Ciência Vintage
11 junho 2024 às 07h38
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Rumo à Polinésia a bordo da jangada Kon-Tiki

Na década de 1940, uma expedição norueguesa demandou as águas do Pacífico. A Expedição Kon-Tiki, liderada por um sonhador geógrafo, pretendia provar a teoria de milenares viagens oceânicas rumo à Polinésia, a partir da América do Sul. A demanda contou com anúncio mundial. O documentário resultante ganharia um Óscar.

Nos 111 minutos de duração do filme Um Americano em Paris, os atores Gene Kelly e Leslie Caron entregam-se com energia à película estreada em 1951, um musical com os acordes saídos do génio do compositor George Gershwin. O filme, realizado por Vincente Minnelli, oferece-nos uma história de amor e intriga ambientada na capital francesa. O filme conquistou plateias dentro e fora dos Estados Unidos. Em 1952, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas entregava nas mãos da equipa e atores de Um Americano em Paris um total de seis óscares, entre eles o de melhor filme.

Na mesma cerimónia, a 24.ª da entrega dos Óscares, subiu ao palco um excêntrico norueguês. Não obstante longe da sua terra natal, Thor Heyerdahl não era um estranho para o público norte-americano. Cinco anos antes, o aventureiro nascido em 1914, protagonizara uma história com escala noticiosa global. Heyerdahl e cinco companheiros de viagem tentaram recriar uma epopeia antiga, aquela que supostamente levara à colonização da região Polinésia por via marítima, fruto da travessia oceânica de populações da América do Sul. Hoje – e também na época – esta é uma hipótese refutada com base científica. Thor Heyerdahl não estava convencido desse facto quando, em Los Angeles, acolheu nas mãos a estatueta dourada. Kon-Tiki, um filme de 77 minutos, arrecadou em 1952 o óscar de melhor documentário de longa-metragem. Heyerdahl realizara e produzira dois anos antes a película em língua norueguesa. Também nela contracenara. O norueguês que em criança sonhava com explorações transatlânticas, depois estudara zoologia e geografia, recriava para a Sétima Arte a aventura que vivera ao longo de 111 dias nos mares turquesa do Pacífico Sul. O filme Kon-Tiki sucedia ao livro de 1948, publicado em diversas línguas, The Kon-Tiki Expedition: By Raft Across the South Seas (A Expedição Kon-Tiki: De Jangada pelos Mares do Sul). A Expedição Kon-Tiki, que também apadrinhou a jangada que a empreendeu, foi mais do que a intenção de provar uma teoria pseudocientífica. Inspirou uma geração de navegadores oceânicos de diferentes nacionalidades. Entre si, partilhavam o facto de se lançarem à sorte marítima em jangadas. Kon-Tiki deu mote a livros de diferentes géneros, documentários para televisão e cinema, A Expedição Kon-Tiki: De Jangada pelos Mares do Sul anima um museu situado em Oslo, capital norueguesa. Ali descansa a tosca embarcação que, a 28 de abril de 1947, se fez ao mar para um périplo de 6.900 Km entre a costa do Peru, na América do Sul e um recife remoto nas proximidades do atol de Raroia, na Polinésia Francesa.

Financiada por empréstimos privados e com recurso a equipamentos doados pelo exército dos Estados Unidos, a Expedição Kon-Tiki alicerçava o sucesso da empresa na jangada construída em madeira balsa. A embarcação foi construída no Peru de acordo com ilustrações dos conquistadores espanhóis. Thor Heyerdahl e a sua equipa procuravam, tanto quanto possível, recriar as condições exatas da viagem milenar. O explorador tentava provar que uma tecnologia arcaica, como a que teria sido usada pelas populações pré-colombianas, permitiria longas travessias oceânicas. A expedição concedia algumas benesses ao presente. Sobre os nove metros de troncos de balsa, irmanados com cordas de cânhamo, viajava uma estação de radioamador, uma bateria e gerador que lhe davam suporte. Nas semanas de aventura, o rádio emitiria para estações em terra, nos Estados Unidos, Canadá e países sul-americanos. Sobre as águas do Pacífico erguia-se um mastro de nove metros de altura de madeira de mangue e uma pequena cabana de bambu. Tudo o mais dependia do engenho e conhecimento de Erik Hesselberg, navegador e artista, Bengt Danielsson, sociólogo interessado em migrações humanas, Knut Haugland e Torstein Raaby, especialistas de rádio e Herman Watzinger, engenheiro especialista em medições técnicas. Nos mais de cem dias que durou a expedição, os seis homens contaram com mil litros de água, cocos, batata-doce, frutas e raízes variadas e com a generosidade do oceano. Peixes-voadores, atuns e tubarões, entre outros, serviram a dieta regrada da tripulação.

A 28 de abril de 1947, um arrastão dirigiu a jangada Kon-Tiki até a 80 Km ao largo do litoral do Peru. Havia que evitar o tráfego costeiro. Nas semanas que se seguiram a viagem prosseguiu sem sobressaltos. A 2 de julho, Heyerdahl reportaria no diário de bordo – e mais tarde no livro que escreveu – o episódio das Três Irmãs. Um trio de ondas que fez perigar o bom sucesso da expedição. “Durante um turno noturno, com mar calmo, surgiu uma onda enorme, anormal na sua dimensão, seguida de mais duas ondas. A jangada foi sacudida para cima e para baixo. Ficou coberta de água”. Um percalço numa viagem que prosseguia serena. A 30 de julho, a expedição aportou ao atol de Puka-Puka, nas Ilhas Cook; a 4 de agosto avistou a ilha de Angatau. A má sorte chegaria no dia 7 de agosto. Um minúsculo recife no atol de Raroia ditaria o fim da ambição da Expedição Kon-Tiki. Encalhada, inoperacional, a jangada reteria a tripulação por vários dias. Seria resgatada por uma população de uma ilha próxima. De Raroia, a reboque de uma escuna francesa, Kon-Tiki chegaria ao Taiti sem glória.

Para Thor Heyerdahl e a sua tripulação ficaria uma história para contar com contornos de epopeia marítima. Os pressupostos da expedição, controversa, não ganharam o apoio da comunidade científica. Thor acreditava que os habitantes originais da Ilha de Páscoa eram uma raça de homens de barba branca que, alegava, partira do Peru. Afirmava Heyerdahl que esta população era originária do Médio Oriente e que já havia cruzado o Atlântico rumo a novos horizontes, nas américas. Atualmente, grande parte das evidências arqueológicas, linguísticas, culturais e genéticas apoiam a origem ocidental das populações da Polinésia, provenientes do Sudeste Asiático.

Para Thor Heyerdahl, o oceano continuaria a ser um palco até à data da sua morte, em 2002. Em 1969 e 1970, construiu as embarcações de junco Ra I e Ra II, respetivamente, para se lançar da costa oeste de África rumo a Barbados, nas Caraíbas. Em terra, o explorador lançou-se em 1981, 1994, 1999 e em 2000 nas planícies do Azerbaijão, onde, acreditava haviam vivido os ancestrais dos noruegueses. Em 2012, Kon-Tiki, um filme norueguês, filmado em Malta, foi indicado ao Óscar de melhor filme estrangeiro. Não ganhou a estatueta. Parte da magia de Kon-Tiki perdera-se na década de 1950.

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