“No meu local de trabalho já se suicidaram dois militares. Fui o último militar a conversar com o último a cometer a loucura, não fui capaz de perceber nenhum sinal. Estive para ser o terceiro, felizmente tive um camarada que percebeu, e passado algum tempo me permite escrever este texto. Pedi ajuda, sinto que estou a ser bem acompanhado. Mas este problema existe e na maioria fica escondido (…).”
“Opressões constantes e uso negativo da hierarquia promovendo o medo e insegurança nas pessoas. A instituição virou uma prisão, uma sentença…”
“O meu corpo ficava doente ao entrar no quartel. Deixava de ter respostas/funcionamento normal. Os tremores e mal-estar num certo dia de manhã levaram a que não conseguisse conduzir com segurança até ao local de trabalho e a ficar bloqueado dentro do carro a olhar para o final da rua onde se encontrava a entrada do quartel. Nesse momento deu-se a tomada de perceção de que tinha aguentado o suficiente e que tinha que me proteger a todo o custo pois as minhas saúdes físicas e mentais estavam em risco. Seguiu-se o recurso ao apoio médico e a baixa médica. A melhoria foi imediata ao saber que não teria que ir suportar os comportamentos persecutórios e desestabilizadores diários e constantes por parte de um elemento superior hierárquico, comportamento esse que apesar de verificado por outros superiores, nada fizeram para contrariar (…).”
“As queixas e as denúncias de assédios são abafadas e desvalorizadas. É visto como ‘normal’ e disciplinador práticas que na lei são claramente crime de assédio. Estas práticas são incentivadas e valorizadas pelas chefias.”
“As intimidações e ameaças de superiores hierárquicos são frequentes, mas de difícil comprovação pois estão camufladas por detrás da função e posto que ocupam, em especial por parecerem pessoas urbanas e de educação elevada, no entanto por vezes não passam de uns narcisistas (…).”
“Como experiência pessoal, posso reportar que pelo menos dois comandantes de unidade diagnosticaram seus militares como tendo patologias do foro psiquiátrico ou outro do género, pelo simples facto de esses mesmos militares confrontarem de forma assertiva as decisões do comando, e este por inércia e incapacidade de fazer melhor rotulou os militares e enviou-os para o centro clínico para receberem tratamento e afastá-los do serviço, quando na verdade o desequilibrado mental, por força do seu autoritarismo medieval, era o próprio comandante. Como se manda um comandante para o centro clínico para tratamento? Como se exonera um ignóbil desses?”
“Era necessário rever os critérios de seleção daqueles que querem desempenhar cargos de chefia, bem como a forma como são avaliados os desempenhos daqueles que lideram, porque não basta tirar uma nota positiva num teste escrito para poder liderar homens.”
“Infelizmente, no meio onde trabalho, temos que aguentar sem denunciar por causa das represálias. Não temos quem nos proteja.”
Os excertos entre aspas são testemunhos de membros dasforças de segurança que, anonimamente, responderam a um inquérito sobre assédio moral difundido pelas duas maiores associações sindicais da PSP e GNR - a Associação Sócio-Profissional da Polícia de Segurança Pública (ASPP) e a Associação de Profissionais da GNR (APG-GNR) -, junto dos seus cerca de 15 mil associados.
Efetuado no âmbito da tese de mestrado “Assédio Moral nas Forças de Segurança: será preocupante?”, da autoria de Sandra Cerdeira de Campos Costa, cabo da GNR e mestranda em ciências forenses do Instituto Universitário de Ciências de Saúde (IUCS), o inquérito terá sido, de acordo com a orientadora do trabalho, Áurea Carvalho, o primeiro a abordar este fenómeno nas forças policiais portuguesas.
O objetivo, explica esta doutorada em Ciências Forenses (a mestranda, que defendeu a sua tese no IUCS a 17 de julho, não esteve disponível para falar ao DN), foi visibilizar o assédio moral nas polícias, garantindo que “não se fecha mais os olhos a esta matéria”. E que passa a haver “uma consciência real e quantitativa, indicadores científicos de que isto é algo vivido pelas forças de segurança”, de forma a “alertar as organizações para a situação, estimulá-las a pôr em prática estratégias de combate ao assédio moral no seu seio, melhorando a qualidade de vida nas nossas forças policiais”. Em suma, diz Áurea Carvalho, “cuidar quem cuida de nós, sociedade. Como poderão cuidar bem, se não estão bem?”