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Ciência
03 novembro 2024 às 00h01
Leitura: 6 min

Um futuro para a humanidade a 200 metros sob as ondas do oceano

Numa pedreira abandonada no Oeste de Inglaterra toma forma o sonho de uma empresa de investigação oceânica. A britânica DEEP quer revolucionar os sistemas de habitats subaquáticos para humanos.

Testar a viabilidade de colónias humanas a habitar o meio marinho, a 300 metros de profundidade, por longos períodos, assim se consubstanciava o projeto Conshelf (Continental Shelf Station), que ocupou o trabalho do oceanógrafo francês Jacques-Yves Cousteau na década de 60. Em três fases principais, Cousteau e a sua equipa estudaram os efeitos da pressão subaquática no corpo humano e a sustentabilidade de vida submersa. Da teoria à prática, apenas três módulos foram concluídos, instalados a uma profundidade máxima de 100 metros. Nas últimas décadas, diversos projetos apontam a vontade humana de habitar em permanência diferentes regiões das plataformas continentais, com fins diversos. O habitat subaquático Aquarius Reef Base, ativo desde os anos 80 nas Florida Keys, é um exemplo viável para pesquisas oceânicas e de treino de astronautas da NASA. O SeaOrbiter, uma estação de pesquisa semissubmersa concebida pelo arquiteto e oceanógrafo francês Jacques Rougerie, ainda em desenvolvimento, centra-se em estudos oceanográficos. Já o Proteus, projeto do explorador Fabien Cousteau, neto de Jacques, visa construir um habitat modular submerso nas Caraíbas até ao final desta década.

Nas cercanias da cidade de Bristol, na costa ocidental inglesa, uma pedreira de calcário abandonada oferece a sua enorme bacia de águas pluviais à investigação da futura permanência humana em fundos marinhos. Com 600 metros de comprimento, 100 metros de largura e 80 metros de profundidade, a pedreira serve os testes da visão futurista de uma empresa britânica de tecnologia oceânica, a DEEP. Em outubro de 2023, em conferência de imprensa, a DEEP anunciou o desígnio do trabalho que desenvolvia em segredo há vários anos: o de criar um habitat subaquático designado sistema oceânico Sentinel. Até ao final de 2026, a empresa britânica de investigação oceânica propõe-se colocar no fundo marinho, a 200 metros de profundidade, “uma tripulação de seis indivíduos totalmente treinados, enviada para o sistema Sentinel, o que iniciará a era da presença contínua da humanidade debaixo de água”. Assim apontava a DEEP em comunicado de imprensa no momento do anúncio do seu projeto. É intenção da empresa britânica ampliar o acesso humano à maioria das plataformas continentais do mundo, incluindo a zona epipelágica, ou “luz solar”. O objetivo  é levar a espécie a “tornar-se uma parte natural dos biomas e ambientes oceânicos”, como destaca no seu site.

Um plano ambicioso, apoiado no trabalho de mais de 130 profissionais de engenharia, design, mergulho e medicina. De acordo com o site da revista Oceanographic, “após dois anos de pesquisa intensiva e pioneira em processos de fabrico inovadores e ciência dos materiais, a DEEP está em estágio avançado de design técnico e iniciou a produção. Anteriormente, as instalações subaquáticas eram temporárias e de localização fixa. O habitat projetado pela DEEP é modular, escalável, autónomo, recuperável e reconfigurável”.

“A plataforma Sentinel não é um produto, é um sistema que compreende o habitat Sentinel, mas também a próxima geração de submersíveis DEEP, equipamentos de mergulho e um sistema operacional de treino e segurança holístico desenvolvido pelo Instituto DEEP no nosso campus”, observou, aquando da conferência de imprensa, Steve Etherton, presidente para a Europa, Médio Oriente e África da DEEP. Para os promotores do projeto, “embora o sistema Sentinel seja inovador, este representa apenas um primeiro passo na construção de uma organização robusta que permitirá uma compreensão mais profunda do oceano. A NASA não é uma fabricante de foguetes e, da mesma forma, a DEEP não é apenas uma fabricante de Sentinel”, sublinham no site que dá voz ao projeto.

O projeto Sentinel corporiza-se em módulos interligados, escaláveis e adaptados a grupos de seis a 50 pessoas, com uma vida útil de 20 anos. Ao longo deste período os módulos podem ser implantados, recolhidos e reimplantados em diferentes locais. “Tal facto permite que os proprietários e operadores do Sentinel trabalhem em diferentes projetos, algo inviável nos habitats tradicionais”, destaca a DEEP no seu site. Os módulos oferecem suítes individuais com casas de banho, espaços de trabalho e áreas sociais. 

Mais recentemente, a DEEP anunciou o lançamento do Vanguard, um módulo precursor do Sentinel, traduzido num habitat subaquático, com 12 metros por 7,5 metros, capaz de acolher até três pessoas e para períodos de permanência a alcançarem uma semana. De acordo com a empresa britânica, o Vanguard estará pronto para ser lançado à água no campus da DEEP em 2025. De acordo com Timmy Gambin, professor de Arqueologia Marítima na Universidade de Malta, citado no site da DEEP, este é “um pequeno habitat transportável para mergulhadores operarem com segurança, proporcionando tempos de mergulho prolongados em locais com acessibilidade limitada. Tal acelerará significativamente a evolução da arqueologia subaquática”.