Cultura
04 fevereiro 2024 às 09h40
Leitura: 12 min

Novos rostos do cinema português

Rostos e estilos que nada têm a ver entre si. É bom conhecer melhor a Beatriz Frazão de "A Minha Casinha", ver como Vicente Gil consegue fazer tantos filmes, perceber que Júlia Palha é mais do que uma atriz de novelas ou descobrir o charme calmo de Zé Bernardino.

BEATRIZ FRAZÃO

Uma nova espécie de “moranguita”

Há uma frase que esta atriz, atualmente muito em voga devido à fama da nova encarnação de Morangos com Açúcar, ouviu. Uma frase que acredita

que o teatro é feito pelo amor à arte, que a televisão é para ter reconhecimento e ganhar fama e que o cinema imortaliza. Em dezembro passado Beatriz Frazão viu estrear-se nos cinemas A Minha Casinha, de António Sequeira, o seu primeiro grande papel no cinema. Ficou nas nuvens, mesmo ela que nas telenovelas e na peça Anne Frank, aposta do Teatro da Trindade, tenha conhecido a fama: “gosto muito de fazer cinema porque é mesmo eterno! Fazer cinema é uma experiência realmente diferente! Comigo o que é igual é que não me gosto nada de ver em nada. Faz-me confusão, mesmo sabendo que olhar para o meu trabalho possa ajudar-me a melhorar Por acaso, o A Minha Casinha consegui ver bem e gosto mesmo do filme. Ultimamente, algo está a mudar – também gostei de me ver no Morangos com Açúcar”.

Com um estilo que abraça a fragilidade, Beatriz tem algo de menina a ficar a mulher. Tem um sorriso que é espontâneo e os seus 20 anos ainda lhe podem permitir ser bem adolescente. Como começou como atriz tão cedo parece que há quase uma experiência nessa polivalência.

Essa fragilidade que é evidente talvez tenha uma justificação: “sou uma pessoa com muitas, muitas inseguranças! Sou tímida e muito envergonhada. Aí tenho ainda um longo caminho a seguir. Acho que um ator não pode ignorar as suas inseguranças, tento trabalhar com elas. Muitas vezes essas inseguranças batem bem com as personagens, mas quando isso não acontece é bom saber que também consigo fazer essas personagens . É óptimo saber esquecer essas inseguranças e depois quando saio da personagem voltar a ser eu, a Beatriz de todas as inseguranças. Por isso é que sinto que é tão bonito ser ator – tenho muita dificuldade em comunicar mas, de repente, faço personagens que são o contrário, bem extrovertidas. As pessoas até ficam espantadas pois sabem que não sou assim na vida real...”.

No cinema segue-se agora um projeto que se expande entre cinema e televisão: Homens de Honra, a série de Sérgio Graciano que deu duas longas-metragens, Soares é Fixe  e Camarada Álvaro, conceito que junta os grandes momentos da vida de dois heróis da liberdade democrática portuguesa, Mário Soares e Álvaro Cunhal. Beatriz ainda não viu nada e não podia estar mais em pulgas para descobrir se resulta como namorada do jovem Cunhal.

ZÉ BERNARDINO
Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Um galã suave apresenta-se

2024 vai ser o ano de Zé Bernardino no cinema português. Um ator com uma pose madura mas com uma frescura que os nossos ecrãs precisavam. Já com alguns cabelos brancos, é agora que está a ser notado, em especial depois de tudo e todos terem reparado no seu naturalismo perfeito em Tornar-se um Homem na Idade Média, de Pedro Neves Marques, uma das melhores curtas portuguesas de 2022. Antes estava escondido a viver e a estudar interpretação em Espanha, agora vai estar em todo o lado. Será um dos protagonistas de Prisma, comédia irónica a preto e branco que realizou ao lado de Sónia Balacó, e é o galã relutante de Primeira Obra, a primeira obra do veterano dos documentários, Rui Simões, e ainda há um papel pequeno em Ana Renata, o novo de Tiago Rosa Rosso.

“Espero que sejam precisos mais trintões para as histórias que aí vêem”, diz com um sorriso sereno aludindo à sua própria idade. E é também bem disposto que se diz um ator mais perto de um registo natural, longe dos métodos, longe dos transformismos. “Sempre fiz teatro na escola, mas essa nunca foi um convicção tão forte no começo. Na universidade ainda passei pelo Técnico, mas foi passagem muito breve. Logo a seguir, tentei publicidade e marketing na Escola Superior de Comunicação Social e aí entrei também para o grupo de teatro que era incrível. Ao mesmo tempo, fui entrando numas novelas. Foi aí que decidi que era ator que queria mesmo ser”. Na verdade, por estes dias diz que também quer ser outra coisa: realizador. A experiência de Prisma é para continuar. E sobre esse filme que parte e partiu de uma série pequena para a RTP Lab, os timings de pós produção estão a demorar mas os seus olhos iluminam-se com um brilho daqueles que contagia: “aquilo está a ficar bom! E descobri que adorei escrever, neste caso com outros argumentistas. Vou querer escrever mais filmes! Já sabia que iria gostar de realizar, a surpresa foi a escrita – que loucura! Já tinha montado filmes e descobri que há uma ligação forte entre a escrita e a montagem”.

JÚLIA PALHA
Crédito: João Paulo

A consagração já a seguir

Foi uma descoberta das grandes em 2015 em John From, de João Nicolau. Júlia Palha, ainda adolescente, já tinha uma aura de atriz. Uma história de uma fantasia feminina de duas amigas num bairro que se tornava mutante à medida de um fraquinho por um vizinho adulto. Mais tarde, em 2017, estava já mulher ou mulherzinha em Coelho Mau, de Carlos Conceição, das curtas-metragens portuguesas mais relevantes do últimos anos. Era a certeza que estávamos perante um rosto que pedia uma câmara de cinema, mesmo quando depois se tornou conhecida do grande público na ficção televisiva e sobre isso não tem preconceito algum: “Sinceramente, acho essa teoria uma snobeira, como, aliás, muitas das teorias sobre a televisão em Portugal. Felizmente, estão-se a perder estas crenças, basta ver que temos dos maiores nomes da representação em Portugal a fazer novela com frequência. Acho que as novelas são uma ótima escola de ginástica emocional, temos mais de 20cenas por dia, costumo dizer que quem faz bem novela, faz bem qualquer coisa”.

E em Ordem Moral, sob as ordens de Mário Barroso, era também bem visível num papel secundário. O cinema português já não passa sem ela. Ainda este ano vamos vê-la numa comédia romântica realizada pelo brasileiro Hermano Moreira, Amo-te Imenso, obra que será distribuída pela NOS Audiovisuais.

E entre as obrigações da novela está a ter tempo para mergulho intenso em dois filmes, Hotel Amor, do mesmo Hermano Moreira, e a estreia na realização de César Mourão, comédia ainda no segredo dos deuses.

“Querer ser atriz foi algo que aconteceu de forma muito natural, não era um desejo que tinha até ter feito o meu primeiro filme. Mas, rapidamente, ao fim nem de um mês, já estava a perceber que era o que queria fazer para o resto da vida. Sou muito feliz a representar e o meu grande objetivo é sempre fazer quem assiste sentir algo verdadeiro”, lembra. Júlia é também daquelas atrizes que é boa a ser fatal mas também perfeita a ser inocente. “Sou uma atriz que gosta de em cena ouvir, refletir e só depois responder, seja em que momento ou tipo de cena for”, algo que diz ter aprendido com Carlos Conceição.

VICENTE GIL

Um Tadzio para o cinema português!

O dom da omnipresença. Vicente Gil, como passe de mágica, está em todas. Estar em “todas” é conseguir ser rosto recorrente do novo cinema português, ser protagonista desta nova série de Morangos com Açúcar, aparecer em anúncios e estar agora no palco da Trindade sob direção de Sandra Faleiro no espetáculo A Rainha da Beleza de Leenane, de Martin McDonagh, dramaturgo que é também o realizador de cineasta de Os Espíritos de Inisherin. Um ator descoberto por Leonor Teles na curta Cães que Ladram aos Pássaros, uma descoberta que incluía também o seu irmão gémeo, o ator e realizador Salvador Gil.

O seu estado de graça não caiu do céu. Além de uma graça de câmara evidente, há um investimento de formação que passou pela aposta no curso de interpretação da Escola Superior de Teatro e Cinema, na Amadora. Uma vinda para Lisboa que lhe deu hipóteses de estar em filmes como Ubu, de Paulo Abreu, sensação do LEFEST, Nação Valente, de Carlos Conceição, Bodyhackers, do mesmo realizador e Os Papéis do Inglês, de Sérgio Graciano, produção de Paulo Branco que poderá estar em Cannes. Antes aos 11anos, já fazia trabalho comunitário no centro do Porto com a família.

“Admito que o encontro com a Leonor Teles na curta que fez no Porto foi muito marcante. Não só pelas filmagens em si mas pelas conversas antes. Tornámo-nos amigos e ela foi importante. Através dela conheci o cinema de Wong kar-wai e Andrea Arnold”, reconhece. Um ator que não esconde a importância da cinefilia. Não é por acaso que na lista de projetos do futuro está co-realizar algo com o seu irmão Salvador, eles que muitas vezes contracenam juntos e fazem uma espécie de emblema de principezinhos do cinema português.

Outra das coisas que se orgulha é da sua etnia cigana: “a nossa educação foi feita exclusivamente numa família de ciganos e grande parte da nossa família é loura e de olhos azuis, coisa que muitos acham estranho. Digo isto por orgulho e por haver um grande desconhecimento da nossa comunidade mas não quero ser panfletário nem tirar partido, talvez apenas quero que do Chega saibam disso, sobretudo esses! O preconceito contra os ciganos é gigante por não haver informação útil. E a nossa comunidade é muito mais plural do que se pensa”.