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Dinheiro
04 novembro 2024 às 00h00
Leitura: 12 min

Imigrantes ganham em média 600 euros brutos por mês

Há atividades em Portugal que já não conseguem passar sem mão de obra estrangeira. Mas essa necessidade não se espelha nas remunerações destes trabalhadores, que têm vindo a ganhar um peso crescente no volume de contribuições para a Segurança Social. Os baixos salários e a precariedade continuam a marcar os imigrantes.

A contribuição média anual dos trabalhadores estrangeiros para a Segurança Social foi de 2926 euros em 2023. Este valor corresponde a uma remuneração-base média mensal de 601 euros brutos (considerando 14 meses).  Este valor médio fica 160 euros abaixo do salário mínimo nacional (SMN) de 2023, que era de 760 euros, e 220 abaixo do atual, que é de 820 euros . O sistema de Segurança Social registou a contribuição de 914.963 imigrantes, que, no total, descontaram mais de 2,67 mil  milhões de euros, indicam dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS). São descontos que ilustram distintos regimes contributivos (trabalho dependente, independente e contribuições voluntárias) e diferentes relações laborais. Embora representem uma média, indicam que o trabalho dos imigrantes é, em geral, marcado por baixos salários.

Os trabalhos dos imigrantes em Portugal “são principalmente os mais precários, os mais mal pagos, com piores horários, mais exigentes, manuais ou que não requerem habilitações - embora a sua inserção no mercado de trabalho português não reflita necessariamente as suas qualificações, persistindo situações de sobrequalificação -, e mais arriscados”, retrata, ao DN, Catarina Reis de Oliveira, professora do ISCSP-ULisboa e diretora até julho deste ano do Observatório das Migrações.

É um quadro onde predominam os contratos a termo, o trabalho sazonal e temporário, em atividades como a agricultura, restauração, alojamento e serviços ligados ao turismo. A média remuneratória dos trabalhadores estrangeiros “resulta de uma grande diversidade de situações contributivas em setores com remunerações baixas”, frisa. A investigadora lembra ainda que estas médias salariais incidem apenas sobre a base contributiva para a Segurança Social, “persistindo situações de complementos de remuneração que não geram base contributiva”, como os associados a alojamento e/ou alimentação, por exemplo.

Iguais e diferentes

Não sendo uma realidade desconhecida, os dados fornecidos pelo MTSSS permitem também concluir que determinadas nacionalidades estão maioritariamente afetas a trabalhos onde imperam os baixos salários. No ano passado, a Segurança Social recebeu descontos do trabalho de 379.138 brasileiros (um total de 1,03 mil milhões de euros), o que traduz uma média de contribuições de 2724 euros em 2023, abaixo dos 3697 euros indexados ao SMN. Ganharam uma média de 560 euros por mês. O mesmo sucedeu com os indianos (contribuição média de 2136 euros, remuneração de 439 euros), os nepaleses (2565 euros) ou os cabo-verdianos (2430 euros). Em sentido inverso e a fechar o ranking das cinco nacionalidades estrangeiras que mais contribuíram para o regime social, os espanhóis descontaram uma média de 7085 euros, ou seja, receberam um salário médio bruto de 1456 euros.

Catarina Reis de Oliveira reconhece que asiáticos, africanos e brasileiros estão “mais associados aos trabalhos mais mal pagos e com mais discrepâncias negativas face aos trabalhadores portugueses, contrastando com cidadãos da União Europeia e norte-americanos, com remunerações médias superiores” aos nacionais. E exemplifica: em 2022, o rácio das contribuições de cidadãos da União Europeia era de 5405 euros, dos asiáticos de 2043 euros e dos trabalhadores dos PALOP de 2338 euros. Entre os trabalhadores europeus há também situações distintas: os europeus de Leste respondiam por uma contribuição média de 2697 euros.

Para Miguel Teixeira Coelho, especialista em segurança social, o valor da remuneração média base, calculada com base nas contribuições para o sistema social, pode não ser um indicador rigoroso do salário auferido. Como afirma, “há muitos trabalhadores independentes que têm uma remuneração de referência abaixo do SMN e, mesmo que seja igual, a contribuição é menor do que a do trabalhador por conta de outrem. Há também o período de isenção de um ano para quem inicia atividade independente, trabalho a tempo parcial e trabalhadores que podem só ter entrado no mercado a meio do ano”. Mas “também não quer dizer o contrário”, reconhece. “É bastante provável, dada a natureza do trabalho mais indiferenciado que executam - atividades na restauração, na construção.”

E lembra ainda que os imigrantes com qualificações equivalentes às de portugueses ganham menos e enfrentam problemas de reconhecimento de qualificações. “A perceção é de que essas pessoas são contratadas em condições perto do SMN”, diz.

O economista e especialista em matérias do estado social Fernando Ribeiro Mendes também não duvida que “o grosso dos trabalhadores estrangeiros ganha o salário mínimo”, havendo muitos independentes, sazonais e a trabalhar à hora, por vezes sem rendimentos para declarar durante uma parte do ano”. Aponta também as baixas qualificações e as dificuldades em exercer determinadas profissões, porque o mercado de trabalho não lhes reconhece competências. “Facilmente a média fica abaixo do SMN”, considera.

Já a ex-diretora do Observatório das Migrações destaca a menor prevalência de vínculos laborais permanentes nos trabalhadores estrangeiros. “Em 2020 e 2021 mais de dois terços dos trabalhadores portugueses por conta de outrem tinham um contrato de trabalho sem termo (69,8% em 2020 e 70,8% em 2021), quando no caso dos trabalhadores estrangeiros apenas cerca de um terço detinha esse tipo de vínculo laboral (35,1% em 2020 e 36,8% em 2021), ou seja, os estrangeiros com, respetivamente, -35 e -34 pontos percentuais do que os portugueses em vínculos laborais permanentes”, esclarece.

Imprescindíveis ao país

Segundo um estudo de caracterização dos trabalhadores estrangeiros por conta de outrem no país, do Banco de Portugal, havia cerca de 495 mil imigrantes em Portugal com contrato de trabalho em 2023. A mediana (o valor central de um conjunto de dados ordenado do menor para o maior) das remunerações mensais desses trabalhadores foi muito próxima do SMN (760 euros), situando‐se nos 769 euros nos jovens e em 781 euros naqueles com mais de 35 anos.

Em comparação, os salários medianos dos portugueses foram de 902 euros e 945 euros, respetivamente. O estudo revela também que no setor da agricultura e pesca quatro em cada dez trabalhadores eram estrangeiros, com a nacionalidade indiana a representar 34,6% no total do emprego, a nepalesa a pesar 15,3% e a bengali 13,8%. O peso do emprego imigrante no total do emprego era também muito relevante no alojamento e restauração (31%), atividades administrativas (28%) e construção (23,2%).

A agricultura é, pois, uma das áreas económicas que mais imigrantes emprega e que demonstra grande necessidade destes trabalhadores. Como frisa Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), a agricultura “enfrenta uma falta crónica de trabalhadores, pelo que a contratação de mão de obra estrangeira é imprescindível para o normal funcionamento do setor”. Segundo a CAP, haverá cerca de 20 mil estrangeiros a trabalhar nesta atividade no país (40% do total de trabalhadores). Dados do Instituto Nacional de Estatística referentes ao segundo trimestre deste ano revelam que a agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca registava uma remuneração-base média de 810 euros. Este valor considera tanto o trabalho a tempo integral como parcial. 

“Os setores do turismo, em geral, e da restauração e bebidas e alojamento turístico, em particular, são dos maiores empregadores de trabalhadores estrangeiros”, confirma a AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal), embora não disponha de números exatos. E essa força de trabalho “é absolutamente determinante para o funcionamento dos negócios, pois sem ela o problema da falta de trabalhadores, que hoje se continua a fazer sentir, seria muito maior”. Segundo a associação, os trabalhadores imigrantes “estão em pé de igualdade” face aos nacionais e são “tratados de igual forma pela lei, assim como pela contratação coletiva”.

Também a Confederação do Turismo de Portugal defende que o recurso à mão de obra estrangeira é essencial para o segmento continuar a crescer e a alimentar a empregabilidade de outras atividades. No entanto, considera que neste momento a situação de falta de mão de obra “está mais normalizada” e a regularização dos 400 mil imigrantes com processos pendentes permitirá resolver o problema.

Dúvidas sobre o futuro

O peso das contribuições dos imigrantes para a Segurança Social tem vindo a aumentar, acompanhando a dinâmica do fluxo migratório. Como recorda Catarina Reis de Oliveira, em 2022 os estrangeiros representaram 13,5% dos contribuintes para o sistema social, com um total de 1861 milhões de euros de contribuições (uma média anual contributiva de 2726 euros), e no ano passado passaram a representar 16,7% , com um volume de descontos de 2677 milhões de euros. Este aumento em mais de três pontos percentuais do impacto dos contribuintes estrangeiros no sistema reflete também o crescimento global das contribuições em 816 milhões de euros e do valor médio anual por pessoas singulares de mais 200 euros, aponta a investigadora. Refira-se que o aumento do SMN de 705 euros, em 2022, para 760 euros, em 2023, também foi determinante para este volume.

Há “uma evolução contributiva muito favorável para o saldo da Segurança Social com as contribuições de trabalhadores estrangeiros, refletindo que a população estrangeira residente em Portugal continua a ter um papel importante para contrabalançar as contas do sistema da Segurança Social”, sublinha. No ano passado as contribuições dos imigrantes geraram um saldo positivo de 2194 milhões de euros, um excedente gerado pela diferença entre o valor dos descontos para a Segurança Social e as prestações sociais auferidas, que totalizaram 483,3 milhões de euros.

Catarina Reis de Oliveira quer agora analisar os dados de 2024. “A expectativa da regularização através da manifestação de interesse (que requeria ter relação contributiva com o sistema de Segurança Social) reforçou a inscrição e pagamentos até ao primeiro semestre de 2024”, lembra. Agora “será necessário aferir no final de 2024 como o fim da manifestação de interesse pode ter gerado uma quebra de inscritos no sistema de Segurança Social”.