Eleições
22 fevereiro 2024 às 09h26
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O que os partidos propõem para resolver os problemas dos imigrantes?

Espera da documentação, postos consulares, integração e ensino da língua portuguesa, precariedade laboral. O DN analisa algumas das propostas dos partidos sobre os obstáculos em Portugal e outras medidas que causam ainda mais problemas aos estrangeiros. 

O brasileiro Marcelo Dias, de 55 anos, escolheu Portugal para viver com a esposa. Um ano de planeamento, visto solicitado no consulado e depósito de 13,6 mil euros para provar os meios de subsistência. Quando chegou, como prevê a lei, pediu o título da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Sem contar as burocracias, está feliz com a companheira no Fundão. Na cidade, montaram um estúdio de pilates com equipamentos que está com lista de espera, tanta é a procura, e 90% dos clientes são portugueses. O empresário vê como “muito triste” e “desagradável” a possibilidade de ter o seu título revogado, conforme proposta do partido Chega.

A iniciativa é uma das várias que aparecem nos programas dos partidos políticos e estão presentes nos debates da campanha, algumas vezes com informações falsas, como de que o título CPLP não precisa de meios de subsistência. Independente de quem seja Governo, todos apostam em mudanças que vão mexer com a vida dos milhares de imigrantes que vivem no país e dos que pretendem vir. O Chega não respondeu ao DN o que seria feito com os mais de 150 mil imigrantes que residem em Portugal com o acordo multilateral da CPLP. 

O DN analisa algumas das propostas dos partidos sobre as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes em Portugal e outras criadas que significariam mais problemas aos estrangeiros. Poucos são os consensos. Um dos temas que mais fomenta divisões é o das fronteiras. O Partido Socialista (PS) e o Partido Comunista Português (PCP) não propõem mudanças na atual política, enquanto o LIVRE fala numa “revisão” na lei, mas sem pormenores. O Bloco de Esquerda (BE) quer “uma nova lei da imigração”, que contemple as mudanças da legislação vigente, “numa nova filosofia humanista e aberta ao mundo”, sem se saber muito bem o que isso é.

A coligação AD resume a política como “imigração regulada com integração humanista”, porém, não especifica mudanças na lei. A Iniciativa Liberal (IL) propõe acabar também a regularização através da Manifestação de Interesse (MI), um dos principais métodos utilizados atualmente. A Nova Direita, que concorre pela primeira vez nas legislativas, defende um sistema de pontos, com base no modelo da Austrália e prioridade aos falantes de português.

O Chega quer estabelecer quotas anuais e criar o “crime de residência ilegal em solo português e impedir a permanência de imigrantes ilegais em território nacional”. Segundo a proposta, quem for encontrado nesta situação fica “impedido de regressar a Portugal e legalizar a sua situação nos cinco anos seguintes”. Pedro Góis, professor da Universidade de Coimbra e investigador na área, avalia que “não tem sentido” a medida de criação de um novo tipo penal focado nesta população. “Colocávamos os imigrantes irregulares na prisão a aguardar julgamento antes do afastamento de território nacional? Seria um julgamento sumário seguido de expulsão? Num Estado de Direito com garantias de presunção de inocência a expulsão seria sempre recorrível, o que poderia demorar anos”, diz. A fiscalização e o pagamento de deportações também suscitam dúvidas do especialista. 
“Reformar o sistema consular é essencial”

Quase todos os partidos falam da necessidade de estimular o pedido de visto no país de origem. No entanto, Góis aponta que a rede consular de Portugal existente não é suficiente. “Se querem que as pessoas venham com o visto, é preciso que os postos deem resposta”. Um exemplo é a Índia, atualmente a quarta nacionalidade mais representativa em Portugal, em que só existe um posto consular, localizado em Nova Deli. O órgão é também responsável por atender o Nepal, a nona nacionalidade mais presente em Portugal. Conforme o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), o país possui um total de 116 postos consulares pelo mundo e 41,79% estão localizados na Europa e a Ásia vem em quarto lugar. Parte das propostas dos partidos na área consular estão nas secções dedicadas aos portugueses pelo mundo. É o caso do BE, da AD e do PCP, que destacam a necessidade de reorganizar e modernizar o modelo, com a aposta nos serviços digitais e contratação de profissionais. 

A IL trata do tema dentro da área de imigração, com a proposta de  melhorar o processo de emissão de vistos nos postos consulares. O PS quer “promover a imigração regular desde a origem, o que exige uma cobertura consular eficaz”. Porém, é na secção de comunidades portuguesas que constam pormenores, como a abertura de novas embaixadas na Ásia e África e alocar recursos humanos. O Chega não possui nenhuma medida no que diz respeito aos postos consulares para pedido de vistos. A Nova Direita e o LIVRE não apresentam, também, ideias para a rede consular.

O desespero na espera pela documentação

A regularização em Portugal através da Manifestação de Interesse pode levar até três anos. No compasso de espera, obrigatoriamente o cidadão precisa ter NIF, Segurança Social e comprovativo de emprego. Ao mesmo tempo, fica privado no acesso a muitos direitos, como apoios sociais e até mesmo de ter um contrato de trabalho em algumas empresas. Segundo Filipa Bolotinha, coordenadora da Associação Renovar a Mouraria, a demora no sistema deixa-os em situação de “desespero” e “prejudica totalmente o processo de integração das pessoas e causa problemas a vários níveis”. Outro problema apontado pela coordenadora é a criação de “serviços paralelos” que cobram altos valores por documentos que são gratuitos e fazem burlas. É recorrente nas redes sociais pessoas a anunciar procedimentos mais rápidos - até mesmo de título de residência, por valores à volta dos 600 euros. “No desespero e em busca de viver estabilidade, procuram esses serviços, que não existiriam se o sistema funcionasse”, ressalta. 

Nesta matéria, os contornos ideológicos são mais definidos. Chega, Nova Direita e IL não mencionam nos programas propostas para tornar mais rápido os processos de regularização já existentes. Já a AD quer a agilização do serviço e a criação de meios de contacto, como linhas telefónicas.

À esquerda, há um consenso. Todos os partidos elegem como prioridade a melhoria nos processos de regularização. O Livre quer reduzir o tempo de resposta, enquanto o BE pretende fiscalizar melhor o trabalho. O PCP defende a redução do custo dos emolumentos e a desburocratização, além da contratação de equipas temporárias para responder aos processos pendentes. O PS cita a agilização dos trâmites, a transformação digital dos serviços.

Combate à precariedade laboral

Portugal é o quarto país com maior precariedade laboral entre os estrangeiros, atrás da Croácia, Países Baixos e Polónia. Operações policiais no Alentejo todos os anos tentam combater as condições de semiescravidão à qual muitos imigrantes estão sujeitos. Mas não é somente na agricultura que situações ocorrem. O relatório anual “Imigração em Números 2023” pontua que os imigrantes possuem trabalhos “precários, mal pagos, mais arriscados e de alguns setores como construção civil, hotelaria e restauração, e serviço doméstico”. 

Segundo Fernando Gomes, um dos dirigentes da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), os trabalhadores estrangeiros estão ainda mais vulneráveis do que os portugueses. “Passam por mais desafios, como o desconhecimento da língua que os coloca numa posição mais difícil para saber os seus direitos e suscetíveis à exploração”, diz o sindicalista. 

O PS propõe o desincentivo aos contratos temporários e reforço da fiscalização realizada pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). Outro ponto é a responsabilização das empresas “pela existência de condições de habitação condignas para os trabalhadores imigrantes” sazonais. O LIVRE defende o combate à exploração laboral e que tenham os “mesmos direitos, benefícios e proteção que as e os portugueses” e condenar as “práticas ilegais de exploração laboral sobre trabalhadores migrantes”.
A proposta do PCP é semelhante, com a “adoção de medidas de defesa e promoção dos direitos sociais e laborais”. A AD também quer “um reforço do controlo das condições de trabalho em particular dos imigrantes”. O BE foca-se nos trabalhadores imigrantes da agricultura, com a criação de um “programa de integração e regularização” dos profissionais e o reforço da atuação da ACT. O Chega, IL e Nova Direita não propõem nenhuma medida de combate à exploração dos trabalhadores imigrantes.

Integração e ensino de português

“Temos longas lista de espera, a procura é muito grande”, diz Joselita Orta, coordenadora do Centro Qualifica da Escola Secundária de Camões, em Lisboa. O local faz parte da rede que oferece aulas de português e possui quatro turmas, duas diurnas e duas em horário pós-laboral. “Vemos o quanto o idioma é importante para a integração e o quanto são empenhados em aprender”, relata. 

Segundo Joselita, a maior parte dos alunos são do Bangladesh, Nepal e outros países da Ásia. Os cursos são destinados aos maiores de 16 anos e têm duração de 6 meses. No Baixo Alentejo, onde o DN esteve em diversas oportunidades a entrevistar imigrantes, muitos apontaram como importante a aprendizagem do português, mas nem sempre acessível e compatível com a longa jornada laboral.

O tema aparece em todos os programas, com exceção da Iniciativa Liberal, que não cita o tema. O Chega sugere o ensino da língua e a vontade de o impor como condição obrigatória para adquirir a cidadania portuguesa. Porém, o requisito já consta na atual legislação, facto que não é citado no programa ou quando o assunto surge em debates e entrevistas.

O PS propõe “apostar na generalização dos cursos”, especialmente em cursos sediados nas escolas e em horários pós-laborais. O BE pretende incrementar o atual programa para que seja acessível “desde o início da permanência” no país e em “ambiente formal”.  
Já o PCP e o LIVRE focam-se no ensino aos alunos que não tenham o idioma como língua materna e formação docente para respostas aos recém-chegados. A AD propõe o fomento à aprendizagem do idioma como forma de melhorar a integração. 

Em análise final, a imigração aparece em todos os programas eleitorais, com medidas bastante determinadas sobre como os partidos veem os imigrantes e da importância para Portugal. Após 10 de março, o futuro de milhares de pessoas virá a ser afetado pela decisão nas urnas.  

Chega tem proposta inconstitucional

Uma proposta isolada é criada pelo Chega e assenta na imposição de um período mínimo de cinco anos para que imigrantes tenham a qualquer benefício social. Estariam em causa subsídio desemprego, abono de família para crianças, apoio para grávidas, idosos, pessoas com deficiência, pensão de viuvez, entre outros.

A jurista Ana Rita Gil avalia a medida “não respeita a Constituição” e “jamais poderia valer, porque estaria acima do princípio da dignidade humana, assegurado no primeiro artigo da Constituição”.

O Tribunal Constitucional (TC) já possui uma decisão sobre o tema em outro processo. O TC definiu que a medida colocaria o imigrante “abaixo do limiar da dignidade humana”. Para a jurista, trata-se de um ataque aos estrangeiros e “não é uma medida séria, serve apenas para captar votos”. 

Lei da Nacionalidade

- O Chega, além de determinar algo já existente, saber o idioma para obter a nacionalidade, também quer que esta seja retirada aos binacionais que “cometam crimes violentos”. 

- A Nova Direita pretende aumentar o tempo de residência, para obtenção da nacionalidade, de cinco para dez anos;

- O LIVRE e o BE querem o fim do programa de vistos Gold e LIVRE defende que qualquer pessoa que nasça no país tenha a nacionalidade de forma imediata e definitiva.

- O PS destaca a necessidade de tornar os processos de atribuição da nacionalidade mais rápidos;

- PCP, IL e AD não propõem alterações à Lei da Nacionalidade.

amanda.lima@globalmediagrup.pt