Opinião
24 junho 2024 às 20h24
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O significado do mini périplo de Putin pela Ásia

Aparentemente, não terá sido o mandado de captura emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) que impediu Vladimir Putin de levar a cabo o seu périplo pela Ásia, visitando a Coreia do Norte e o Vietname.

A análise sobre a função e o poder do TPI poderia ser vasta, contudo, por ora, clarifica-se apenas que só os Estados que reconhecem a sua jurisdição estão obrigados a executar os seus mandados. E como a Coreia do Norte e o Vietname não são disso exemplo, Putin nada teve a temer nas suas deslocações.

Ainda assim, esta espécie de “livre circulação” de Putin quase legitima a sua ação. Aliás, foi precisamente essa a ideia que o Kremlin quis explorar, ou seja, a normalização das relações internacionais da Rússia. Enquanto o Ocidente aplica sanções, condena e bane, a Oriente está tudo normal, com receções oficiais, assinatura de tratados e estabelecimento de acordos económicos bilaterais.

As deslocações de Putin não foram feitas ao acaso ou por serem as únicas possíveis, pelo contrário. Comece-se pelo exemplo da Coreia do Norte. Putin e Kim não se encontravam desde setembro de 2023 e a última visita do presidente russo aconteceu em 2000. No entanto, e apesar da especulação sobre o apoio militar de Pyong Yang a Moscovo em troca de conhecimento e tecnologia, o que se sabe é que foram assinados novos acordos bilaterais entre os dois estados.

Desses novos acordos sabe-se pouco. A informação disponível remete para a renovação de protocolos assinados anteriormente, com uma exceção que merece destaque: um tratado de defesa recíproca, que no caso de haver agressão a um dos estados, o outro terá de defender o agredido. A acontecer, esta intromissão da Rússia no conflito das Coreias, e da Coreia na Guerra da Ucrânia, pode trazer algumas complicações futuras a todos os países do eixo ocidental.

Ao contrário da Coreia do Norte, excomungada pela comunidade internacional com pequenas exceções, o Vietname é uma economia crescente e que se tem vindo a afirmar no sudeste asiático.

Com ligações históricas e ideológicas à Rússia e à China, o Vietname ostenta um regime comunista de partido único com algumas particularidades interessantes. É disso exemplo o caso da posição do país relativamente à Ucrânia. Sem condenar a Rússia, tem mantido a neutralidade e defende a integridade do território.

Desde a guerra da Indochina e, mais tarde, do Vietname, que Hanói depende em grande medida do apoio militar russo. Porém, esses tempos já lá vão e no presente o Vietname, apesar de comunista, tem relações económicas com o Ocidente e afirma-se como um parceiro neutral. E fá-lo através da conhecida “diplomacia do bambu”, uma planta que abunda no território, que aguenta muito peso, oscila de um lado para o outro e não cede ou parte com facilidade.

A visita a Hanói não agitou apenas Washington. Pequim, que testemunhou o aumento da dependência de Moscovo ao longo dos últimos três anos de guerra, vê também o potencial russo junto do Vietname. Esse pode manifestar-se através das companhias nacionais russas, como a Gazprom, que explora recursos naturais em alguns territórios no sul do Mar da China, em disputa entre a China e o Vietname. Aí, Putin poderá ter um papel determinante.

Afinal, o isolamento “decretado” a Putin saiu furado, acabando esse por aparecer onde é menos esperado, seja junto do ostracizado Kim ou do crescente Vietname. Relembrem-se as palavras de um diplomata americano em Hanói: “nenhum estado deve dar a Putin uma plataforma para promover a sua guerra de agressão e assim permitir a normalização das suas atrocidades”.