Afastada por Costa, Marcelo e Francisca Van Dunem - decisão “estranha” e sem “decência, disseram Passos e Cavaco que a tinham nomeado -, Joana Marques Vidal [PGR entre 2012 e 2018 e que morreu em julho deste ano] foi invocada este sábado, por duas vezes, na tomada de posse de Amadeu Guerra.
Ao agradecer a quem tinha nomeado, em 2018, o Presidente fez questão de dizer a Lucília Gago que entrou na PGR “em condições particularmente difíceis, nomeadamente um juízo coletivo muito crítico quanto ao tempo da Justiça, ainda mais crítico na justiça penal complexa, internacionalizada, envolvendo poderes políticos, administrativos, económicos e sociais”.
A lembrança das condições “difíceis” reflete os “poderes” investigados, sob tutela de Joana Marques Vidal, na Operação Marquês [envolvendo Sócrates, Ricardo Salgado, Zeinal Bava, entre outros], na operação Fizz [com Manuel Vicente, ex-vice presidente de Angola], o caso do “Universo Espírito Santo, as rendas excessivas da EDP [envolvendo António Mexia e Manuel Pinho, entre outros], as viagens de governantes ao Euro2016, o caso de Tancos, o caso da Raríssimas [envolvendo políticos socialistas] e ainda, por exemplo, o caso dos cartões de crédito nos governos de Sócrates, ou a operação LEX que envolveu, entre outros, Luís Filipe Vieira.
Ausente da memória ficou a pergunta sem resposta de Joana Marques Vidal sobre a justificação jurídica para a sua saída - “Terá de perguntar isso aos próprios [Costa e Marcelo]” - e a certeza de que “a nossa Constituição e a nossa lei prevê a possibilidade de renovação do mandato” do PGR. “Basta estudarem”, disse.
A segunda invocação, também por Marcelo, foi concretizada nos elogios a Amadeu Guerra com um “curriculum vitae muito experiente, sólido, portador de ascendente institucional e pessoal, inevitavelmente ligado a um tempo e a uma liderança forte e internamente unificadora” - a de Joana Marques Vidal que o nomeou, em 2013, para diretor do DCIAP.
O novo procurador-geral da República, que Cunha Rodrigues e o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura diziam não poder exercer o cargo por em breve fazer 70 anos, traçou “linhas vermelhas”, apresentou reivindicações - que apelidou de “apelos” - e acusou “os sucessivos governos” de “falta de investimento”.
Estando a Justiça “condicionada pela falta de meios humanos”, Amadeu Guerra apelou ao Governo “que dê prioridade à revisão do Estatuto dos Funcionários de Justiça e que estabeleça mecanismos que permitam tornar a carreira mais aliciante”. Explicação? “Quem trabalha ou acompanha a realização da Justiça está consciente de que a falta de oficiais de justiça é preocupante no Ministério Público.”
E logo de imediato referiu, no “apelo” seguinte, a “morosidade nos tribunais administrativos e fiscais”, pedindo a ”tomada de medidas que assegurem - num curto prazo - a resolução do problema das pendências”.
Criticando a “falta de investimento dos sucessivos Governos” que travam “a eficiência do sistema de Justiça”, Amadeu Guerra pede “um novo impulso no processo de transição digital na Justiça (…) em meios tecnológicos avançados, em aplicações informáticas de gestão processual ou sistemas de gestão e tratamento da prova recolhida” sem os quais, sublinhou, a Justiça fica limitada.
Um aviso: “Há, igualmente, linhas vermelhas que não aceito, nomeadamente, a alteração do Estatuto do Ministério Público em violação da Constituição e da sua autonomia e independência.”
E por fim um conselho e um alerta aos que na política “de forma precipitada, por vezes, sem justificação” alteram leis por causa de processos com impacto mediático.
“Sou desfavorável, em termos gerais, a alterações legislativas levadas a cabo na decorrência de processos concretos, de forma precipitada, por vezes, sem justificação e sem ponderação, designadamente, dos efeitos e consequências que, no futuro, podem ocorrer”, avisou.
Sobre Lucília Gago, que cessou funções, Marcelo traçou uma retrato de seis anos de mais “agruras, incompreensões e sacrifícios do que bonança, mar sereno ou bons ventos”.
Também Amadeu Guerra falou do que foi o mandato de Lucília Gago, na Procuradoria-geral da República, que “sem sorte” exerceu o cargo com “honestidade intelectual e de forma dedicada”.