Esse é um dos aspetos. Não indo mais longe, mas comparando com os nossos vizinhos espanhóis, vemos que há uma discriminação do consumidor português face ao seu congénere consumidor espanhol. Digo consumidor de veículos automóveis porque, ao optar pela compra de um veículo em Portugal, face ao consumidor espanhol, há aqui uma discriminação do consumidor português a pagar muito mais de impostos do que paga o consumidor espanhol. Sobre o mercado em 2023, vai-se aproximando gradualmente dos valores pré-pandemia, mas ainda não atingiu esses valores. Há, naturalmente, outros aspetos em termos de situação económica, a subida das taxas de juros também, que condiciona aquilo que é o índice de confiança dos consumidores e das empresas. Tivemos no ano anterior [2022] ainda, que foi superada em 2023, a famosa questão da escassez dos microcondutores na indústria, a paragem de fábricas, mas o aspeto estrutural, na nossa opinião, é realmente esse da fiscalidade. E há um aspeto que gostava também de salientar de fiscalidade e que foi muito discutido no final do ano, que é também a relação ISV com o IUC [imposto único de circulação], porque houve uma reforma feita em 2007 e ficou preconizado – mas que não está escrito no código do ISV e do IUC. O aumento do IUC foi muito agravado nessa altura e gerou-se muito mais receita para o Estado. Só para termos uma noção, em 2023, o IUC, entre aquilo que é para o Estado e para as autarquias locais, gerou 830 milhões de euros. Era uma verba quase insignificante em 2007, quando foi feita a reforma, porque era uma verba apenas para as autarquias, nem sequer ia para o Governo central, era um valor simbólico. Mas aquilo que ficou preconizado é que, quando houvesse um aumento, conforme fosse havendo um aumento do valor de receitas do IUC, haveria um phase-out do imposto de matrícula. Ou seja, o consumidor paga no momento da utilização e haveria um phase-out do momento do pagamento da matrícula. E isso nunca aconteceu nestes 17 anos, nunca nenhum Governo disse “vamos lá reduzir aqui o imposto sobre veículos, as taxas”, porque realmente há aqui um aumento de impostos sobre a utilização. O que houve de alguma redução global de carga fiscal é, como há uma componente de emissões de CO2, os carros cada vez emitem menos e, naturalmente, ao emitirem menos, têm uma melhor performance e pagarão menos imposto conforme menores emissões tiverem.
O Governo deixou cair uma "reforma ambiental" durante a discussão do Orçamento do Estado para 2024, em que pretendia introduzir na cobrança do IUC a componente da cilindrada e das emissões de CO2 nos veículos com matrícula anterior a 2007. Estamos em 2024, essa medida caiu para o orçamento deste ano passar, porque foi muito contestada. Mas quando houver novo Governo, receia que a medida volte a ser equacionada?
Não penso que, dada a polémica social que foi criada à volta dessa medida, venha a ser reequacionada com o novo Governo, seja ele qual for. Penso que o novo Governo, quando entrar em funções, e nós, como representantes do setor do comércio industrial automóvel, vamos exigir o cumprimento do que está aprovado na Lei do Orçamento do Estado. Quando o Governo entrou em gestão face à demissão do primeiro-ministro, a preocupação que existiu e que foi transmitida ao Presidente da República, foi que se não se aprovasse o Orçamento do Estado para 2024 traria problemas diversos em inúmeros setores. O Presidente da República foi sensível e houve espaço para aprovar o orçamento, que tem o artigo 281 que prevê o incentivo ao abate. Portanto, seja qual for o Governo que sair das eleições, e cumprindo o que está aprovado, achamos que uma medida prioritária que tem de tomar em relação ao setor automóvel é implementar esse artigo 281, que prevê a criação de um programa de incentivo ao abate. E, como disse, só não foi ainda implementado porque realmente o Governo entrou em gestão e entendeu que a implementação de um programa desses, apesar de estar na Lei do Orçamento, extravasaria a competência de um mero Governo de gestão. Mas um futuro governo terá necessariamente de ver essa medida que está aprovada. É uma das medidas que tem de tomar quando tomar posse, antes de quaisquer outras.
E essas medidas que podem ser equacionadas pelo novo Governo passam pela reintrodução da possibilidade da acumulação dos mecanismos de incentivo ao abate com mecanismos de incentivos para a compra de veículos elétricos, essa deverá ser uma prioridade do próximo Governo?
Claramente, essa deverá ser uma prioridade. Achamos que deverão coexistir, porque temos duas situações: a mobilidade elétrica - é um desígnio que a indústria automóvel implementou na sequência daquilo que foram as metas definidas pela UE em termos da descarbonização, quer para 2030, quer para 2035, a indústria automóvel é claramente aquela que está mais à frente em termos de descarbonização na União Europeia; e a acessibilidade a essa nova mobilidade. Ou seja, sendo ainda um valor desses veículos, porque é uma nova tecnologia, acima daquilo que é o valor tradicional que as pessoas estariam disponíveis, sobretudo particulares, a despender, tem que haver uma política de incentivos, como tem existido noutros países. Também em Portugal tem de haver essa política de incentivos para as pessoas poderem ter acesso a essa nova mobilidade e para existir aqui uma coesão social, ou seja, não discriminar cidadãos no acesso a esta nova mobilidade em função dos seus rendimentos, enfim, da sua situação económica. Poder-se-á dizer, "bom, mas um dia esses incentivos têm que deixar de existir". Tudo bem, mas foram os poderes políticos, quer a nível europeu, quer a nível nacional, e concretamente falamos do governo português, que estabeleceram estas metas, estabeleceram a eletrificação como um desígnio. E compete, quer a nível europeu quer a nível nacional, que haja um apoio nesse sentido. Um outro aspeto é a questão das redes de carregamento. A União Europeia estabeleceu estas metas para 2030 e 2035, uma política de definição de uma rede de pontos de carregamento em todos os 27 países da UE para haver uma circulação dos cidadãos. Até há muito pouco tempo 50% dos pontos de carregamento de toda a UE estavam em dois países - Holanda e Alemanha. E este é um aspeto que tem de ser equacionado também, porque não é suficiente. A UE pensa que faz muitas leis, muitos regulamentos e diretivas e está tudo bem, mas não é assim. A realidade que existe no terreno é aquilo que os cidadãos precisam.
Antes de aprofundar ainda mais o tema das redes de carregamento, deixe-me colocar uma questão que tem a ver com o Fundo Ambiental, que tem uma dotação específica para apoiar a compra de carros elétricos. Essa dotação para 2024 diminuiu de dez milhões para seis milhões de euros. Como é que viu essa redução?
O Fundo Ambiental existe para apoiar a medida de descarbonização e a eletrificação do parque automóvel é um desígnio que os próprios governos definiram e o que deveria existir era um reforço desse montante. Sabemos que o Fundo Ambiental está muito exaurido com investimentos que são importantes em várias áreas, mas tem de haver aqui uma gestão, porque também sabemos que o Fundo Ambiental, nos últimos tempos, teve um reforço de receitas muito significativo. É uma contradição essa redução do valor. E um outro aspeto é que o número de veículos ligeiros de passageiros abrangidos é sempre o mesmo há vários anos e as vendas de elétricos estão a crescer três dígitos ao ano. Em 2023, cresceram 101% face a 2022. Não podem ficar sempre os 1300 veículos que se esgotam imediatamente quando o processo é aberto. Deveria acompanhar-se a realidade do mercado. O Fundo Ambiental deve continuar a ter essa política de apoio e deve ter um âmbito mais alargado de veículos a abranger. É a tal coesão social que falava há pouco, que permita às pessoas com menos rendimentos, que infelizmente é uma realidade no nosso país, terem acesso a uma nova forma de mobilidade, a uma nova tecnologia, que de outra forma não teriam.
Há uma norma europeia que aponta para 2035 as emissões serem emissões zero. O mercado automóvel está em condições de cumprir?
Está. A indústria automóvel é uma indústria centenária, mas que soube adaptar-se aos novos tempos. Face também ao aspeto de ter feito investimentos muito avultados em novas tecnologias é das que mais investem em investigação e desenvolvimento [I&D]. Na UE, está claramente destacada a acompanhar os novos tempos e a ter uma oferta no mercado cada vez maior de veículos elétricos e eletrificados. Todos os dias são lançados novos modelos. A indústria está na parte da solução, não está do lado do problema. Tem é que haver políticas que sejam aplicadas e concretas, sobretudo na UE, porque há aqui vários desafios, quer de concorrência a nível global, quer de aumento de custos de produção, aumento de custos de transporte, esta questão agora dos constrangimentos da circulação com os problemas no Mar Vermelho... Há uma questão de algum protecionismo em algumas geografias e nos Estados Unidos, que realmente promove tudo o que é produzido localmente. É uma forma também de protecionismo, mas legítima da parte dos Estados Unidos. Da China tem-se falado muito, a própria Comissão Europeia levantou um processo de averiguações, e há uma envolvente que traz novas cadeias de valor para a indústria automóvel, claramente a eletrificação é uma nova cadeia de valor. Mas, indo em concreto à sua questão, a indústria automóvel soube antecipar o problema, soube preparar-se, e no que respeita à meta de 2035 que a Comissão Europeia definiu, a indústria irá cumprir, porque os regulamentos comunitários preveem penalizações para as marcas de automóveis que não cumpram este processo. Aliás, Portugal, tem vindo a fazer aqui um downgrade [corte] das emissões, em 2023 já baixámos dos 95 gramas, as vendas de veículos ligeiros e de passageiros novos tiveram uma média de emissões de 92 gramas de CO2, quando em 2019 ainda eram 135 gramas.
E quando os elétricos forem um padrão, digamos assim, a introdução do ISV e do IUC para este tipo de veículos deverá normalizar-se?
Não. Devemos aproveitar e não voltar atrás, ou seja, o ISV é um imposto que deveria caminhar para a sua eliminação. Quanto ao IUC, sabemos que o Estado tem um grande apetite por receitas fiscais, são 830 milhões de euros que não são só do Governo Central, são das autarquias, essa é uma questão que também foi levantada no final do ano, as autarquias também têm esse valor, mas terá de haver uma alternativa de receitas de outros setores, de outras áreas, que compensem de algum modo aquilo que o Estado poderá perder também por essa via.
Já aqui falou da questão das redes de carregamento. Em Portugal essa rede terá de crescer, a questão é como?
Há vários estudos que mostram que Portugal tem uma posição positiva comparando com outros países, porque de algum modo em Portugal, no que respeita à eletrificação, considera-se que estamos no pelotão da frente. Tivemos no final do ano vendas de elétricos de 18,2%, a média europeia foi 14,6%, mas a vizinha Espanha está com 5,4% e a Itália 4,2%. Portugal está muito à frente neste ranking. Isto também se deve muito a uma política que começou há alguns anos, com a criação da Mobi-e, que é realmente um exemplo muito importante de gestão de todo este sistema de eletrificação e de pontos de carregamento, tem feito um bom trabalho. Já estamos muito bem, mas não sabemos se estamos bem ou não, porque há um ritmo muito rápido de crescimento da eletrificação e o estar bem ou não é relativo. Tem que ser definido com realismo um valor, um objetivo de pontos de carregamento para 2030, para 2035 e monitorizar essa rede de pontos de carregamento. É por isso que a ACAP recentemente propôs a criação de um Observatório da Mobilidade Elétrica, que integra todos os parceiros desta área, com a Mobi-E, com quem temos tido muitas conversas e temos um excelente relacionamento, o que permite a esse observatório, em tempo real, avaliar o estado da rede de carregamento de veículos elétricos. E quando se fala no seu estado é também no sentido de se os pontos funcionam ou se não funcionam, porque, por vezes, as pessoas também se queixam do não funcionamento.
E do vandalismo também.
Também. Mas o primeiro aspeto, repito, é um estudo concreto e bem definido que diga que terá de haver tantos pontos de carregamento. Em 2030, em 2035, para sabermos em que ponto é que estamos. Sabemos que a iniciativa privada tem um papel muito importante para incentivar a que haja a colocação de mais pontos de carregamento. Chegam-nos também várias situações de muita demora na aprovação da instalação de pontos de carregamento. É referido por quem tem direito, quem tem competência, que, por vezes, no local onde se está a instalar não há capacidade de energia e demora mais tempo a haver essa aprovação. Haverá noutros locais para onde não pediram. Tudo isto são aspetos que, estando a mobilidade elétrica em cima da mesa, achamos que são demasiado importantes para serem descurados ou estarmos sempre a dizer que estamos muito bem. Estamos muito bem nas vendas, estamos também em rankings que existem sobre rede, mas achamos que tem de ser feito mais. E, depois, há também a tal coesão social, que é não descurar o interior do país. Ou seja, há uma tendência, porque é normal que haja mais procura nos grandes centros urbanos, no litoral, mas o país é todo o território continental e regiões autónomas e é preciso levar também a eletrificação e as redes de carregamento para locais com menos habitantes. Esse Observatório da Mobilidade Elétrica poderá ser um apoio significativo e uma ajuda bastante boa.
Um estudo recentemente apresentado pela Mobi-E aponta para Portugal necessitar de instalar 76 mil pontos de carregamento até 2050, dos quais 15 mil até 2025. É possível?
Gostaríamos que fosse, mas o que nos tem chegado de associados e de várias entidades é que há dificuldade na rapidez da execução. Era bom que se atingisse esse valor.
A dificuldade está no cruzamento de licenciamentos com a Direção-Geral de Energia?
Em várias entidades ligadas também a esse processo. Deveria ser criada uma forma de rapidamente se despacharem os processos. Usamos muito a palavra simplex para várias áreas, mas também aqui poderia haver um simplex da eletrificação. Por outro lado, também esses objetivos definidos são importantes, definam-se os objetivos, mas gostaríamos de avaliar, porque há outros estudos a nível europeu que apontam, em termos europeus, para valores para 2025 e 2030, que poderá levar a um objetivo superior ao que está aí nesse programa que foi apresentado. Portanto, gostaríamos ainda de avaliar bem aquilo que é a real necessidade face ao crescimento da eletrificação nos próximos tempos.
Uma outra forma de influenciar o rumo do mercado automóvel está a verificar-se com a chegada gradual à Europa, e a Portugal também, de marcas vindas do Oriente, sobretudo chinesas. A entrada de novas marcas com modelos elétricos mais baratos pode provocar uma disrupção positiva em Portugal, baixando os preços e também acelerando o rejuvenescimento do parque automóvel?
Sim, pode. Representamos toda a indústria e a UE tem regras muito específicas e exigentes para a homologação de veículos, e se um veículo, uma marca, é homologado pode ser comercializado perfeitamente no espaço da UE. A questão que se coloca é muito de competitividade entre a União Europeia e as outras geografias, e aquilo que é a nova cadeia de valor que traz a mobilidade elétrica.
E também uma nova dinâmica entre os vários players do setor automóvel.
Exatamente. A China domina uma parte significativa da cadeia de valor da mobilidade elétrica. É uma realidade, mas a UE está com novos atores neste mercado e todos os dias vemos notícias sobre isso. E estão no mercado nacional a ser colocados e a nomear concessionários em Portugal, de norte a sul do país, é uma nova realidade. Essa realidade é importante, é um contributo para a eletrificação e, talvez, para uma maior acessibilidade dos consumidores à mobilidade elétrica.
Essa nova realidade procura a montagem de veículos no espaço europeu. Portugal pode ser equacionado para essa montagem de veículos? E está Portugal em condições de captar esse investimento para uma nova AutoEuropa eletrificada?
Portugal está claramente capacitado. Criámos o cluster da indústria automóvel designado Mobinov há alguns anos, com a nossa congénere Associação dos Fabricantes de Componentes. Portugal tem um importante cluster automóvel e é reconhecido como tal internacionalmente. Não só somos um país produtor, como temos este cluster que também tem muito a ver com a montagem de veículos. Há mão de obra, há especialização, há realmente quadros muito capacitados na indústria automóvel. Depois temos uma fileira de fabricantes de componentes que é também muito significativa e muito importante para a nossa economia e é sempre um argumento importante para quem se instala, ou seja, a proximidade da produção de componentes é realmente importante. Temos todas as capacidades para atrair um novo grande investimento, uma fábrica da indústria automóvel. É uma indústria com muitas décadas em Portugal, com tradição. Não é por acaso que é das principais exportadoras do país. E sabemos que, quer nós através da Mobinov, quer a AICEP e as entidades oficiais, têm todas as condições para poder atrair para Portugal um grande investimento nesta área. Sabemos que com o alargamento a Leste, há uns anos , o centro da Europa deslocalizou-se, isso é importante, porque a UE fortaleceu-se, mas Portugal tem outros argumentos e o estar virado ao Ocidente, ao Atlântico e mais perto da América, é também um argumento para a própria exportação dos veículos por mar.
Mas se não conseguir atrair um grande investimento, como referimos há pouco uma AutoEuropa eletrificada para o país, vamos admitir esse cenário, todo o cluster poderá correr o risco de ficar datado, no sentido em que fica dependente de uma a AutoEuropa tradicional. Como é que ficará Portugal se não for capaz de atrair esse investimento?
Pois, uma coisa é estar capacitado para um novo investimento, que seria sempre muito bem-vindo para a indústria e para a economia nacional, outra coisa é como é que esse cenário pode ser analisado. No que respeita à indústria instalada, cada construtor tem a sua política, mas o que estamos a assistir em Portugal, nas fábricas que estão instaladas, é que começa a haver produção de veículos elétricos. Portugal já produz veículos elétricos em várias unidades e fábricas instaladas e cada construtor definirá a sua política de produção nos próximos tempos. Sabemos que a eletrificação traz outros desafios. Ainda assim, estamos muito confiantes de que a indústria automóvel nacional existente irá acompanhar a tendência do mercado nos próximos anos. Na ACAP defendemos sinergias, somos um país da Europa, mas estamos numa zona que é a Península Ibérica e, em termos também geopolíticos, temos que tirar proveito de termos um país vizinho com uma indústria bastante forte, onde se preveem investimentos significativos em baterias, temos que aproveitar o cluster ibérico. Ou seja, esta proximidade com fábricas em Espanha e a ligação com essas fábricas também é um aspeto positivo, porque isto é uma indústria global. A indústria automóvel é uma indústria globalizada e essa globalização viu-se quando foi a pandemia e com as dificuldades de circulação entre continentes, o que provocou na indústria e está agora a provocar com a questão do Mar Vermelho. Temos também de tirar partido de estarmos numa zona geoestratégica, que é a Península Ibérica.
Há um outro aspeto que tem a ver com a questão da transformação energética, a transformação climática. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), tem investimentos para essa área. Há investimentos do PRR que tocam a indústria automóvel no âmbito desta transformação climática?
Há vários investimentos ao nível das agendas mobilizadoras. Os construtores de automóveis, as fábricas instaladas em Portugal estão em várias agendas mobilizadoras para a adaptação das suas unidades aos novos desafios. Nós próprios, através da Valorcar, que é a entidade gestora de veículos em fim de vida que a ACAP criou, integramos o Battery Cluster, que na área das baterias pretende criar uma cadeia de valor no que respeita não só à produção, mas também à reciclagem. Também temos de nos preocupar com o fim de vida de todos os componentes, e a reciclagem é um desafio nas baterias elétricas, neste momento. É um mercado muito recente em que, felizmente, não há ainda veículos em fim de vida, mas temos também de nos preocupar com a sua reciclabilidade e criar uma fileira em Portugal que permita essa reciclagem e não mandar para França ou para outros países, como tem acontecido até agora. O PRR tem aqui um papel importante também na indústria automóvel, sem dúvida.
E acredita que Portugal e o mercado automóvel português pode beneficiar a médio prazo desses investimentos ou ainda é aqui uma equação demasiado complexa, que levará muito tempo a concretizar-se?
Há de facto o desafio da eletrificação, há a criação de novas cadeias de valor na indústria automóvel. A Europa, e Portugal está integrado na UE, está atrasada face a outras geografias nas cadeias de valor da eletrificação e o PRR, dentro das possibilidades e do que foi aprovado, tem de contribuir e vai contribuir para que Portugal faça parte dessa cadeia de valor. Isto será a prazo conseguido e beneficia a economia nacional, mas também a própria UE.
E esse novo desafio coloca em causa as oficinas de bairro? Como é que o mecânico da minha rua tem de se preparar para a eletrificação?
As oficinas de bairro já há muitos anos têm um desafio significativo com a introdução dos diagnósticos por computador, etc., mas têm vindo a readaptar-se. Infelizmente, muitas desapareceram do seu negócio e isso é uma realidade, mas há neste momento formas de se poderem readaptar e ter um papel naquilo que é a assistência pós-venda aos veículos automóveis. Mas, como digo, é um grande desafio, não só a digitalização, a transição digital é um desafio, como a criação de novas formas de diagnóstico é um desafio, como a assistência aos veículos elétricos é um desafio também para os concessionários de automóveis, que muda todo o paradigma daquilo que é o pós-venda atual. Mas esta é a realidade e as empresas, para estarem no mercado, têm de se adaptar e de se renovar para isso.