Brasil
08 fevereiro 2024 às 19h27
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Bolsonaro e aliados acusados de tramarem golpe de Estado

Operação da polícia do Brasil apreende passaporte do ex-presidente, prende o líder do partido e faz buscas ao núcleo duro do governo anterior por tentativa de impedir Lula de chegar ao Planalto.

Jair Bolsonaro recebeu “uma minuta” com os termos de “um golpe de Estado” que visava mantê-lo no poder, apesar da eleição de Lula da Silva, em 2022, “modificou-a” e “aprovou-a”, diz a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autorizou a operação Tempus Veritatis, da Polícia federal. Na operação, realizada ontem, além de ter sido apreendido o passaporte do ex-presidente, foram presas quatro pessoas, entre as quais o líder do partido dele, e feitas buscas a 33 políticos e militares do seu núcleo duro.

Segundo a decisão, aquela “minuta do golpe”, como é chamada, previa a prisão de dois juízes do STF, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e a realização de novas eleições. E Filipe Martins, então assessor de Bolsonaro para Assuntos Institucionais da Presidência, famoso por ter feito gesto supremacista branco numa audiência no Senado, e o advogado Amauri Saad foram os autores do texto inicial. O primeiro foi preso e o segundo alvo de busca e apreensão, ao longo desta quinta-feira.

Mensagens na posse da polícia sinalizam, segundo a operação, “que o então presidente Bolsonaro estava redigindo e ajustando o decreto e já buscando o respaldo do general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira (...), demonstrando que atos executórios para um golpe de Estado estavam em andamento”.

As mensagens mostram que houve acordos para a realização de reuniões com integrantes civis do governo e das Forças Armadas “para a finalidade”, segundo a decisão do STF, “de planear e executar ações voltadas a direcionar e financiar as manifestações que pregavam um golpe militar, com a finalidade de manter o então presidente da República no poder”. No dia 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse de Lula, apoiantes de Bolsonaro invadiram e depredaram a Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Os outros três presos na Tempus Veritatis, que significa em latim “Hora da Verdade”, são um major e dois coronéis, entre os quais, Marcelo Câmara, auxiliar de Bolsonaro já envolvido no caso nos escândalos do roubo das joias oferecidas pelo governo da Arábia Saudita e da falsificação do cartão de vacinação do presidente.

Inicialmente, a operação pressupunha apenas busca e apreensão à casa de Valdemar da Costa Neto, o presidente do PL, partido de Bolsonaro. Mas Neto, que já cumpriu pena de prisão no escândalo do Mensalão, acabou detido por posse ilegal de arma.

AFP | AFP or licensors

Entre os demais alvos da polícia estão ministros como Braga Netto, candidato a vice de Bolsonaro em 2022, Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, e Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa, todos generais.

A polícia fez buscas ainda à casa do almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha, e Tércio Arnaud Thomaz, membro do chamado “gabinete do ódio”, a sala anexa ao Planalto onde se arrasavam reputações de rivais políticos recorrendo, muitas vezes, a fake news. Thomaz estava ao lado de Bolsonaro, na casa de férias deste em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, quando a polícia chegou.

Em rápida entrevista ao jornal Folha de S. Paulo instantes depois de ter sido instruído a entregar o passaporte às autoridades até hoje, sexta-feira, de manhã, Bolsonaro disse-se vítima de “perseguição implacável”.

Lula, por sua vez, afirmou que uma tentativa de golpe “é dado concreto” e que “esse golpe não teria acontecido sem Bolsonaro.

“Virada de mesa”

Entre as provas que sustentaram a operação, está o vídeo de uma reunião, de 5 de julho de 2022, em que Bolsonaro diz que as sondagens estavam certas e que provavelmente Lula ganharia a eleição, ao que Augusto Heleno responde que se deve “virar a mesa”, expressão popular para a atitude antidesportiva de quem, ao estar a ser derrotado num jogo de cartas, as mistura propositalmente, “antes da eleição”. Paulo Sérgio Nogueira declara então “guerra” ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em seguida, Bolsonaro intima os ministros a difundirem informações falsas para reverter a situação na disputa eleitoral. “Porque a gente vê que o [instituto de sondagens] DataFolha continua mantendo a posição de 45% e, por vezes, falando que o Lula ganha no primeiro turno. Eu acho que ele ganha, sim. As pesquisas estão exatamente certas”.

Depois, o então chefe de Estado do Brasil anuncia que vai fazer dias depois, a 18 de julho, reunião com embaixadores onde dirá que o voto eletrónico no Brasil é uma fraude - esse encontro foi base da ação que determinou no ano passado a sua inelegibilidade.

Nogueira, ex-comandante do exército e ex-ministro da Defesa, diz então estar a realizar reuniões “com os Comandantes de Força quase que semanalmente”. “Nós temos reuniões pela frente, decisivas para a gente ver o que pode ser feito; que ações poderão ser tomadas para que a gente possa ter transparência, segurança, condições de auditoria e que as eleições transcorram da forma como a gente sonha!”.

Noutra ocasião, Braga Netto chama o então chefe do exército de “cagão” e “traidor” por não aderir à tentativa de golpe. 

Esse vídeo foi encontrado pela polícia num computador de Mauro Cid, ajudante de ordens do presidente, que aceitou delatar a tentativa de golpe de estado em curso.