Estados Unidos
26 novembro 2024 às 17h16
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Trump promete tarifas no primeiro dia de mandato e bolsas europeias ficam "vermelhas" com receio

Presidente eleito dos EUA só toma posse em janeiro, mas já está a anunciar medidas. Culpando países como México, Canadá e China pela imigração ilegal e por uma epidemida de fentanil, anunciou novas taxas a aplicar no primeiro dia de mandato. Bolsas gerem expectativas com investidores avessos ao risco.

Donald Trump será empossado 47.º presidente dos Estados Unidos apenas a 20 de janeiro de 2025, mas o período de transição "pacífica e ordeira" concertado com Joe Biden não estará a ser respeitado pelo presidente eleito. Depois de provocar controvérsia com algumas escolhas para pastas importantes da futura administração, Trump agitou as águas da geopolítica ao prometer novas tarifas alfandegárias sobre importações do México, Canadá e China, o que provocou ondas de receios nos voláteis mercados financeiros. 

“A 20 de janeiro, como uma das minhas muitas primeiras ordens executivas, vou assinar todos os documentos necessários para impor ao México e ao Canadá uma taxa de 25% sobre todos os produtos que entram nos Estados Unidos e as suas ridículas fronteiras abertas”, escreveu o presidente eleito na rede social Truth Social, na madrugada desta segunda para terça-feira.

A promessa foi justificada com as "milhares de pessoas que estão a passar pelo México e pelo Canadá, trazendo o crime e a droga a níveis nunca antes vistos”, segundo Donald Trump.

Importa referir que dados divulgados na segunda-feira pelo FBI acerca da criminalidade violenta (inclui  homicídios, violações, roubos e agressões agravadas), no último ano, demonstram que as ocorrências registadas diminuíram 3% de 2022 para 2023, com a taxa de homícidios a cair 12%, a maior queda em vinte anos. Os casos de violações caíram mais de 9%, os roubos violentos descresceram 0,3% e as agressões agravadas diminuíram quase 3%. Em 2023, o FBI registou uma proporção de 362,8 crimes violentos por cem mil pessoas, uma taxa mais baixa do que a registada no ano anterior (377,1 por cem mil habitantes). O organismo também reviu em baixa dados entre 2021 e 2022. Os números mostravam uma queda de 2,1% naquele período, mas o FBI considerou agora, após uma mudança na metodologia de recolha de dados, que houve um aumento de 4,5%. 

Acresce que as detenções por cidadãos estrangeiros entrarem nos EUA, ilegalmente e a partir do México, estavam em mínimos de quatro anos em outubro. De acordo com os números oficiais mais recentes, as autoridades efetuaram 56 530 detenções em outubro, menos de um terço do que em outubro do ano passado.

Entretanto, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, já respondeu a Donald Trump. Numa carta divulgada à imprensa, e que será ainda hoje enviada ao presidente eleito, a chefe de Estado do México escreveu que "não é através de ameaças ou de taxas alfandegárias que [Donald Trump] vai parar o fenómeno da imigração, nem o consumo de drogas nos EUA”.

Na mensagem partilhada na Truth Social, Donald Trump ainda defendeu aplicar uma tarifa extra à China, acusando o país de exportar "enormes quantidades de drogas, em particular fentanil, para os EUA". O presidente eleito disse ter tido "muitas conversas com a China" sobre o tema "mas sem sucesso" no objetivo que tem.  

“Até que eles parem, vamos cobrar à China uma taxa extra de 10%, acima de quaisquer tarifas adicionais, em todos os seus muitos produtos que entram nos EUA”, escreveu.

O fentanil é um medicamento analgésico, com origem num opióide altamente viciante. No último ano, aquele medicamento, a par de outras drogas como cocaína ou metanfetaminas, surgiu como um dos grandes responsáveis das mortes por overdose nos EUA, levando as autoridades daquele país a alertar para a falta de monitorização e regulamentação na prescrição do medicamento, e lançar o alerta para o surgimento de fentanil no mercado ilegal. Em abril deste ano, uma comissão especial da Câmara dos Representantes acusou a China de alimentar o uso de fentanil nos EUA. Os investigadores alegaram ter tido acesso a um portal do governo chinês, que revelava descontos fiscais para a produção de precursores específicos do fentanil, e outras drogas sintéticas, desde que essas empresas as vendessem fora da China.

Grande parte do fentanil entra nos Estados Unidos a partir do México, sendo que as apreensões da droga na fronteira aumentaram drasticamente durante a administração Biden. As autoridades norte-americanas já registaram cerca de 12 247 quilos de fentanil apreendidos em 2024. Em 2019, último ano do primeiro mandato de Trump como presidente, foram apreendidos 1 154 quilos.

No ínicio de 2024, em Portugal, a Direção-Geral de Saúde anunciou que ia rever circular sobre o uso de fentanil no país.

Bolas europeias desvalorizam. Wall Street indefinido na abertura

A mensagem de Donald Trump, publicada durante a madrugada cumpre a retórica da campanha eleitoral do presidente eleito, ao visar movimentos migratórios à margem da lei e o protecionismo económico através do endurecimento da política de tarifas sobre bens importados. Aliás, a "luta" de Trump pela imposição de taxas a bens importados, sobretudo da China, vem desde o primeiro mandato. E mesmo Joe Biden, o presidente que o sucedeu em 2020 e que termina o mandato este ano, manteve-as, e em alguns casos ampliou o âmbito das mesmas mantidas.

Durante a campanha eleitoral, Trump defendeu novas tarifas, de 10% a 20%, sobre muitos produtos estrangeiros importados, com os oriundos da China a poderem chegar a taxas de 60%, procurando acabar com externalização de vários setores económicos.

Caso cumpra a promessa anunciada durante a madrugada desta segunda para terça-feira, Washington começa por levantar novas barreiras ao comércio com o México, China e Canadá, os três principais fornecedores dos EUA, sendo que o aumento de tarifas e a aplicação de novas taxas alfandegárias pode levar ao aumento dos preços nos consumidores norte-americanos, sendo que o impacto das declarações do presidente eleito não tardaram nos mercados de capitais.

O EuroStoxx 600, índice financeiro que reúne seis centenas de empresas cotadas de 17 países, iniciou a sessão bolsista a perder perto de 1%, acabando por fechar o dia a cair 2,74%, para 506,04 pontos.

As bolsas de Londres, Paris e Frankfurt acompanharam a tendência, fechando a sessão a desvalorizar mais de 0,4%. Os príncipais índice das praças de Madrid e Milão desvalorizavam acima dos 0,70%.

Em Portugal, o PSI - índice de referência nacional da bolsa portuguesa - encerrou a sessão a perder 0,36% para 6.415,40 pontos, com 11 dos 15 títulos no vermelho, interrompendo três sessões de subidas. As empresas cotadas mais expostas foram as da "família" EDP, com a EDP a tombar 2,05% e a EDP Renováveis a cair 1,96%. Também a Mota-Engil pressionou o índice ao desvalorizar 1,77%.

Ao contrário da Europa, devido ao fuso horário, os mercados capitais estão longe do fecho da sessão desta terça-feira. Depois de ganhos na segunda-feira, os principais índices abriram esta terça-fera sem rumo definido. Às 15h10 (hora de Lisboa), o índice Dow Jones descia 0,58% para 44.475,45 pontos e o Nasdaq avançava 0,40% para 19.131,83 pontos. O índice alargado S&P 500 subia 0,24% para 6.001,72 pontos.

Na Ásia, as palavras de Trump também tiveram impacto, apesar de surgirem a poucas horas do fecho da sessão. As principais bolsas asiáticas encerraram as sessões de segunda-feira ao início desta manhã de terça-feira (devido ao fuso horário). O Nikkei, principal índice da Bolsa de Tóquio, fechou com uma queda de 0,87%, com os investidores a recear que Trump também aumente as tarifas sobre o Japão, depois de ter anunciado que planeia fazê-lo com o Canadá, México e China. O índice de referência da Bolsa de Xangai caiu 0,12%, e o de Shenzhen recuou 0,84%.

Trump justifica novo eixo franco-alemão?

As eleições norte-americanas foram vencidas por Donald Trump. A vitória eleitoral foi assinalada em todo o mundo e alguns países europeus começam a preparar-se para dialogar e conviver com Donald Trump.

Na última semanda, o presidente do Bundesbank - o banco central da Alemanha - e o governador do Banco de França apelaram para uma união de forças e para a recuperação do eixo franco-alemão. Ambos entendem ser esse o caminho para anular os efeitos da nova administração norte-americana.

Num comunicado conjunto, o alemão Joachim Nagel e o francês François Villeroy de Galhau, defenderam que as alterações à política económica dos EUA vão aumentar os desafios para a Europa.

"É certo que os nossos países têm, por vezes, opiniões diferentes em campos como a segurança, o comércio e a energia, mas quanto mais ameaçador se torna o mundo, mais importante é resolver as nossas diferenças e defender o que nos une", afirmaram. Por isso, o diálogo entre germânicos e franceses é "mais necessário que nunca", com os dois responsáveis a recear que os efeitos da política de Donald Trump vá "muito além da esfera financeira".

O diálogo entre Alemanha e França não tem sido o mesmo de outros tempos, muito por causa de sucessivos períodos de instabilidade política interna dos dois países. No entanto, o governandor do Banco de França vê em Trump um risco para a economia global e, por isso, entende que a única forma de o enfrentar é pela realização de reformas na Europa. O que só poderá ocorrer havendo uma concertação entre alemães e franceses.

O presidente do Bundesbank segue o mesmo argumento, considerando que a imposição de tarifas como forma de reforçar o protecionismo norte-americano vai reacender "conflitos internacionais e prejudicar ainda mais a ordem multilateral".


Investimento norte-americano em Portugal à prova de Trump?

Também na última semana, o presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) disse não ver na nova administração norte-americana um problema para o nível de investimento norte-americano captado para Portugal.

Para Ricardo Arroja, citado pela agência Lusa, apesar do deabte sobre a imposição de tarifas, as "economias norte-americana e europeia estão muito integradas, e Portugal e os EUA em particular”.

"Há muito, de forma não circunstancial, que esses laços têm vindo a ser desenvolvidos e promovidos e, portanto, é para mim altamente improvável, por exemplo, que investimentos diretos estrangeiros dos Estados Unidos em Portugal sejam postos em causa porque há uma nova administração. Ou seja, isto são projetos de investimento de longo prazo,", avaliou Ricardo Arroja, à margem da 7.ª edição do Portugal Economic Forum, organizado pela AICEP em Nova Iorque.

"Os elementos circunstanciais conjunturais são obviamente importantes e teremos de estar todos atentos às políticas comerciais que os EUA vierem a adotar, mas, neste momento, acho que é especulativo estarmos a tentar antecipar algumas destas medidas, porque há um processo jurídico e legal e regulatório que tem que ser percorrido em primeiro lugar na América antes de ele ter impacto no resto do mundo", acrescentou.

Segundo o presidente da AICEP, "as exportações de bens e de serviços, sobretudo cada vez mais de serviços de Portugal para os Estados Unidos, estão a crescer a olhos vistos, a ritmos muito elevados, e o mesmo tem sucedido com o investimento direto estrangeiro em Portugal".