Mais Habitação
09 maio 2024 às 07h14
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Recorde de cancelamentos de Alojamento Local em Lisboa. Só em 2023 foram mais de mil

O programa do anterior Governo é apontado como uma das possíveis causas para o elevado volume de revogações. Mais de metade (556) foram em dezembro.

Houve um “aumento expressivo dos pedidos” para cessar a atividade de Alojamento Local (AL) até final do ano passado, só na cidade de Lisboa. Uma possível explicação? “Presumivelmente”, evitar “o pagamento da Taxa Extraordinária aplicável a partir” de 2024, que entrou em vigor com a aprovação do pacote Mais Habitação, em outubro do ano passado. A informação é avançada por fonte da autarquia.

Segundo os dados a que o DN teve acesso, só em 2023, foram feitos 1024 pedidos voluntários para cessar atividades de Alojamento Local. Mais de metade foram só no mês de dezembro (556). Estendendo a análise ao ano anterior (2022) e ainda sem a sombra do Mais Habitação a pairar, verifica-se que, só em dezembro de 2023 houve mais cessações voluntárias do que em 2022 como um todo (onde se registaram 220 pedidos).

Ou seja: o impacto da medida aprovada pelo anterior Governo é claro. Segundo aquilo que está incluído no Mais Habitação, quem transformasse o seu Alojamento Local em casas de arrendamento habitacional teria, entre outros, um novo enquadramento fiscal. No entanto, limitava o mesmo programa do Governo socialista, “as rendas dos novos contratos” não podiam exceder os 2% em relação ao valor do contacto anterior.

Além disso, a lei estipulou também que, uma vez registado um Alojamento Local, esse registo seria válido por cinco anos, renovável por igual período. Desde que a legislação mudou, houve 30 novos pedidos para registar Alojamentos Locais em Lisboa. Destes, 13 “foram objeto de oposição” por parte da autarquia. No total, há, em Lisboa, 19 259 registos de Alojamento Local ativos.

Segundo a mesma fonte, desde que foi criado o regime de exploração de Alojamento Local (em 2014), a autarquia já efetuou 244 cancelamentos de licenças. E houve 119 oposições a novas licenças por parte da autarquia lisboeta. As zonas da cidade em concreto (seja freguesia ou bairros) não foram especificadas.

Em reação a estes dados, Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) explica que, além do Mais Habitação, “deve ser feita uma leitura mais profunda”. Nomeadamente, associada ao pagamento da Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local (CEAL), em vigor a partir de junho. Além disso, “havia um grande número de registos ativos” mas cuja atividade não era exercida. E muitos dos cancelamentos podem provir daí.

O tema do AL voltou a debate, no Parlamento, com a Iniciativa Liberal a fixar a ordem do dia. O partido levou mesmo à discussão um projeto de lei que pretende reverter aquilo que definem como mudanças “desproporcionais e persecutórias” ao AL por parte do Mais Habitação.

E PSD e CDS-PP levaram a plenário um projeto de resolução (que não é vinculativo, nem tem força de lei) destinado a “dinamizar a oferta, corrigir erros e dar resposta à crise”. Os mesmos partidos chumbaram, depois, iniciativas do Chega e da IL que queriam revogar as medidas do Mais Habitação.

Já se sabe, também, que o tema não ficará por aqui, com o Bloco de Esquerda a fazer um agendamento potestativo sobre a habitação, marcado para dia 22 de maio. Os bloquistas vão levar a plenário quatro projetos de lei e um projeto de resolução que pretendem, entre outros, suspender o licenciamento de novos hotéis até 2030.

No anúncio deste agendamento, Fabian Figueiredo, líder parlamentar do BE, destacou que “o direito à habitação é um direito fundamental e deve ser tratado como tal” e defendeu que isso só se pode garantir de uma forma: “Controlando as rendas, mas ao mesmo tempo controlando também o valor do crédito à habitação.”

Este debate, diz Eduardo Miranda, pode ser o “princípio do fim” do Mais Habitação. Ou, pelo menos, que permita fazer o debate sobre “medidas graves e desproporcionais” do programa. “É o princípio dessa discussão” que se espera proveitosa.

Lisboa quer saber que licenças estão ativas

O DN sabe que a Câmara Municipal de Lisboa está, neste momento, a definir uma estratégia para perceber que licenças de Alojamento Local estão “verdadeiramente ativas”.

No entanto, diz fonte municipal, “a ação do Governo neste tema criou um problema” para as autarquias, que não tem resolução à vista. Isto porque não é “claro qual o documento idóneo para comprovar atividade” e também não foi criado “um mecanismo ou processo para as entidades declararem que apenas exploraram o AL durante 120 dias por ano, no máximo”. Esta é “uma das exceções à entrega do comprovativo de atividade”.

É deixada a garantia de que está a ser trabalhada “uma solução”, mesmo sabendo que o atual enquadramento legal “não prevê cancelamento imediato”. Em vez disso, deve ser feita uma “audiência de interessados”, mesmo quando não há uma entrega de comprovativo de atividade. Só em Lisboa, há 12 484 comprovativos (que estão em “análise para aferir a sua validade”), o que significa que pode haver, “potencialmente”, cerca de 8 mil audiências.

Além disso, a Câmara de Lisboa tem também conduzido, desde maio de 2022, vistorias obrigatórias aos estabelecimentos de AL. Ao todo, já foram agendadas 480 inspeções.

PS/Lisboa aprova resolução para não revogar limitações

Esta quarta-feira, em reunião de câmara, os vereadores do PS/Lisboa fizeram aprovar (apenas com votos contra da coligação Novos Tempos, que lidera o Executivo municipal) uma resolução que quer que a autarquia “não revogue as limitações ao Alojamento Local em vigor”.

Ao mesmo tempo, mandatam o presidente, Carlos Moedas, para “negociar a defesa dessas limitações ao AL e a não-revogação das limitações aos Vistos Gold  e ao regime de residentes não-habituais em vigor” junto do Governo. A intenção é que “o acesso à habitação” não fique “ainda mais distante da capacidade das famílias no Concelho de Lisboa”.

Os vereadores socialistas consideram ainda que “o acesso à habitação é o maior desafio” da cidade de Lisboa e esperam, por isso, que cada força política assuma as “responsabilidades de modo transparente e sem tibieza”.

A evolução da cessação voluntária de licenças

O programa Mais Habitação foi aprovado a 7 de outubro de 2023, apenas com votos favoráveis do PS (que então tinha maioria absoluta). Em Lisboa, as cessações voluntárias eram escassas, e apenas em março passaram as 50. A partir de outubro, os pedidos aumentaram de forma exponencial. Segundo dados enviados pela Câmara Municipal de Lisboa ao DN, é possível constatar que, nos últimos dois meses do ano, foram recebidas várias centenas de pedidos de cessação de licenças.

Janeiro - 14 pedidos;
Fevereiro - 15 pedidos;
Março - 58 pedidos;
Abril - 18 pedidos;
Maio - 30 pedidos;
Junho - 36 pedidos;
Julho - 21 pedidos;
Agosto - 15 pedidos;
Setembro - 26 pedidos;
Outubro - 70 pedidos (Aprovação do pacote Mais Habitação);
Novembro - 147 pedidos;
Dezembro - 556 pedidos.