Humberto Delgado
14 julho 2024 às 16h28
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Filas, atrasos e avarias: um dia no aeroporto de Lisboa

Com a época alta a aproximar-se, o DN esteve naquela que é a porta de entrada de Portugal para os turistas, imigrantes e portugueses que voltam para casa de forma a entender o porquê do Humberto Delgado ser o sexto pior aeroporto do mundo.

O ponteiro do relógio marca 5h30 no Aeroporto Humberto Delgado. É por volta desta hora da madrugada que a área de chegadas do Terminal 1, ainda pouco movimentada, começa a receber pessoas à espera dos passageiros de voos transatlânticos, como do Brasil ou Estados Unidos. A essa hora, os painéis ainda não apontam atrasos, principal fator que fez o aeroporto de Lisboa ser considerado o sexto pior do mundo em ranking da AirHelp. , divulgado esta terça-feira.

Às vésperas do dia 15 de julho, aquele que, sabe o DN, é um dos dias com maior fluxo de pessoas no ano, o começo da manhã no aeroporto pode não ter atrasos, mas conta com outros problemas que se esticam ao longo do dia, como filas e avarias nas instalações. Entre as 06h00 e as 10h00, por exemplo, as grandes filas na imigração fazem com que alguns passageiros destes voos apenas consigam sair dali aproximadamente duas horas depois dos aviões aterrarem. 

“Eles (controlo da polícia) têm sido muito mais criteriosos na imigração do que das outras vezes que vim para cá. Tive que mostrar todas as reservas, passagens de ida e volta, e também todas as acomodações. Até porque vamos viajar também para Espanha, portanto quiseram ver onde vamos ficar também lá. Sinto que ficaram um pouco desconfiados. Acaba por se formar uma fila enorme, mas é o trabalho deles, eu entendo e acho que estão certos: tem muita gente esperta querendo entrar para ficar”, conta Helena Tessari, brasileira de São Paulo que regularmente vem a Portugal passar férias.

Após a última viagem, há dois anos, na qual considera ter sido mais fácil entrar no país, Helena conta que o problema maior é a falta de pessoas no serviço. Desta vez, a viajante trouxe filhos, nora e netos para conhecerem Portugal. Além dos passageiros ficarem muito tempo no processo burocrático da polícia, Helena considera que há pouca gente a trabalhar nos guichés da imigração. Porém, destaca que isso não atrapalha a experiência no aeroporto e o ânimo de estar em Portugal.

“Sempre tenho a impressão que a essa hora da manhã tem menos gente trabalhando, mas não acho que isso seja um exclusivo de Lisboa. O importante é que deu tudo certo e agora quero apresentar à minha família esse país maravilhoso, a comida, vinhos, azeites, passear muito. No ano passado também estive na Madeira pela primeira vez e foi ótimo. É um excelente país para trazer família”, conta a brasileira, que desembarcou em Lisboa às 5h30 e chegou ao hall pouco antes das 8h da manhã.

Feliz no Brasil, Helena vem a Portugal só a passeio, ao contrário de muitos brasileiros que ou já chegam para ficar ou vêm “investigar” uma possível mudança. É o caso dos cariocas Mara e Rodolfo, que chegaram a Lisboa num voo da Azul, oriundo de Campinas, outro dos percursos que conta com mais passageiros nesta ponte aérea entre Brasil e Portugal. Com a filha a residir em Lisboa há mais de dois anos, o casal veio visitar o país a turismo pela primeira vez, mas já a pensar numa mudança futura.

“Na verdade, a ideia era vir no ano passado para conhecer e este ano fazer outra viagem até cá para fazer uma mudança definitiva. Mas tive uma fatalidade, a morte do meu pai no ano passado e a viagem a turismo ficou para trás. Acabámos por vir agora. A possível mudança também ficou um pouco congelada com essa situação”, conta Mara, antes do marido completar: “se gostarmos muito, é possível que acelere outra vez”, diz Rodolfo.

Entusiasmados por estarem no país pela primeira vez e por reencontrarem a única filha, o casal diz que a imigração foi mais fácil do que esperavam. A experiência da filha para entrar em Portugal dava a entender que poderia ser mais complicada. “A minha filha está apaixonada por Portugal e eu estou muito empolgada. Não só por Lisboa, mas também tenho um sonho de conhecer a Nazaré desde criança, então acho que vou ficar bem emocionada. Aliás, quando ela chegar já vou ficar bem emocionada também. Ainda não está aqui porque disse que íamos ficar no mínimo duas horas na fila da imigração, ela já teve alguns problemas para entrar. Mas tivemos sorte, estava com um pouco de receio de ser uma situação desconfortável, pedirem para ver meu cartão de crédito ou algo do género”, afirma Mara.

Mara e Rodolfo estão em Lisboa pela primeira vez para visitar a filha e cogitam uma mudança para Portugal em breve.

Até ao meio-dia, além do movimento de passageiros vindos do Brasil, são também muitos os americanos e outros turistas que desembarcam no Humberto Delgado. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2023, o número de chegadas de turistas não residentes chegou aos 26,5 milhões. Os norte-americanos tiveram um dos maiores crescimentos no período e aumentaram em 34,2% a quantidade de turistas em Portugal face ao ano anterior.

Durante a manhã, chegam voos de cidades como Nova Iorque, Boston e Chicago. Num deles chegou o turista Jeremy Hopwood. Pela primeira vez na Europa e pouco acostumado com o trânsito em aeroportos, diz não saber muito sobre Portugal, mas mostra-se animado com a viagem.

“A minha sócia tem uns amigos que cresceram na Ericeira, então viemos aqui para passar uma semana lá. Não estou acostumado a viajar muito, então sempre me faz impressão os voos cheios e o aeroporto lotado, inclusive esta é minha primeira viagem para a Europa. E para ser sincero, eu não sei absolutamente nada de Portugal, confesso que não fiz minha lição de casa. Mas os amigos da minha colega têm um condomínio na Ericeira, alugamos um apartamento lá e o que eu espero é muito calor, praia e vistas bonitas”, conta Jeremy, que trabalha numa imobiliária na capital do Illinois.

Atrasos e avarias

Durante a tarde, os aviões que aterram no Humberto Delgado são especialmente os de voos entre países da Europa. Nesta altura, os problemas de atraso preponderantes para a má classificação do aeroporto de Lisboa no ranking da Airhelp, começam a aparecer. Às 18h00, o painel já aponta atrasos nas chegadas e partidas de diversas aeronaves.

Painel de informações nas chegadas do aeroporto de Lisboa. Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Com o fluxo grande de passageiros a partir das 19h00 e o atraso de alguns voos, as avarias nas instalações do aeroporto tornam-se mais flagrantes e são obstáculos para os passageiros. Na parte de fora do Terminal 1, dois elevadores que dão acesso direto ao aeroporto desde o Metro encontram-se fora de serviço, assim como escadas rolantes dentro do terminal, o que faz com que os passageiros tenham que levar as bagagens pelas escadas normais.

Na parte de dentro, a demora para apanhar outros elevadores é tanta que é possível ver até pessoas a dormir ao lado, sabendo que não serão incomodadas. Pouca gente tem paciência para ficar à espera. A confusão também se faz presente nas filas para voos transatlânticos: muita gente, pouco espaço.

Passadeiras de acesso às partidas desativadas no aeroporto de Lisboa. Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Em aviões vindos de países como França, Luxemburgo, Inglaterra e Suíça são muitos os portugueses emigrantes que regressam ao país para passar as férias de verão com a família e amigos. Gastão Ramos, que cresceu entre Sesimbra e Lisboa, é um deles.

Gastão deixou Lisboa rumo a Londres há cinco anos, quando conseguiu uma vaga na UAL University of Arts, uma das mais conceituadas do meio no cenário europeu e mundial. Paralelamente aos estudos trabalhou em diversos serviços em Londres e deu os primeiros passos no mercado de trabalho artístico - o qual admite ser difícil em qualquer canto do globo, mas ainda mais em Portugal.

Desde que partiu, Gastão costuma voltar a Portugal duas ou três vezes por ano e diz já estar "habituado" aos atrasos e alto tráfego em aeroportos. Em Londres, o aeroporto de Gatwick ficou ainda pior colocado no ranking da AirHelp, sendo o terceiro pior aeroporto do mundo.

Ao início da noite, o aeroporto vê o fluxo aumentar ainda mais com as chegadas dos voos internos da Europa e a partida dos transatlânticos. A partir do dia 15, o movimento promete seguir grande e, contactada pelo DN, a Aeroportos e Navegação Aérea (ANA) não respondeu até o fecho deste texto se há algum plano específico ou melhorias nas instalações para o fluxo que aí vem. 

Perto do Humberto Delgado, o painel da Confederação do Turismo em Portugal (CTP), que contabilizava quanto dinheiro o país perdia no turismo com a indefinição acerca do novo aeroporto, foi retirado. Em 14 de maio, quando foi confirmada oficialmente a construção do Aeroporto Luís de Camões em Alcochete, o painel contabilizava um prejuízo de mais de 2 mil milhões de euros.

No final daquele mês, o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Miguel Pinto Luz, indicou que as negociações com a ANA para a construção do aeroporto começariam nos dias seguintes. Até agora, no entanto, o início das obras ainda não foi anunciado, embora a coordenadora pela Comissão Técnica Independente (CTI) do novo aeroporto, Rosário Partidário, tenha garantido à Agência Lusa em junho que, “com um bom planeamento”, o aeroporto possa estar pronto até 2030, quando Portugal receberá jogos do Campeonato do Mundo de futebol da FIFA.

nuno.tibirica@dn.pt