Ambiente
15 abril 2024 às 06h51
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Portugal já sofreu 20 eventos climáticos extremos que custaram 800 milhões às seguradoras

A vaga de incêndios de 2017 foi o evento mais dramático e custou 250 milhões às seguradoras. Nos últimos 17 anos, só em quatro não houve acidentes naturais relevantes em Portugal. É o 7.º país mais afetado em perdas económicas e o 5.º em vidas humanas num conjunto de 35 países europeus.

Tornados inéditos, tempestades mais destrutivas, incêndios incontroláveis e regiões em seca extrema e em risco de racionamento de água. São sinais de que as alterações climáticas chegaram a Portugal, vieram para ficar e, dizem-nos, vão piorar.

Portugal já tem um rasto assinalável de eventos climáticos extremos. Entre inundações, tempestades, incêndios florestais e tornados, o país enfrentou nos últimos 17 anos um total de 20 “eventos extremos”, na classificação usada pelas companhias de seguros. Entre 2006 e 2023, foram raros os anos em que não houve um ou mais acidentes naturais relevantes, em danos e custos para o setor, de acordo com dados fornecidos ao DN pela Associação Portuguesa de Seguradoras (APS).

É, aliás, o 7.º país europeu mais afetado em perdas económicas, num conjunto de 35 países, e está em 5.º lugar em mortes prematuras, segundo um relatório da Agência Europeia do Ambiente, de 2022, que analisa duas décadas entre 1980 e 2020, e que tem em conta também fenómenos como ondas de calor e seca.

Para além do rasto deixado nas cidades e nos campos, na vida de pessoas e animais ou nas infraestruturas, as alterações climáticas estão também a ter um impacto na economia e, em particular, no setor segurador, muito exposto ao risco pela natureza da sua atividade.

Ao longo dos últimos 17 anos, foram participados às seguradoras nacionais cerca de 166 500 sinistros relacionados com eventos climáticos, segundo a análise do DN dos dados da APS. O evento mais dramático em vidas e em custos financeiros foi a vaga de incêndios florestais de 2017, que motivaram a participação de 47 668 sinistros. Nesse ano, só o incêndio de Pedrógão Grande - no qual perderam a vida 66 pessoas e 253 ficaram feridas -, significou um encargo da ordem dos 25 milhões de euros para as seguradoras. E os restantes incêndios do mesmo ano, no fatídico mês do outubro, implicaram um custo de quase 230 milhões de euros em indemnizações e provisões, indicou ainda aquela associação. No total perderam a vida 116 pessoas e centenas de habitações ficaram destruídas.
No período em análise - 2006 a 2023 - o setor segurador português pagou uma fatura pesada pelos eventos climáticos extremos. Foram perto de 800 milhões de euros em indemnizações e provisões, de acordo com cálculos feitos pelo DN, a partir dos dados enviados pela Associação Portuguesa de Seguradores.

Cobertura de seguros é muito baixa

Entre 1980 e 2020, o relatório da Agência Europeia do Ambiente havia estimado as perdas totais em 13,46 mil milhões de euros, mas apenas 478 milhões de euros delas estavam cobertas pelos seguros em Portugal. Este enorme desvio entre as perdas registadas e o valor de indemnizações deve-se, sobretudo, ao facto de “mais de 90% das perdas patrimoniais registadas não estarem cobertas pelos seguros”, de acordo com os dados da plataforma CATDAT e do NatCatService em que se baseia o relatório da Agência Europeia do Ambiente (AEA). Estes dados englobam todos os eventos meteorológicos e relacionados com o clima, mas nem todos podem ser atribuídos às alterações climáticas.

Apesar do aumento previsível deste tipo de fenómenos extremos, o grau de cobertura dos danos patrimoniais pelos seguros é muito baixo em Portugal. Apenas 3,6% das perdas estavam cobertas, o que faz com que as vítimas destes desastres sofram prejuízos muito avultados.

Outras fontes, que cruzam os dados da companhia de resseguro Munich RE com os do Eurostat, sinalizam igualmente uma brecha de proteção superior a 90% em Portugal (8,09 mil milhões de danos totais contra 664 milhões milhões de euros em perdas seguradas), significando que apenas 8,2% dos estragos estavam protegidos por seguros.

Este défice de proteção está longe de ser um exclusivo nacional, visto que naqueles 40 anos, apenas um quarto dos danos climáticos registados na União Europeia estavam cobertos por seguros. Ainda de acordo com a AEA, os desastres meteorológicos ou climáticos ceifaram 142 mil vidas e deixaram um rasto de 510 mil milhões de euros de danos económicos na Europa desde 1980.

Apesar de reconhecer que o grau de cobertura está a aumentar, a AEA defende o reforço da proteção por seguros, tanto a nível individual, como das entidades públicas para fazer face a fenómenos naturais que tenderão a ser cada vez mais frequentes.

As vagas de calor ou de frio, secas ou incêndios florestais são responsáveis por 93% do total de mortes e um quarto dos prejuízos financeiros. As perdas humanas são muito menores nas inundações, mas são justamente estes que causaram os maiores prejuízos (44% do total), à frente das tempestades (34%).

Associação quer fundo para “mitigar” impacto de grandes catástrofes

Porque o setor segurador sabe que vai ser confrontado com um número crescente de participações de sinistros relacionados com fenómenos naturais, está a tentar preparar-se para melhor antecipar e gerir os riscos, nomeadamente sobre as inundações. A APS defende a criação de um fundo para grandes catástrofes (Sistema de Proteção de Riscos Catastróficos) “para mitigar as consequências de incidentes extremos que, previsivelmente, virão a acontecer com cada vez mais frequência”, disse fonte oficial da Associação Portuguesa de Seguradoras ao DN.

Por outro lado, revela, estão “nesta altura a trabalhar, em conjunto com uma entidade externa especializada, na produção de uma cartografia atualizada do risco de inundações em cenários de alterações climáticas, uma ferramenta que ajudará o setor segurador a gerir este risco ainda mais eficientemente, mas que pode vir a ajudar, também, outros agentes envolvidos na sua prevenção e gestão, incluindo autoridades públicas”.

A preocupação com o aquecimento global é que este tende a “provocar uma redução da precipitação média nas regiões do Sul da Europa mas, simultaneamente, um agravamento de fenómenos extremos de concentração de precipitação, incluindo trombas de água. E tende, ainda, a determinar uma subida do nível do mar e de erosão das zonas costeiras”, contextualiza a APS.

Questionada sobre o impacto que estes fenómenos podem vir a ter no setor, a APS defende que tal depende não apenas do clima, mas também da efetiva ação preventiva das entidades competentes e de toda a sociedade.
“Para projetar os impactos destas tendências climáticas nas condições dos seguros, é preciso introduzir, também, na equação, o esforço de prevenção e mitigação que, normalmente, estas arrastam consigo. Porque a avaliação do risco para as seguradoras não pondera apenas a exposição natural aos fenómenos; envolve também essas medidas de prevenção e mitigação que os agentes adotam, e que acabam por influenciar, substancialmente, o custo do risco”.

E, nesta matéria, a associação considera que “há ainda muito espaço para progresso, sobretudo em relação aos incêndios em meio florestal ou rural (porque em meio urbano a preocupação está esbatida) e, nomeadamente, através de políticas públicas”.

Seguros agrícolas em baixo

No universo rural, a agricultura está particularmente exposta aos humores do clima. Mas nem por isso a subscrição dos seguros agrícolas tem aumentado substancialmente. O volume total de prémios representou pouco mais de 30 milhões de euros em 2023, o que, segundo a APS, “espelha bem a escassa penetração deste seguro na atividade agrícola nacional; e a sua evolução foi bastante moderada nos últimos 5 anos, o que reflete também a dificuldade de o fazer desenvolver nas atuais condições”.
Em Portugal, os seguros agrícolas estão quase totalmente enquadrados no Sistema de Seguros Agrícolas (SSA), um sistema de apoios públicos aos produtores, que condiciona substancialmente a configuração desta oferta seguradora.

A seca é o maior risco para a agricultura, “mas não faz parte do leque de coberturas previsto nos contratos abrangidos pelo SSA”. Já o mesmo não se poderá dizer de “outros que tenderão também a aumentar, como os de incêndio, tromba de água ou tornado, estes já tipicamente cobertos nas apólices”.

A APS defende que, fruto das mudanças em curso, aquele sistema deve redefinir as zonas tarifárias e os níveis dos apoios e considera que tem outros desafios de natureza económica e operacional para superar.

dnot@dn.pt