"Nestes 12 anos, a descoordenação aumentou”, explicou ao DN João Ferreira, vereador do PCP na Câmara de Lisboa, aludindo ao agravamento dos problemas de higiene urbana na capital, depois de ter havido transferência de competências do município paras as freguesias, há 12 anos. “Passámos de uma situação em que tudo isto estava sob a competência de uma única entidade para uma situação em que tudo isto está repartido por 25 entidades [Câmara e as 24 freguesias]”, o que intensifica as “exigências de coordenação”, reforça. Quase como ironia, “toda a gente concorda com isto”, sublinha.
As tarefas estão definidas, com as freguesias responsáveis pela limpeza das vias e a Câmara a ter de recolher o lixo. Ainda assim, há ‘zonas cinzentas’, com as pessoas a depositarem o lixo à margem dos pontos de recolha, o que faz com que esta tarefa passe a ser das freguesias e não municipal, impondo entropia ao processo.
Os processos da higiene urbana resumem-se a recolha de lixo, varredura, lavagem e remoção de ervas daninhas dos passeios. Neste rol de tarefas, só a recolha de lixo cabe à Câmara Municipal. Tudo o resto está reservado às juntas, pelo menos desde que o Governo, em 2012, liderado pelo social-democrata Pedro Passos Coelho, avançou com esta reforma administrativa. Mas a responsabilidade nesta alteração legislativa, exclusiva para a capital, também coube a António Costa, que na altura era presidente da Câmara de Lisboa.
“Houve uma vontade política de se fazer isto”, recorda João Ferreira, destacando que “Lisboa deu o pontapé de saída [para esta lei], por vontade própria, isto é, sem imposição do Governo”, com base num “entendimento PS-PSD na Câmara”. Em paralelo à medida está também o “processo de extinção de freguesias”, que levou a acabar com mais de mil freguesias em todo o país, lembra o vereador comunista. Com este processo, Lisboa passou de 53 para 24 freguesias.
Tudo aconteceu no período da intervenção da troika.
Apesar de apontar o dedo a esta lei, João Ferreira esclarece que não pede uma alteração legislativa, mas uma avaliação ao que tem sido feito e ao que está implementado. “Achamos que essa reflexão devia ser feita, mas, atenção, é possível, mesmo neste quadro, fazer muito melhor. É possível e é necessário”, defende, acrescentando, no entanto, que “tendo presente a experiência destes 12 anos, haveria vantagens em que a Câmara tivesse uma capacidade de intervenção à escala de cidade, com a integração que isso permite, do ponto de vista dos meios materiais e humanos”.
Quem também elege a “falta de coordenação” como a origem do problema do agravamento do lixo é o advogado João Massano, recusando que haja qualquer possibilidade de má interpretação da lei. “Lendo aquela legislação, é claro como água. A questão é a aplicação que as pessoas fazem disto”, confirma João Massano ao DN.
Questionado sobre as queixas que alguns presidentes de junta fizeram ao DN, apontando que a transferência de verbas da Câmara para as freguesias não tem sido suficiente para encontrar soluções, o advogado diz que não consegue “apreciar se de facto não há dinheiro para fazer as limpezas como deve ser. Agora, este empurra, dizendo que a responsabilidade é de um ou de outros, não parece fazer sentido nenhum, muito menos a culpa é da lei”.
“O problema de Portugal é que nós, muitas das vezes, e isso é uma coisa que não tem a ver só com gestão, é em tudo, partimos do princípio que se há um problema temos de mudar a lei. E muitas vezes não é o problema da lei”, frisa, concluindo que “o problema é como é que a lei é aplicada”.
O DN falou com o presidente da junta do Lumiar, Ricardo Mexia, eleito pela coligação que integra o PSD e o CDS, que não hesita “em dar razão às pessoas que se queixam que há insuficiências na higiene urbana”.
O Lumiar é a freguesia com mais população - 46 mil habitantes, de acordo com o autarca - e é a quinta com maior área. Ainda assim, diz Ricardo Mexia, a verba que chega à junta é de “80 euros per capita por ano”, o que fica aquém das necessidades da freguesia, principalmente “tendo em conta que a média na cidade é de 160 euros e há uma freguesia que recebe 500 euros”. “Não há nenhuma razão para esta assimetria de valores”, aponta. Mas tem uma teoria: quando algumas freguesias foram agregadas, que foi algo que não aconteceu no Lumiar, “o orçamento nuclear de cada uma dessas juntas acabou por permitir um bolo global maior e com poupanças de escala” para as freguesias que resultaram do processo.
No entanto, juntando-se à lista dos que contestam a descoordenação, Ricardo Mexia explica que a reforma administrativa de 2012 gera “incompreensão” por parte da população, por algumas competências serem da junta e outras da Câmara.
O vereador do PSD na Câmara de Lisboa Ângelo Pereira, próximo do presidente do Executivo Municipal, Carlos Moedas, explicou ao DN que, no âmbito da alteração legislativa, “foram transferidas competências sem o devido pacote financeiro”.
Juntando-se ao consenso, Ângelo Pereira propõe que, “com a experiência”, se faça “um balanço” e se tente “adaptar as coisas à realidade”.