Novo Governo
02 abril 2024 às 07h09
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As cinco urgências de Luís Montenegro

O que o governo da AD vai enfrentar nos próximos meses.

São três as que atravessam os principais setores da Administração Pública: mais funcionários, melhores salários e condições de trabalho. Numa palavra: mais investimento no SNS, na Educação, na Segurança e na Defesa. A habitação, que deixou de ser ministério autónomo, é um dos principais problemas que o Governo tem em mãos. E depois há as “contas certas” sem que o investimento seja travado. São reivindicações de sindicatos e oposição à esquerda que a AD de Montenegro vai enfrentar nas próximas semanas. E vai haver acordos com PS? “Inevitavelmente”, as “matérias de consenso” vão juntar socialistas e social-democratas num bloco central “institucional”.

Diretores escolares, professores e pais querem investimento

Mais recursos humanos (professores, técnicos especializados e assistentes operacionais), revisão da decisão da realização de exames e provas em formato digital e requalificação das escolas são alguns dos temas que a comunidade escolar quer ver na agenda do ministro da Educação, Fernando Alexandre.

Ao DN, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), conta que irá pedir uma reunião com caráter de urgência para reportar os problemas da escola pública, “pontuando, de imediato, o formato de realização das provas de aferição e finais, devolução dos 6 anos 6 meses e 23 dias e escassez de professores”.

“Esperamos um forte investimento nos recursos humanos das escolas, edificado e materiais e que faça da auscultação à Associação Nacional de Diretores um modo de trabalho para tomar as melhores decisões”, sublinha.

Já a Missão Escola Pública, um movimento apartidário de professores, apresenta nove reivindicações, de caráter urgente, pedindo resposta às mesmas em 60 dias. Os professores pretendem o “agendamento da recuperação de todo o tempo de serviço; a alteração ao atual modelo de Avaliação Docente; a eliminação das quotas de acesso aos 5.º e 7.º escalões; a alteração ao modelo de gestão, tornando-o democrático; a definição de ajudas de custo para os docentes deslocados; a anulação da possibilidade de recrutamento de professores por parte dos diretores, anulando esta ideia de reforço dos seus poderes autocráticos; o decretamento do fim das provas em formato digital; a implementação de medidas que visem combater o facilitismo e a indisciplina; a revisão do decreto que define a habilitação própria para a docência; a implementação de medidas que promovam uma verdadeira inclusão, quer de alunos com necessidades educativas especiais, quer de alunos estrangeiros; e o agendamento de reuniões de trabalho cujo objetivo seja a substituição das aprendizagens essenciais por programas mais exigentes, bem como a redefinição da carga horária das diferentes disciplinas”.

Pedidos que, na ausência de resposta por parte do Ministério da Educação (ME), podem levar ao agendamento de “ações de protesto no início da nova legislatura”.

Os Encarregados de Educação da COSAP (Concelhia de Setúbal das Associações de Pais)- um dos concelhos mais afetados pela falta de professores - também esperam resposta para os problemas da escola pública. Rui Moreira, membro da COSAP salienta “o contexto difícil na educação, com as condições e as carreiras de professores e demais funcionários das escolas a carecer de revisão, com infraestruturas a carecer de múltiplas intervenções, a falta de transparência da Construção Pública EPE, com carência de pessoal e de recursos materiais, com metodologias de ensino antiquadas e desajustadas”, temas que devem ter resolução rápida por parte do ME.

“Como se propõe o ministro da Educação a proporcionar ao nosso amanhã, que são os alunos de hoje, condições para de facto aprender, desenvolver competências e cidadania, que lhes permita constituírem-se como o futuro de Portugal, necessariamente melhor e mais equitativo?”, questiona. E para os pais da COSAP, há um tema que não deve voltar ao debate. “Casas de banho partilhadas, os Encarregados de Educação não concordam”, sublinha Rui Moreira.

Cynthia Valente

Salários, condições e tempo de serviço: as exigências da Saúde

A Saúde será uma das áreas onde a capacidade negocial terá de ser grande. No anterior Governo, médicos e enfermeiros reivindicaram melhores condições salariais e de trabalho e, para os sindicatos dos médicos e enfermeiros, a prioridade é exatamente essa.

Ouvido pelo DN, o novo secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Nuno Rodrigues (que lidera o SIM desde 23 de março) estabelece um conjunto de desafios: “O acesso à profissão, a fixação de médicos no SNS, até pela melhoria de condições. Só assim se consegue alcançar o objetivo de dar médicos de família a todos.”

Nuno Rodrigues espera ainda que o Governo de Luís Montenegro aproveite o acordo intercalar assinado entre o SIM e o anterior Executivo, com o objetivo de aumentar as remunerações mais baixas. “Era urgente dar um primeiro passo para melhorar. Agora, a concretização destas medidas intercalares é importante. Os médicos são pessoas ponderadas e estarão sempre do lado da solução”, remata.

A Federação Nacional dos Médicos (Fnam) espera que o caminho seja o de “resolver os problemas”, desde logo ao “iniciar uma negociação” com os médicos. Joana Bordalo e Sá - que diz ainda não ter falado com a nova ministra da Saúde, Ana Paula Martins - estabelece, em linhas gerais, as mesmas prioridades para o arranque do mandato: melhores salários e condições de trabalho. “Para a Fnam nunca foi apenas uma questão de salários”, reitera a presidente da federação sindical.

Além disso, para Joana Bordalo e Sá há ainda uma outra questão premente: é necessário mais transparência, “para que se negoceie sem jogadas de bastidores” - algo que, diz a dirigente, não aconteceu com o anterior ministro, Manuel Pizarro.

Quanto a perspetivas para o mandato de Ana Paula Martins, ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e ex-presidente do Hospital de Santa Maria, a Fnam e o SIM convergem: “Esperamos capacidade de diálogo e de negociar.”

O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) deixou também exigências à nova ministra. Em comunicado, o SEP anunciou a entrega de um caderno reivindicativo para o início das negociações. Em cima da mesa estarão problemas comuns aos dos médicos (valorização dos salários) e dos professores, como a contagem de todo o tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras.

 Rui Miguel Godinho

Habitação acessível sem penalizar o AL

A pasta da Habitação enfrenta uma série de desafios que exigem a atenção imediata do novo Governo liderado por Luís Montenegro. Dos elevados custos do imobiliário ao peso dos juros nos empréstimos da casa, passando ainda pelas rendas onerosas e o descontentamento do setor do Alojamento Local (AL), a ordem de trabalhos antecipa-se complexa.

Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), ajudam a desenhar o cenário. Em 2023, o índice de preços da habitação aumentou 8,2%, tendo o preço mediano de alojamentos familiares ascendido aos 1641 euros por metro quadrado (m2), no final do terceiro trimestre, traduzindo um acréscimo homólogo de 10%.

Sendo nos centros urbanos e metropolitanos onde as famílias mais lutam para encontrar um lar a preços aceitáveis, o novo Executivo terá à sua responsabilidade pôr em prática políticas que não só mitiguem o impacto da especulação imobiliária, como também promovam a construção de habitações acessíveis para garantir que o mercado seja mais inclusivo para grupos vulneráveis, como agregados de baixos rendimentos, jovens e idosos.

Do lado do arrendamento, mostra o INE que a renda mediana dos novos contratos cresceu 11,6% no ano passado, para 7,21 euros por m2 - numa casa com 80m2, traduz-se isto em 576,8 euros por mês, sendo que em Lisboa o valor médio aumentou para 11,93 euros por m2.

Perante esta subida acentuada, na lista dos desafios do novo Executivo consta ainda rever e ajustar as políticas de arrendamento, por forma a garantir uma maior estabilidade aos inquilinos e condições favoráveis para os proprietários.
No seu programa eleitoral, a Aliança Democrática defende que medidas como o arrendamento forçado e o congelamento de rendas, presentes no programa Mais Habitação, não são a solução, e a intenção é revogá-las.

Apontado pelo Governo socialista como um dos principais causadores da escassez de habitação disponível para arrendamento a longo prazo, o Alojamento Local foi alvo de deliberações polémicas, com a introdução de limites ao número de AL em determinadas áreas. O novo Governo já vincou que quer reverter as “medidas penalizadoras”, que passam pelo fim da Contribuição Extraordinária sobre o setor e caducidade das licenças anteriores ao programa e outras limitações legais.

Mariana Coelho Dias

Manter as “contas certas” e impulsionar o investimento

Os maiores desafios económicos e financeiros do novo Governo passam por manter a tendência dos últimos anos em matéria orçamental (continuar a entregar excedentes orçamentais para reduzir a dívida e cumprir as exigências do novo Pacto de Estabilidade, que entra em vigor em 2025).

Ao mesmo tempo, o Executivo de maioria relativa liderado por Luís Montenegro (PSD) terá de resolver os constrangimentos e atritos que têm complicado e demorado o investimento público nos últimos anos, atrasando obras e projetos de grande calibre (o novo aeroporto, é um dos maiores) ou empatado o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), isto apesar de Portugal até ser um dos países da Europa com maiores taxas de execução. É suposto que o PRR, juntamente com os outros fundos europeus, puxe pela produtividade da economia, tornando o país menos dependente de atividades de menor valor produtivo, como as relacionadas com o turismo, e mais dependente de indústrias e tecnologias inovadoras.

Paralelamente, assumindo que a prioridade do Governo de direita é mesmo, como prometeu, descer os impostos e aumentar gradualmente os salários dos professores, pessoal médico e forças de segurança, o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) vai ter de arranjar espaço de manobra (cortes noutras despesas) para poder cumprir o prometido na campanha.

Se a economia crescer mais, ajuda, mas as principais instituições (como Comissão Europeia, FMI, OCDE e agências de rating) estão todas às espera de mais “reformas estruturais” e poupanças, sobretudo do lado da despesa. A privatização da TAP é outro dos pesos pesados que tarda em se resolver, assim como o novo aeroporto.

Segundo alguns observadores da realidade económica portuguesa, o OE 2025 deverá ser o primeiro teste de fogo de Montenegro e do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento. “Um Governo minoritário pode enfrentar obstáculos significativos para legislar ao longo do tempo e necessitar de apoio numa base casuística. A aprovação do Orçamento de 2025 constituirá, provavelmente, o primeiro grande teste para o Governo minoritário liderado pela AD, assumindo que não será apresentada qualquer alteração ao Orçamento de 2024”, espera Javier Rouillet, o analista principal que acompanha Portugal, da agência de rating DBRS.

Luís Reis Ribeiro

Segurança e Defesa: cativar polícias e militares

Duas áreas de Soberania, Segurança e Defesa,  vão estar sob escrutínio especial nesta legislatura, particularmente  no próprio Governo. Margarida Blasco, no Ministério da Administração Interna, e Nuno Melo, na Defesa Nacional, têm um grande problema em comum: motivar e valorizar os seus efetivos e conseguir mais candidatos. Nas polícias, a prioridade será iniciar as negociações com os sindicatos, prometidas por Luís Montenegro, para a equiparação do Suplemento de Missão atribuído à Polícia Judiciária (PJ), no valor de 1026 euros.

As propostas concretas do PSD para executar esta medida - que não será o pagamento integral deste valor a todos os polícias uma vez que PJ tem, por lei, definido um grau de complexidade de funções só comparável aos oficiais - não são conhecidas. Um cálculo feito pelo gabinete de José Luís Carneiro, antecessor de Blasco, apontava para cerca de 155 milhões de euros o custo de um aumento para 15% do Suplemento de Risco nos oficiais e 10% para os sargentos e guardas da GNR e chefes e agentes da PSP”, tendo por base a remuneração do comandante-geral da GNR e do Diretor-Nacional da PSP”.

Bruno Pereira, o porta-voz da plataforma que reúne 11 sindicatos da PSP e associações da GNR, considera ser urgente a atribuição do Suplemento de Missão idêntico ao da PJ, mas, em declarações à Lusa, sublinhou que, ainda assim, só este subsídio “será muito pouco para assegurar uma viragem de paradigma que volte a robustecer e a dar dignidade” às forças de segurança.

O centrista Nuno Melo também terá de procurar soluções para inverter a queda no número de militares ao serviço das Forças Armadas - em 2023  continuou a cair, atingindo o efetivo mais reduzido de sempre, com pouco mais de 21 mil  para os três Ramos (apenas 68% dos 30 840 autorizados pelo Decreto-Lei n.º 6/2022). Numa altura em que a discussão sobre a eventual necessidade do regresso do Serviço Militar Obrigatório voltou a estar na agenda, o novo ministro precisa de medidas urgentes para que Portugal tenha capacidade de recursos humanos para continuar a participar nas missões de defesa coletiva inseridas nas organizações internacionais a que pertence, como a NATO. Conseguir também um orçamento para a Defesa que alcance os 2% do PIB, que PSD e o CDS há muito defendem (em 2023 foi 1,48%), é outra prioridade.

Valentina Marcelino