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Sociedade
29 agosto 2024 às 00h01
Leitura: 9 min

Lisboa, Beja, Faro e Setúbal lideram falta de professores: há quase 300 horários por preencher

Se as aulas começassem hoje, haveria 48 mil alunos sem professor. Há 21 disciplinas já sem docentes disponíveis em várias zonas do país, entre elas Informática, Português, Línguas Estrangeiras e Matemática

Lisboa, Beja, Faro e Setúbal lideram os pedidos de horários em Oferta de Escola, na plataforma do Ministério da Educação (ME). Esses pedidos surgem por não ter havido, no Concurso Nacional, docentes candidatos a essas vagas.

Uma situação que não é nova, mas cuja proporção, em comparação com os anos anteriores, é maior. Contudo, a situação não está circunscrita apenas ao sul do país, afetando quase todas as regiões. Escolas de Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Leiria, Lisboa, Portalegre, Santarém e Viana do Castelo também têm horários por atribuir.

Dos grupos de recrutamento (disciplinas) mais deficitários fazem parte os de Português, Informática, Geografia, Economia e Contabilidade. No total, são 21 as disciplinas com falta de professores, incluindo todas as línguas estrangeiras de 2.º e 3.º ciclos e Secundário (Inglês, Espanhol, Francês), Artes Visuais, Matemática, Física e Química, Filosofia, Biologia e Geologia, Educação Tecnológica, entre outras.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), admite que a situação é mais “complicada” este ano. “Há mais horários a concurso e as coisas estão piores do que no ano passado”, alerta.

O responsável antevê um início de ano letivo semelhante ao término do anterior, com “falta de professores”. “Vai perdurar a nuvem cinzenta da escassez de professores. O Governo implementou 15 medidas para mitigar o problema e é de louvar que não tenha enterrado a cabeça na areia, mas é preciso perceber se vão ter efeito, porque dependem da adesão dos professores. Já afirmei anteriormente que o objetivo do ministro da Educação de reduzir em 90% o número de alunos sem aulas até dezembro é muito ambicioso. Vai haver falta de professores e só por milagre se começam as aulas com todos os alunos a ter todos os docentes”, sublinha. 

Para o presidente da ANDAEP, a meta traçada por Fernando Alexandre, ministro da Educação, como sendo para atingir até dezembro, “já admite que haverá falta de professores, pois a intenção é conseguir reduzir não já no arranque, mas até ao final do ano”.

Nem mesmo a intenção de lançar um concurso extraordinário (cujos moldes serão debatidos amanhã entre o ME e os sindicatos) deixa Filinto Lima mais otimista. O responsável afirma ser necessário, acima de tudo, “apoios efetivos reais na deslocação e alojamento de professores para que estes estejam dispostos a lecionar a centenas de quilómetros das suas residências”. “Não temos professores. O ME pode fazer os concursos extraordinários que quiser, mas sem apoio de nada serve”, salienta. 

Filinto Lima vai mais longe e afirma que os docentes do norte do país preferem mudar de profissão e ter de dar aulas no sul, onde as despesas são “incomportáveis face ao ordenado auferido”.

O presidente da ANDAEP alerta ainda para a escassez de docentes do grupo 300 (Português), por ser “uma disciplina base, sujeita a exame no 9.º ano e exame nacional para todos os alunos de 12.º”. 

Acresce, ainda, conta, tratar-se de uma “disciplina essencial para os alunos estrangeiros, que precisam de apoio de Português Língua Não-Materna”. “Os alunos de 9.º ano, com certeza, estão em desvantagem em relação aos colegas que têm professor de Português, tornando o cenário da escassez de docentes do grupo 300 ainda mais gravoso.”

Face às dificuldades esperadas, Filinto Lima acredita que “o 1.º período letivo vai ser um teste às medidas do Governo”.

Segundo Davide Martins, professor e um dos colaboradores do blogue ArLindo (um dos mais lidos no Setor da Educação), estão a concurso 444 horários em Oferta de Escola. Se não se contabilizar o Ensino Artístico para grupos de recrutamento, são 326 horários. “No ano passado tínhamos 265 horários a concurso a 31 de agosto. Este ano temos mais, sendo Informática, Geografia e Português os três grupos que se destacam”, explica ao DN.

Davide Martins apresenta as contas que se traduzem em milhares de alunos afetados. “Relativamente ao número de horas, são 7172. Considerando que, em média, cada disciplina tem 3 horas por semana e 20 alunos por turma, seriam 47 800 alunos sem aulas se a escola começasse agora”, explica.

O número, diz, deverá ainda aumentar, pois estes horários por preencher “são todos completos e anuais”. “Ainda não foram lançados os horários incompletos e os temporários. Acredito que não veremos uma melhoria significativa relativamente ao ano passado. As medidas propostas pelo ministro já se previa que tivessem este resultado. Tenho dúvidas que doutorados e reformados queiram, neste momento, vir para o ensino nestas regiões.”

Faro tem 101 horários por preencher, em Lisboa são 71, Setúbal com 63 e Beja precisa de 47 professores, sendo estas as zonas mais críticas. No total, só nestes quatro distritos a sul há quase 300 horários por preencher (282).

Sindicatos e ME reúnem-se amanhã

Os sindicatos de professores reúnem-se amanhã de manhã com  o ME no âmbito do processo negocial para a atribuição de um subsídio para professores deslocados da sua área de residência e a realização de um concurso de vinculação extraordinário (apenas para escolas referenciadas com número elevado de professores em falta).

A reunião terá como ponto de partida a proposta do ME para a atribuição de um Subsídio de Deslocação para os professores que estejam colocados em escolas a mais de 70km da sua residência habitual. O valor deste subsídio varia entre 75 e 300 euros mensais, dependendo da distância percorrida( para quem esteja a 70km do domicílio o valor será de 75 euros, e de 300 euros para os docentes a 300km das suas residências).

Para Filinto Lima, o acordo deveria prever, obrigatoriamente, um apoio transversal a todos os docentes e não apenas a quem esteja deslocado e a dar aulas em zonas consideradas críticas. “O apoio à deslocação que está, para já, previsto, vai colocar professores contra professores, pois muitos não vão ter esse apoio. No início, a proposta pareceu-me positiva, mas tem de ser estendida a todos os docentes”, explica.

O presidente da ANDAEP também espera a atribuição de um apoio para alojamento e não apenas para a deslocação. “Não há qualquer apoio, para já, para a estadia dos professores. Em Lisboa o preço está pela hora da morte. E sem esses apoios, temo que até dezembro o ministro não consiga atingir o objetivo a que se propôs.”

Filinto Lima alerta para um agravamento da falta de professores caso não haja “apoio efetivo e de fácil candidatura”. “Era bom para a classe docente e também tinha um efeito positivo em relação aos jovens, para seguirem a carreira docente. Se esses apoios existissem, dava-se um passo muito importante no combate à escassez de professores. O apoio poderia também passar por arranjar casas condignas para os nossos professores”, conclui. Algo que a Câmara Municipal de Oeiras vai implementar, disponibilizando 28 quartos a 150 euros por mês até ao início do ano letivo.