Saúde
04 janeiro 2024 às 07h13
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Gripe A enche Cuidados Intensivos. Maioria dos doentes internados não estava vacinada

O vírus Influenza está aí. Na sua época, ou seja, no Inverno, e precisamente no período que normalmente atinge o seu pico, entre o final de dezembro até ao final de janeiro ou fevereiro. E tal como antes da pandemia está a encher Serviços de Urgência e Unidades de Cuidados Intensivos, mas “já não nos lembrávamos”.

O vírus da Gripe (Influenza) voltou em força neste inverno. Os especialistas dizem que é na sua versão Tipo A (vírus H1N1), sobre a qual ouvimos falar muito em 2009, mas também um pouco na sua versão Tipo B, o que está a provocar pneumonias e infeções bacterianas graves. Isto mesmo está refletido no último relatório do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, publicado no dia 28 de dezembro, reportando à semana 51 do ano 2023, onde a amostra recolhida pela Rede Portuguesa de Laboratórios para o Diagnóstico da Gripe e Vírus Respiratórios revela terem sido identificados 910 casos positivos para o vírus da gripe, dos quais 837 do tipo A e 5 do tipo B, alguns com gravidade.

Uma tendência que, de acordo com a informação recolhida pelo INSA, começou a ser percecionada na semana 40/2023 - ou seja, ainda em outubro, quando as Unidades de Cuidados Intensivos passaram a reportar casos de Gripe A graves. Na altura, recorde-se, houve especialistas que vieram a terreiro alertar para a necessidade da vacinação, considerando que a taxa de cobertura era insuficiente nas faixas etárias mais elevadas e que tal poderia ter consequências mais tarde. Pois bem, o resultado parece estar à vista: Serviços de Urgência cheios e Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) a ficarem sem resposta. Há hospitais que já alertaram para o facto de estarem a entrar em pressão. Ou seja, com dificuldade de gerir camas. 

O coordenador do Departamento de Medicina Intensiva e de Urgência do Hospital de Abrantes, Nuno Catorze, um dos que fez soar os alarmes sobre o facto de estar a ficar com a capacidade completa, explicou ao DN que “nos últimos dez dias internámos 15 doentes com Gripe A e, destes, 12 não estavam vacinados”, o que para este médico significa que o cenário que se está a viver agora nas Urgências e nas UCI “é o reflexo da ausência da vacinação contra a Gripe”. “Se não estou em erro, o Médio Tejo é uma das zonas do país onde a taxa de vacinação contra a gripe e contra a covid é muita baixa e isso está a sentir-se na pressão na medicina intensiva, embora, este ano, o problema seja a Gripe A”, destaca. Na sua unidade, Nuno Catorze diz ter recebido doentes com gripe entre os 42 anos e os 76, sendo que cerca de 90% tinha comorbilidades, mas o mais significativo é que “a esmagadora maioria não estava vacinada”. “Algo falhou e deve ser estudado, não sei se foram as campanhas de vacinação ou qualquer outra coisa, o que sei é que este inverno está a correr mal”, frisa. 


Filipe Froes, pneumologista e diretor da Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital Pulido Valente, em Lisboa, e ex-coordenador do Gabinete de Crise para a covid da Ordem dos Médicos, diz mesmo que “a maioria das pessoas internadas em UCI tem gripe e não tinha vacinação”, esclarecendo que “o facto de estas unidades terem muitas camas ocupadas com gripe diminui a capacidade de resposta para as outras patologias, nomeadamente para as mais complexas do foro cirúrgico, que têm de fazer o pós-operatório imediato em Cuidados Intensivos. E se não há vagas qualquer unidade está sob pressão”.

O médico recorda até que a taxa de cobertura vacinal da gripe em 2019 para a população com mais de 65 anos era superior à de agora. “Em 2019, a taxa de cobertura vacinal para a faixa acima dos 60 anos era superior a 75%. Este ano, os dados preliminares apontam para uma cobertura de 62%. Só se encontra uma taxa de cobertura de 75% na população que ronda os 80% anos”, o que, considera, é insuficiente. 


A nível das unidades centrais, o coordenador de um dos departamentos de medicina intensiva do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, que integra os hospitais São José, Curry Cabral, Capuchos, Santa Marta, D. Estefânia e Maternidade Alfredo da Costa, explicou ao DN que estes serviços também “têm estado constantemente em pressão”. “A situação tinha acalmado desde a covid-19, porque reforçámos muito a nossa capacidade de resposta em termos de camas, que felizmente não perdemos, mas agora estamos com a pressão que tínhamos nos anos anteriores a 2019 com a gripe. Que é uma pressão grande”, diz Philip Fortuna, especificando: “Das  68 camas existentes para a medicina intensiva, cerca de um quarto estão ocupadas com doentes com gripe”. Sublinha, no entanto, que “a pressão é complexa, mas não tem comprometido a atividade normal do hospital”.


Se há algo em que os três especialistas concordam é que “o quadro que se vive agora não é muito diferente de qualquer outro vivido num Serviço de Urgência ou numa UCI antes do período pandémico. “Nós é que parece que nos esquecemos da gripe”, dizem-nos. Philip Fortuna destaca: “Temos doentes internados com gripe, que estão entre os 30 e os 60 anos, e que desenvolveram pneumonias e infeções bacterianas” - doentes que nem sequer tinham indicação para serem vacinados de acordo com o critério da idade, já que a vacina da gripe, tal como a da covid, é gratuita só para pessoas com 60 ou mais anos.

 Mas, sublinha, “o que estamos a ver neste início de 2024 é o padrão normal das infeções sazonais respiratórias. Isto é, temos uma infeção dominante e quando esta infeção deixa de o ser, há outra que aparece. É o que está a acontecer. Nos últimos anos, tivemos a covid-19 como dominante, o ano passado pode dizer-se que foi um ano de ‘lua de mel’, em que a covid praticamente desapareceu, fruto da  forte campanha vacinal, e em que o vírus da gripe apareceu numa proporção muito pequena. Este ano, a gripe surge num crescendo e explode agora”.

Algo que, para o intensivista, também não significa que tal se deve ao facto de o vírus em circulação ser mais virulento, ou seja mais forte. “É cedo para se dizer isso, acho que estamos a pagar a fatura do inverno calmo que tivemos há um ano. O inverno sempre foi bastante agressivo com as infeções respiratórias, mas parece que deixámos de estar habituados ao H1N1 e às infeções bacterianas”. 


Para Filipe Froes, o quadro que se vive agora também é um cenário normal de pico de gripe, não querendo dizer que haja mais virulência ou que o vírus H1N1 esteja mais forte. “Se formos ver notícias anteriores à pandemia se calhar até tínhamos mais atividade gripal”. A questão é que “a maior parte das pessoas internadas com gripe tinha critérios para vacinação e não a fez”, o que depois compromete a forma de resposta do organismo ao vírus e, ao mesmo tempo, a resposta dos serviços.  

Tópicos: Gripe A, SNS