Sociedade
18 setembro 2024 às 00h46
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Cientista do i3S ganha bolsa milionária do Conselho Europeu para investigar alteração das células

Helder Maiato conseguiu, aos 48 anos, reunir no seu currículo as três categorias de bolsas do Conselho Europeu de Investigação. A última, agora atribuída, no valor de três milhões de euros, vai permitir-lhe estudar como as células de veados podem levar a respostas sobre o cancro.

"Como é que o processo de divisão das células se adaptou a alterações no número de cromossomas que ocorreram ao longo da evolução?” Esta foi a pergunta certa descoberta pela equipa do investigador Helder Maiato, coordenador do grupo de investigação dedicado à Dinâmica e Instabilidade Cromossómica, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), que ganhou três milhões de euros e cinco anos para mais uma investigação, através da atribuição de uma bolsa do Conselho Europeu - European Research Council Advance Grant. A investigação vai assentar no estudo da evolução das células em duas espécies de veados geneticamente idênticas - uma com seis cromossomas e outra com 46, como os humanos - e tentar obter respostas que permitam perceber melhor o cancro e tratá-lo.


Ao DN, Helder Maiato, também professor catedrático convidado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e autor de mais de uma centena de publicações científicas, confessa que “esta bolsa é um balão de oxigénio”, sobretudo “numa altura em que a ciência fundamental tem sido tão maltratada”. E explica: “ Os engenheiros procuram respostas e soluções. Os cientistas procuram perguntas e ficamos muito fascinados com a descoberta da pergunta certa, original, e com o facto de através desta podermos fazer alguma diferença com os resultados que esperamos alcançar.”


Mas a pergunta certa traz consigo já muitos anos de investigação e, por isso mesmo, Helder Maiato considera que a bolsa agora atribuída é uma forma de reconhecimento do que têm feito ao longo destes anos. "É o reconhecimento de que temos andado a pensar bem, porque não premeia, digamos assim, o futuro, mas o passado e o que foi feito até aqui”, afirmou.


O ERC Advance Grant  não vale só pelos três milhões de euros que irão financiar a investigação - “já que um dos grandes quebra-cabeças da ciência é o seu  financiamento” -, mas também pelos cinco anos que dá aos investigadores para procurar resultados. Como explica o investigador do i3S, “o contrato deste projeto foi fechado ontem (segunda- -feira) e terá início a 1 de janeiro de 2025, e a duração de cinco anos, o que é uma novidade para a investigação científica”.


Helder Maiato sustenta: “Ter um horizonte temporal de cinco anos para concluir um projeto é maravilhoso, normalmente temos um ano e meio, dois ou três no máximo para investigar. Mas o tipo de trabalho que se pode fazer num horizonte temporal curto é completamente diferente daquilo que se pode fazer num horizonte temporal mais alargado. Há outro tipo de margem de erro que nos permite explorar os imprevistos.”


E continua: “Hoje, quando concorremos a uma bolsa temos de ter o projeto praticamente acabado, tão claro e sem equívocos em relação ao que nos propomos fazer, que quase não se assumem riscos, tão necessários em ciência, porque é neles que estão, muitas vezes, as grandes fronteiras do conhecimento e os maiores desafios.”


Estudo sobre divisão celular poderá levar a respostas sobre o cancro


Para responder à pergunta certa - “Como é que o processo de divisão das células se adaptou a alterações no número de cromossomas que ocorreram ao longo da evolução?” -, a equipa de Helder Maiato vai estudar duas espécies geneticamente idênticas de veado (em que uma conta com seis cromossomas e a outra com 46, como os humanos) e tentar perceber os desafios com que cada espécie tem de lidar na altura da divisão das células.


O investigador conta que a verdadeira motivação do trabalho é compreender os mecanismos de evolução a nível celular, já que “uma das características que nos diferencia dos chimpanzés é a diferença no número de cromossomas”, explicando: “Nós herdámos  dois cromossomas dos chimpanzés que se fundiram e deram origem a um cromossoma distinto em humanos. O ser humano tem 46 cromossomas (23 pares) e o chimpanzé tem 48 (24 pares). E isto levanta questões: a fusão de dois cromossomas deu-nos alguma vantagem na sobrevivência da espécie? Os processos de divisão celular são mais eficientes? Há mais erros ou menos? E haver mais ou menos erros é uma desvantagem?”


Todas estas perguntas vão ser transpostas para as duas espécies de veados, onde a diferença no número de cromossomas é mais acentuada. Os genomas destas duas espécies já foram sequenciados, agora “estamos a ressequenciar as regiões mais repetitivas que ainda não se conhecem, em conjunto com um consórcio americano”.


Para já, sabe-se que “ambas as espécies divergiram de um ancestral comum que tinha 70 cromossomas e que, por exemplo, os veados são os mamíferos que apresentam a menor incidência de cancro. Mas será que o que tem seis cromossomas consegue viver mais tempo sem cancro? Parece haver alguma vantagem em haver menos cromossomas, mas quão menos”?

O investigador destaca que “a cereja no topo do bolo seria perceber qual o número mínimo de cromossomas que uma célula de mamífero pode tolerar e, em laboratório, através da engenharia genética, vão fazer a fusão de cromossomas para perceber esse limite. “Vamos tentar criar uma célula de mamífero com um único cromossoma, para perceber se é possível compactar toda a informação genética num só cromos- soma, à semelhança do que acontece naturalmente em alguns insetos”.


Helder Maiato diz estar “absolutamente convencido de que a nossa pergunta, por enquanto meramente básica, terá repercussões fundamentais para compreendermos e tratarmos o cancro no futuro”.