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Sociedade
23 dezembro 2024 às 00h11
Leitura: 7 min

Pobreza energética afeta quase 3 milhões em Portugal. E há “consequências para a saúde”

Grande percentagem da população tem dificuldades em aquecer ou arrefecer a habitação. Ao DN, o investigador João Pedro Gouveia reitera que o caminho deve ser outro e alerta para os perigos desta situação - que vão muito para lá do conforto pessoal.

Estima-se que, só em Portugal, “haja, claramente, entre dois a três milhões de pessoas” que estejam em pobreza energética (isto é, que tenham falta de condições de conforto em casa, seja por falta de aquecimento ou de arrefecimento). Mas, apesar do problema ser reconhecido pelo poder político (“que deve ser sempre o primeiro passo”), João Pedro Gouveia, investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova diz ser preciso fazer mais. 

Ouvido pelo DN, o professor refere que, apesar de o país ter “uma estratégia de combate à pobreza energética”, publicada em janeiro deste ano, falta colocá-la em prática. Até porque, no seu entender, havia “objetivos altamente ambiciosos”, como a erradicação total deste problema até 2050 ou a intenção de, até 2030, renovar 60% das casas. “Atualmente, se calhar, nem 5% renovámos até agora, não é em cinco anos que se vai vencer esta guerra”, diz, acrescentando que “basta olhar para os dados ou para as estatísticas de renovação de casas na última década”. “Os resultados estão piores ou muito piores do que em anos anteriores. Não estamos a fazer o caminho certo”, sublinha João Pedro Gouveia.

O caminho a seguir, diz, deve ser o de fortalecimento económico desta estratégia, para se poderem aplicar os instrumentos. “Apesar de haver um reconhecimento político, os instrumentos financeiros, os mecanismos de apoio às pessoas, o financiamento existente é manifestamente escasso para a dimensão do problema que Portugal tem. Não chega só reconhecer ou ter estratégia. É preciso, efetivamente, implementar os instrumentos para esse combate à pobreza energética de forma efetiva às pessoas mais vulneráveis”, acrescenta ainda.

Esta falta de medidas, traduz-se, depois, no facto de Portugal ser o país europeu “onde mais pessoas reportam incapacidade em aquecer as casas”. Isto deve-se, sobretudo, “à falta de equipamentos eficientes, ou mesmo falta de equipamentos para aquecer a habitação”. Segundo João Pedro Gouveia, há ainda outro problema que acontece “em muitos países do sul da Europa”: “As pessoas até têm o equipamento, mas depois não têm dinheiro, tentam gerir o orçamento familiar de outra forma e não querem ou não têm capacidade de aquecer a casa. A casa realmente é tão má, com tantos problemas estruturais de isolamento e de problemas nas janelas que, mesmo aquecendo, não conseguem estar confortáveis em casa.”

Ao todo, estima-se que, a nível europeu, a pobreza energética afete cerca de 35 milhões de pessoas. Mas, realça João Pedro Gouveia, “dependendo das consequências e das causas”, esse número pode chegar aos 100 milhões, seja no inverno com as dificuldades no aquecimento ou “no verão com o passar calor em casa”. “O assunto é cada vez mais relevante”, diz o especialista.

João Pedro Gouveia é investigador na NOVA FCT.

Problema é “bola de neve” que pode até afetar saúde

Esta incapacidade em aquecer a casa no inverno e arrefecê-la no verão, é, nas palavras do investigador, “uma bola de neve”.

Como não há “grande isolamento”, depois têm de ser usados aquecedores ou ares condicionados, o que acaba por tornar tudo  “mais caro”. Os custos com energia sobem e, depois, há, muitas vezes “problemas em pagar a eletricidade, o gás, o que seja”. Ou, como acrescenta o investigador, pessoas que vivam no limiar da pobreza , podem ter “outras prioridades, seja em termos de alimentação ou de outras situações em casa” e “a energia se calhar é o que fica mais negligenciado.

Ainda que “as pessoas acabem por usar outras estratégias de adaptação, como mais camisolas ou mantas, uma vez que percebem que mesmo que aqueçam, se calhar não estarão confortáveis”, o problema pode ser ainda mais grave. “Quando isso traz problemas na casa, como bolores, humidade, paredes e tetos negros, a qualidade do ar interior vai ficar afetada por vários problemas, e quando olhamos para  grupos de pessoas mais vulneráveis estas questões são exacerbadas”, ou seja, diz o João Pedro Gouveia, “a pobreza energética afeta claramente a saúde das pessoas. Há consequências em termos de doenças respiratórias e cardiovasculares. A saúde mental, que muitas vezes é negligenciada nestes assuntos, também é bastante relevante”.

Quase totalidade das casas não é eficiente

De acordo com o investigador, 80 a 90% das casas em Portugal “não é eficiente”. “Muitas não têm isolamento. As janelas têm falta de qualidade e, portanto, o desafio não só português, mas europeu, é  claro: como renovamos quase todo o parque habitacional?”

A solução, seja pela construção de novas casas ou pelo isolamento das mais antigas, passa por “todos”. “Temos de trabalhar todos em conjunto, diferentes agentes a nível local e nacional, bem como a parte científica, para conseguimos realmente, de forma efetiva, atuar sobre o problema. A solução está no financiamento e no conhecimento das empresas, claramente. Mas está também nesta ligação entre implementação de financiamentos e apoio ao cidadão de forma mais célere e eficaz, que muitas vezes também é difícil”, remata.

Natal com mínimas de cinco graus

Ainda que exista tanto no inverno como no verão, a pobreza energética é mais falada durante o tempo mais frio. E o Natal, este ano, ficará marcado, no continente, por temperaturas mínimas baixas. Segundo a previsão do IPMA,  “as noites serão frias, com temperatura mínima acima de 5 °C apenas na faixa costeira. Há condições para formação de gelo e geada em todo o território , em especial no interior Norte e Centro onde a temperatura mínima deverá ficar abaixo de  0 °C, prevendo-se uma pequena subida gradual da temperatura” a partir da noite do passado sábado. “A segurança rodoviária, em particular durante a noite e manhã, poderá ser localmente afetada pela ocorrência de gelo na estrada e de nevoeiro”, alerta ainda o IPMA.