A melhoria da saúde humana é uma anomalia à escala evolutiva. Ao longo de dezenas de milhares de anos, os humanos não viveram mais do que uma trintena de anos em média. A grande extensão da nossa esperança de vida deu-se em meados do século XVIII no Ocidente. Um processo lento, embora contínuo, tributário da desinfeção e de uma melhor nutrição, mais tarde aos avanços da medicina e da farmácia. Em três séculos, a nossa longevidade quase triplicou. Esta progressão motivou o livro que Jean-David Zeitoun, Doutor em medicina e epidemiologia clínica, publicou em 2021. Em La Grande Extension – Histoire de la santé humaine (sem edição portuguesa), o também investigador da economia da saúde detém-se em “dois enormes riscos” do presente, criados pelos humanos: “Ambientais e comportamentais, que causam doenças crónicas e tornam possível uma regressão na saúde humana”, sumaria a apresentação ao livro. “A pandemia de Covid-19 não é uma coincidência. É uma ilustração severa das disfunções das sociedades humanas e, em particular, da sua relação com o ambiente. O SARS-CoV-2 é um produto natural, mas o seu surgimento e persistência são produtos humanos”, acrescentava o autor.
Em 2024, Jean-David Zeitoun reitera na ideia do definhar da humanidade e talha-o nas palavras que intitulam o seu novo livro. Em O Suicídio da Espécie – Compreender como o nosso modo de vida está a pôr-nos doentes (edição Contraponto), o médico traz um alerta: “O nosso modo de vida está a matar-nos”. “Produzir doenças para depois ter de as tratar é uma realidade factual, desprovida de sentido, mas que tem causas – e são essas causas que formam a lógica do suicídio da espécie”, escreve o autor na introdução ao livro para, mais à frente, deixar a pergunta: “’Qual o futuro da saúde humana?’ (…) claramente, ‘não sabemos’. Desde que a saúde humana começou a melhorar, em meados do século XVIII, o que se refletiu na esperança de vida, tem sempre havido forças contrárias”. No presente, identifica o médico gaulês, “há muitas forças em jogo. O resultado será o produto aritmético de forças positivas, como a medicina e a redução de certos riscos, e de forças negativas, principalmente o crescimento dos riscos ambientais e alimentares, aos quais infelizmente teremos de acrescentar as alterações climáticas”.
Zeitoun descreve-nos um “suicídio coletivo”, abundante na “oferta de riscos”, e pormenoriza-o na entrevista que nos concede por escrito: “A sociedade global é promotora de grande parte dos riscos causadores de doenças e mortalidade. Só no que diz respeito aos riscos ambientais, e este é sem dúvida um número subestimado, a Organização Mundial da Saúde estima que um quarto das mortes se relaciona com esta questão. Dito de outra forma, a poluição, que é 100 por cento de origem humana, causa nove milhões de mortes por ano à escala global. A obesidade causa cerca de cinco milhões de mortes, o álcool entre dois e três milhões e o tabaco um pouco mais de sete milhões. Isto é muito. Estas são formas de suicídio direto ou indireto, enquanto o suicídio ‘real’ está a diminuir no mundo, para cerca de 750 mil por ano, o que representa uma queda de 30% em 40 anos. A poluição não está a diminuir e a obesidade está a aumentar”.
Zeitoun descreve-nos três tipos de riscos: ambientais (e.g. poluição do ar, temperaturas extremas, saúde no trabalho); comportamentais (e.g. malnutrição materno-infantil, tabagismo, álcool, drogas, regime alimentar); metabólicos (e.g. diabetes ou pré-diabetes, hipertensão arterial, excesso de peso/obesidade). A maior parte dos riscos existe desde sempre, e até os mais recentes estão presentes desde há vários séculos. Mas a sua intensidade e repartição evoluíram muito. Certos riscos seguem uma progressão particularmente problemática e fora de controlo, como a poluição no sentido lato ou a obesidade”, sublinha o autor.