços correntes”. 

Na opinião do economista Eugénio Rosa, o aumento da despesa pode estar relacionado com o aumento do uso do Regime Livre (RL) - o regime  que permite ao beneficiário escolher onde quer receber cuidados, mesmo que este não tenha convenção com a ADSE . Só que neste regime é o beneficiário que paga a maior fatia da despesa, já que a ADSE  comparticipa em cerca de 40%. Ou seja, e segundo explica, a despesa da ADSE com este regime é menor do que a que tem com o Regime  Convencionado: em 2023 a despesa foi da ordem dos 186 milhões e em 2024 deve ser de 215 milhões.

Enquanto no Regime Convencionado, o mais antigo e aquele em que o beneficiário é tratado em unidades ou com médicos que tenham convenção com este sistema de saúde, a ADSE já suporta entre 75% a 80% da despesa, cabendo ao beneficiário o restante. Neste, a despesa em 2023 foi de 447 milhões e em 2024 deverá ser de 469 milhões . 

Para Eugénio Rosa há que alertar os beneficiários para o que está a acontecer. "Os grandes grupos privados, que se alimentam da ADSE, estão a retirar do RC muitos atos médicos e até alguns dos profissionais que trabalhavam por convenção para o sistema, passando-os para o Regime Livre. Ora, é normal que um beneficiário que era acompanhado por determinado médico  acabe por o seguir, passando então para o Regime Livre, em que pagam mais os beneficiários e menos a ADSE”. Eugénio Rosa defende mesmo que estas situações deveriam ser “mais controladas” e até “revistas”.

No documento, é destacado também que “o valor previsto para a despesa com o Regime Convencionado para 2025 é de + 2,8 milhões face ao orçamento 2024 e para o Regime Livre é de +30,1 milhões face ao orçamento 2024”, o que continua “a apresentar uma tendência de crescimento da despesa, sendo mais acentuada no RL”.

O que é justificado pela própria ADSE com “o comportamento, essencialmente por parte dos grandes prestadores, na retirada seletiva de cuidados de saúde das Convenções, forçando à sua realização em RL, o que é algo que contraria a filosofia pretendida na ADSE e aumenta o custo dos beneficiários com os cuidados de saúde. A ADSE apresenta como solução a revisão da tabela do RL, bem como a harmonização das tabelas de RC e RL, proposta que pretende apresentar com a maior brevidade.”

Mas o aumento da receita está também diretamente relacionada com o que é designado como  “rendimentos de propriedade”, rendimentos  obtidos “através de aplicações financeiras feitas no IGCP”. Prevê-se que estes sejam da ordem dos 40 milhões em 2025, (+18,5M€ face ao previsto em orçamento 2024). Eugénio Rosa concorda que o saldo positivo alcançado pela ADSE está também relacionado com “boa gestão”, mas, sublinha, deve-se sobretudo ao montante que sai diretamente dos beneficiários, os quais deverão aumentar em número no próximo ano. No artigo dedicado às “Receitas com Descontos dos Beneficiários”, o documento refere que é estimado para 2025 “um crescimento líquido do universo de beneficiários na ordem dos 0,8% e uma progressão salarial de 4,3%, pelo que a previsão de cobrança em 2025 excede o previsto de cobrança em sede de orçamento de 2024 em 41.9M€”. 


Faltam mais de 100 funcionários na ADSE


O parecer do Conselho Geral e de Supervisão da ADSE  é claro em relação às despesas com o pessoal, referindo que estas tendem a diminuir.  Ao que não é alheio o facto de no quadro da ADSE configurarem 279 postos de trabalho e estarem apenas preenchidos 171. Aliás, no documento, é considerada  “urgente a contratação do número de trabalhadores em falta no quadro de pessoal da ADSE, sem que para tal seja necessária alteração legislativa de equiparação da ADSE a entidade pública empresarial”. O ex-dirigente da ADSE assume que a questão da falta de quadros foi e continua a ser uma grande batalha para quem está ao comando do sistema de saúde do Estado. E dá exemplos: “No tempo em que estava na ADSE quisemos contratar um diretor clínico, que é obrigatório pelos estatutos, mas as regras de contratação são tão fechadas que não foi possível contratar ninguém. Na altura, falámos com a ministra da presidência de Conselho de Ministros, Mariana Vieira da Silva, propondo que se fizesse uma alteração aos estatutos dos dirigentes da Administração Pública, mas nunca se avançou”.  

Por isso, alerta, “a ADSE pode ter um saldo positivo, mas está depauperada em quadros, muitas situações têm sido resolvidas contratando empresas prestadoras de serviços, o que não deveria acontecer. É algo que políticos e governos deveriam ter em atenção”. 

No documento pode ler-se que nas previsões para 2025, “as despesas com pessoal evidenciam um decréscimo de -2,7% (-1,7M€) comparativamente com o orçamento de 2024”. E explica-se: “Segundo informação que consta da documentação da ADSE é referido que o mapa de pessoal da ADSE I.P. que se mantém há vários anos com 279 postos de trabalho, apenas 171 são os efetivos a junho de 2024, levando a um ajustamento na orçamentação, tendo por base os valores para cada cargo, carreira e categoria, posição e nível remuneratório, em vigor na presente data. Inclui também o efeito da avaliação de desempenho e o acelerador de carreiras.”

É ainda salientado que “os efetivos se concentram nos escalões etários mais elevados, constituindo um fator de risco que obriga a atenção redobrada na gestão das admissões, sendo necessário intensificar o recrutamento de trabalhadores mais jovens”. 

O documento refere que, até  final de 2024, está  “estimado que 8 pessoas trabalhadoras cessem funções por aposentação, ao que acrescem as saídas por mobilidade (12 pessoas) e por outros motivos (8 pessoas).” Mas, em 2025, “é estimado recrutar: 15 postos de trabalho por recurso ao mecanismo da mobilidade interna e 8 postos de trabalho por recurso ao procedimento concursal comum”. Esta estimativa “tem por base o facto de, em 2024, ter sido conseguido o recrutamento de 18 técnicos superiores por recurso ao recrutamento centralizado, 5 postos de trabalho de dirigentes intermédios resultantes dos concursos lançados, e a nomeação de 1 vogal do Conselho Diretivo”, lembrando-se ainda que “é um número de recrutamentos elevados que estão em causa, sendo importante um acompanhamento regular do estado dos procedimentos”.

O Conselho Geral e de Supervisão da ADSE considera “globalmente positivo o orçamento para 2025”, defendendo até que as verbas obtidas devem servir o futuro.  “Com esta disponibilidade financeira urge refletir sobre os saldos anuais, acumulados na sua totalidade para efeitos futuros, e considerar necessário o aumento controlado de benefícios no presente e, nesse sentido, deve ser melhorada, nomeadamente, a tabela das comparticipações da ADSE nos lares, no Apoio Domiciliário, na medicina oral e nos transportes, áreas em que os beneficiários têm respostas claramente insuficientes. Também os acertos na Tabela do Regime Convencionado não devem ter incidência no aumento dos co-pagamentos dos beneficiários”. 

No parecer é destacada ainda a urgência de se implementar um plano para a regularização da faturação em excesso dos grupos privados de saúde à ADSE, o que em muito contribui para a sua sustentabilidade”.

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