Congresso
12 janeiro 2024 às 08h26
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O país que o Chega quer: com imigração controlada e com Deus, pátria e família

O Chega reúne-se em Viana do Castelo e tem 32 moções para debater. Nelas há propostas para “acabar com a identidade de género”, reforçar fronteiras, repor o serviço militar obrigatório e acabar com limites de doações aos partidos.

Repor o serviço militar obrigatório, deixar para “audiências adultas” e “fora do ambiente escolar” campanhas LGBT e antirracistas, acabar com a “cultura do facilitismo” nas escolas, criar quotas para imigrantes, “emagrecer a Administração Pública” (a começar pelos lugares de nomeação política), permitir contratos de trabalho mais flexíveis para os médicos do SNS e aumentar a oferta para combater a crise na habitação. Estas são algumas das propostas que constam das 32 moções que o Chega vai debater no congresso que começa esta sexta-feira em Viana do Castelo.

Se há espaço para moções que defendem a biodiversidade ou o reforço do investimento na energia solar, os temas mais recorrentes nos textos que serão discutidos neste fim de semana são a defesa da identidade nacional, a importância da família tradicional e o combate àquilo a que o Chega chama a ideologia de género.

O hino e a “ilusão trans”

Na moção Para a Revitalização da identidade e da Cultura Nacional Portuguesa, defende-se “a reintrodução do hino nas escolas”, a educação como “uma celebração da nossa trajetória” enquanto povo e serviço militar obrigatório.

Nesse texto, advoga-se que campanhas relacionadas com movimentos LGBT ou Black Lives Matter “sejam restritas a audiências adultas e se mantenham fora do ambiente escolar”. Mas há também uma moção inteira sobre educação na qual se pede “o fim da ideologia de género”.

Lembrando que o Chega defende desde a sua criação “uma profunda reforma do ensino”, os subscritores da moção acreditam que “quem controla a escola, controlará o mundo”. E é sob esse espírito que temem a influência da “ilusão trans” e de uma “corrente ideológica” que acreditam querer acabar com homens e mulheres. 

“Aliás, se em breve não houver cuidado, as palavras homem, mulher, menino e menina serão proibidas e quem as usar arrisca-se a ser punido”, lê-se na moção, que reclama para os pais a prorrogativa de educar os filhos. “Os socialismos, mais rosas ou mais laranjas, têm vindo a alhear as famílias do seu direito fundamental a educar os filhos”, acusam, frisando que “as crianças, até prova em contrário, não pertencem ao Estado”.

Deus, pátria, família e trabalho

Na educação, os proponentes desta moção pedem “respeito pessoal, profissional e social pelo professor”, mas não são claros na defesa de alterações na carreira ou aumentos salariais. Apesar de defenderem a importância de tornar a profissão mais atrativa, priorizam o estatuto simbólico, defendendo que “as escolas têm de ser espaços de respeito e hierarquia”. Além de “acabar com o conceito de identidade de género” e pôr fim aos tratamentos hormonais ou de mudança de sexo no SNS, pedem incentivos para “mães a tempo inteiro”, manutenção dos exames nacionais e “aposta clara nos percursos alternativos de formação técnico-profissional” nas escolas.

“Regemo-nos pelo conceito ‘Deus, Pátria, Família e Trabalho’”, lê-se noutra moção, que quer “impedir indivíduos condenados por crimes de violência doméstica se possam candidatar a qualquer cargo partidário” no Chega.

“Portugal precisa de mais portugueses”, diz outra moção, que se afirma “contra o extremismo das fronteiras escancaradas e da desvalorização da nacionalidade” e uma política migratória de “tudo ao molho e fé em Deus”, como descrevem as regras em vigor. “As nossas elites preferem o facilitismo ao portuguesismo”, lê-se no texto, que quer “quotas de imigrantes”, “vistos sazonais” para trabalhos na agricultura ou no turismo e aumentar de cinco para dez a residência legal necessária antes para requerer a cidadania, que deve passar a depender de um teste, que ponha à prova conhecimentos de Português e de História.

Esta moção pede um “referendo às atuais políticas imigratórias”, mas há ainda uma outra pela “Revogação da extinção do SEF” e uma que reclama a “recuperação do controlo sobre fronteiras e imigração”.

A corrupção é outro dos temas recorrentes nas moções que vão ao VI Congresso do Chega, com uma proposta para “a adoção do partido Chega de um código de ética para políticos”, o controlo, auditoria e fiscalização dos Institutos Públicos e o reforço dos instrumentos legais para combater “as portas giratórias” entre a política e os negócios e criar o crime de enriquecimento ilícito.

Truques para travar a abstenção

Curiosamente, a moção Pela Moralização e Transparência do Espaço Público propõe “eliminar o limite de doações” aos partidos “continuando a exigir a identificação dos doadores”, sem explicitar de que forma o fim destes limites ao financiamento partidário contribuiria para uma maior transparência.

A defesa da “reestruturação das forças de segurança”, outra das bandeiras do partido, também merece uma moção, que pede um aumento da remuneração base de PSP e GNR, fazendo com que “todos os suplementos e subsídios passem a integrar a remuneração base” e os serviços remunerados de segurança que hoje são feitos pela PSP passem para a “alçada da segurança privada”.

Tendo em conta que o descontentamento que se manifesta na abstenção pode ser um alvo interessante para o partido, há uma moção que entende que é preciso “valorizar e conquistar” os abstencionistas. O texto até tem sugestões para os militantes que queiram fazer esse trabalho de envangelização política.

“Ou é agora que vota ou isto ainda vai ficar pior” e “Para governos de direita, não há votos úteis, há o voto no Chega” são duas frases sugeridas para estas conversas com eleitores abstencionistas.

As crises na saúde e na habitação merecem uma moção cada. Sobre saúde, propõem-se contratos de trabalho mais flexíveis para os médicos, que permitam ganhar mais à hora e compatibilizar o trabalho no SNS com a clínica privada. Para resolver a crise habitacional, há uma moção que defende o aumento da oferta, através de um reforço da construção, e de forma genérica “repensar o IMI, IMT e IRS”.

Há outra moção que faz uma alusão ao pacote Mais Habitação, mas apenas para pedir a sua revogação na defesa do Alojamento Local como “um dos maiores motores económicos das cidades em Portugal”.

Tanto a Juventude do Chega como a moção Investindo num Futuro Promissor dos Jovens Portugueses em Portugal apresentam ideias para travar a emigração dos mais novos. Uma delas é a criação de “linhas de crédito com garantia mútua do Estado” para financiar estudantes no superior com spread e juros zero, “estando os jovens condicionados a trabalhar em Portugal enquanto o reembolso [do crédito] não for realizado integralmente”.

Baixar impostos para conseguir salários mais atrativos e dar apoios à compra ou arrendamento de habitação são outras ideias de um partido que, numa das moções, pede um “Estado mínimo”, mas que advoga ao mesmo tempo auxílios estatais.

No capítulo dos investimentos do Estado, aparece uma moção sobre mobilidade que pede que se estude uma terceira travessia sobre o Tejo em Lisboa além da “ponte 25 de Abril (ex-Salazar)” ou a ligação rodoviária entre Algés e Trafaria . Num momento em que se debate a localização do novo aeroporto de Lisboa, a moção entende que há que debater outras prioridades. “Podemos e devemos priorizar o investimento do Estado para um conjunto de obras mais urgentes, que poderá resolver muitos dos constrangimentos que os nossos cidadãos sofrem todos os dias”, lê-se no texto.

Ventura sucede a Ventura

O VI Congresso do Chega acontece um ano depois da última reunião magna do partido por o Tribunal Constitucional (TC) ter entendido, em agosto, que houve irregularidades na convocatória dessa convenção. Essa decisão obriga à reeleição de todos os órgãos que já tinham ido a votos em Santarém.

André Ventura é o candidato único a suceder a André Ventura, depois de o mais vocal dos críticos internos, Nuno Afonso, se ter desfiliado. Apesar de Ventura ter começado por criticar a decisão do TC como a “maior perseguição a um partido desde o 25 de Abril”, o líder do Chega aproveitará o palco mediático para apresentar “um programa ambicioso e completo”, tal como anunciou no domingo, quando se apresentou como candidato à liderança e subiu a fasquia para as legislativas. “Candidato-me a presidente do Chega com um objetivo ambicioso e difícil, mas claro: vencer as eleições legislativas de 2024”.

Tópicos: Chega, André Ventura