Livros da semana
25 novembro 2024 às 00h10
Leitura: 8 min

Dois tesouros de banda desenhada

Álbuns novos trazem de volta as aventuras de Edgar P. Jacobs. Se Blake e Mortimer seria expectável, já a sequela de Raio «U» foi inesperada.

Muitos são os heróis que a banda desenhada franco-belga criou no século passado, época prodigiosa para vários argumentistas e desenhadores. Entre os “artistas” maiores desse tempo estava Edgar P. Jacobs e a sua dupla Blake e Mortimer, que levaram os leitores até à grande pirâmide de Gisé, à Atlântida, ao Japão, ao futuro e ao passado e, principalmente, aos bastidores de uma Londres sob neblina e diabólica como em A Marca Amarela. Morto o autor/desenhador estava encerrado o capítulo deste criador que tinha sempre direito a 64 páginas em cada álbum, número superior aos da maioria dos autores de então.

Jacobs necessitava de muitas pranchas para desenvolver as suas histórias meticulosamente desenhadas e enormemente legendadas. A imensidão de texto não incomodava os seus leitores, pelo contrário, convidava a uma leitura calma e atenta. E a uma releitura posterior dos doze álbuns que deixara publicados, situação a que pareciam condenados os fiéis leitores… até que se lembraram de continuar As Aventuras de Blake e Mortimer segundo as personagens de Edgar P. Jacobs. Rapidamente os detratores desta segunda vida ficaram convencidos de que era uma boa ideia, tanto assim que a nova fornada dessas aventuras têm sempre um novo livro anual e é das séries que mais vende na banda desenhada franco-belga.

São vários os “discípulos” de Jacobs, que já produziram vinte e dois novos álbuns, como é o caso da dupla Yves Sente e André Juillard, que já entregaram sete e, recentemente, o oitavo: Assinado “Olrik”. Não existirá um nono álbum desta parceria porque o desenhador faleceu em julho, o que deixa um vazio no melhor seguidor da arte de desenhar os personagens ao estilo de Jacobs. A perfeição de Juillard tem sido bem visível e reconhecida, tanto que foi o desenhador mais constante destas novas aventuras

Assinado “Olrik”
Sente e Juillard
Edições ASA
64 páginas

As novas aventuras pós-Jacobs recuperam muitas das figuras que o autor criara e neste novo álbum está presente em força o grande vilão Olrik. Que, aliás, tem dominado as várias edições anuais destes álbuns em que os argumentistas têm sido capazes de ressuscitar sem cansar os leitores. Desta vez Olrik reaparece e ressurge também uma versão do Espadão, mas o argumento vai mais longe e contém um ar do tempo, o da concorrência nos empregos por imigrantes e o terrorismo independentista. A mitologia sempre presente em Jacobs também tem lugar, com a busca pela lendária espada Excalibur em que uma facção independentista da Cornualha está empenhada e que constitui o pano de fundo de toda a ação. Com intentos bem disfarçados, cenários inesperados e a divisão entre bons e maus que sempre existiu neste autor, sem esquecer os personagens dúbios. Estas situações dão espaço para a habitual atividade de contraespionagem protagonizada por Blake e às rocambolescas maquinações que são destruídas pela genialidade de Mortimer.

A leitura de Assinado “Olrik” tem a capacidade de iludir o fã de Jacobs, pois a conjugação perfeita entre o argumento e o desenho faz esquecer que é de Sente e de Juillard e desde o início que se está em comunhão com o universo legado pelo autor original. Não faltam as reviravoltas habituais nestas histórias, desta vez em muito protagonizadas pelo coronel Olrik, de uma maneira que seria próprio ao maquiavelismo narrativo de Jacobs.

A Flecha Ardente
Cailleaux, Hamme e Schréder
Edições ASA
47 páginas

As novidades de Jacobs não se ficam por aqui, pois antes deste álbum ser editado também viu a luz do dia a impensável sequela de O Raio «U», que até agora ninguém tinha tentado e que o trio Jean Van Hamme, Christian Cailleaux e Étienne Schréder – todos eles nomes habituais nas novas edições de Blake e Mortimer – avançaram. Intitulado A Flecha Ardente, é a continuação do primeiro grande trabalho de Jacobs e não deixa impassível o admirador de O Raio «U», pois regressa aos personagens que terão estado numa hipotética base da futura dupla Blake e Mortimer, o Lorde Calder e o professor Marduk. Este segundo álbum recupera em muito o traço original de Jacobs, que na altura teve de ultimar à pressa as últimas pranchas da série Flash Gordon, proibida em França em 1943 pelos nazis, e dar continuidade ao género com estes seus primeiros heróis.

Oitenta anos após O Raio «U», regressa um universo mítico em que se está perante um conflito mundial entre a Austrádia e a Norlandia, envolvendo descobertas científicas que podem alterar a correlação das forças militares, numa ação que se desenvolve num panorama futurista e ao mesmo tempo recupera criaturas e cenários de uma Terra antiga, antecipando meios de transporte do futuro. Ou seja, uma distopia, que não ignora o velho confronto entre nações e a ambição pelo domínio do planeta por uma delas.

Outras novidades literárias

O Apocalipse em Saigão

Após uma trilogia em muito inspirada nos acontecimentos que ocorreram durante a presença norte-americana no Vietname, nos que se deram durante a queda de Saigão em 1975 e nos que se seguiram para a população do país após esse desastre testemunhado em todos os ecrãs de televisão e fotografias na imprensa, o escritor vietnamita/americano Viet Thanh Nguyen regressa ao tema, só que desta vez numa espécie de dicionário biográfico para se compreender na primeira pessoa a tragédia desses dias e a sua repercussão. Nguyen já dera conta dos bastidores nos romances O Simpatizante e em O Comprometido e fizera em Refugiados uma recolha de histórias mais breves. Mas será com este historial na primeira pessoa que pretenderá fechar um ciclo que o tornou conhecido e premiado enquanto escritor. Pode ser essa a razão destas memórias ou, como refere a meio do livro, esclarecer o seu papel de escritor que se dedica à diáspora vietnamita, como faz ao justificar o seu primeiro sucesso: “Escrever contra esta saga dos imigrantes.” Ou questionar-se sobre a sua voz após ter sido recusado por vários editores, mesmo que o New York Times o tenha destacado por ter “dado voz a quem antes não tinha voz”. Nestes tempos de Trump, este Um Homem de Duas Caras é uma leitura fundamental. 

Um Homem de Duas Caras
Viet Thanh Nguyen
Elsinore
400 páginas

Nos Passos de Fu

Os interessados na sociedade e cultura chinesa têm agora uma investigação de um historiador sobre uma das maiores vozes da poesia da China: Du Fu. Logo de início está um mapa com o percurso que o retratado fez entre 755 e 770 e nas páginas que se seguem o antes, o durante e o depois dessa odisseia, num relato após mais de um milénio depois de ter ocorrido, bem como o que significou para a transformação da sua arte a convivência com um mundo exterior à sua própria civilização.

O Maior Poeta da China
Michael Wood
Temas e Debates
269 páginas