Mudanças
03 junho 2024 às 23h03
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Montenegro destina 80 milhões de euros para regularizar imigração

Do total referido pelo Governo, 30 milhões foram arrecadados nas últimas semanas pela AIMA como cobrança pelos novos títulos de residência e renovações. O restante virá de fundos europeus, como o PPR e FAMI, além de 15 milhões do Orçamento do Estado.

80 milhões de euros para 41 medidas. Este será o investimento do Governo para mudar o panorama da imigração em Portugal. “O futuro começa hoje”, definiu António Leitão Amaro, ministro da Presidência. Para financiar este novo futuro, quase metade do valor virá dos próprios imigrantes que já estão em Portugal e pagaram um total de 30 milhões de euros em taxas nas últimas três semanas. O restante será de fundos europeus e do próprio Orçamento do Estado (cerca de 15 milhões de euros).

O plano inclui medidas de curto, médio e longo prazo, que vão afetar diretamente os imigrantes que já vivem no país, mas, sobretudo, quem pensa em viver em Portugal. A apresentação contou, à última da hora, com a presença do primeiro-ministro, Luís Montenegro, que discursou de maneira breve e assertiva sobre o tema.

[O plano é] “transversal, com espírito de abertura e de acolhimento”, com soluções articuladas entre várias tutelas, cujo objetivo é “dar ao país mais recursos humanos”. A medida de maior impacto é a extinção dos artigos 88.º e 89.º da Lei dos Estrangeiros, que permitem as chamadas Manifestações de Interesse. Na prática, significa que não será mais permitido solicitar um título de residência depois de já estar no país, como ocorria desde 2017.

O Governo atribui às Manifestações de Interesse o aumento exponencial de estrangeiros em Portugal e classificou-as como “abuso”. 

A promulgação deste diploma foi rápida. Poucas horas depois do anúncio, o Presidente da República aprovou a medida, classificada por Marcelo Rebelo de Sousa como “situação urgentíssima de regularização de muitos milhares de processos pendentes de Autorização de Residência”. Resta agora ser publicada no Diário da República, onde constará a data da entrada em vigor.

O fim das Manifestações de Interesse representa a extinção da principal forma de imigração em Portugal atualmente. Cynthia de Paula, presidente da Casa do Brasil, vê a ação com preocupação. “Era uma conquista, um exemplo dentro da legislação para Portugal. Não acreditamos que essa regulação vai impedir as pessoas de imigrar, e vai criar mais desigualdade e colocar as pessoas em situação de maior vulnerabilidade”, avalia a presidente da associação, a maior do país.

Segundo Cynthia, “os consulados e as embaixadas não funcionam de forma célere”, citando também “as máfias existentes em muitos consulados”. Entre as 41 medidas do plano, está o investimento nos postos consulares. O DN sabe que o Brasil e os demais países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) terão prioridade e Nova Deli, na Índia, está a ser avaliada para receber mais profissionais. No total, serão 45 contratações, ainda sem data definida.

CPLP como prioridade

Como o ministro António Leitão Amaro tinha antecipado ao DN/TSF, os cidadãos da CPLP terão prioridade. O Governo não pensa voltar atrás no acordo já existente e garante prorrogar por um ano os atuais título de residência caducados. Neste período, Leitão Amaro garante que estes vão deixar de ser tratados como “seres de segunda categoria” e terão um título no mesmo modelo dos demais. Com isto, poderão aceder ao Espaço Schengen, solicitar o reagrupamento familiar e utilizar as funcionalidades digitais dos demais documentos. “Deixará de ser um papelinho com QR Code”, assegura o ministro.

Por uma questão de “proximidade linguística e cultural”, mesmo com o fim das Manifestações de Interesse, quem for de um país CPLP poderá ingressar no país e depois solicitar uma residência. Este benefício é restrito aos CPLP. Todos os demais imigrantes terão de solicitar um visto no país de origem.

A lei prevê uma série de vistos que podem ser pedidos na rede consular, como já acontece. É o caso dos estudantes do Ensino Superior. Em 2022 foram mais de 5000 estudantes, enquanto os dados de 2023 ainda não estão disponíveis. Mesmo com visto em mãos, os estudantes enfrentam um serviço sobrecarregado e não conseguem exercer plenamente os direitos, como o DN já noticiou.

Nesta área, faz parte do plano do Governo uma estrutura de missão para colocar em dia os 400 mil processos existentes, além de uma reestruturação da Agência para as Migrações, Integração e Asilo (AIMA). Está previsto o “reforço da capacidade operacional” da agência, com recursos humanos e tecnológicos.Os funcionários da AIMA serão recompensados com um “incentivo à produtividade”, como forma de valorizar o trabalho dos profissionais. Nas últimas semanas, o Governo tem vindo a sinalizar apoio aos funcionários da AIMA, definidos como “bode expiatório”, por um membro do Governo.

A própria estrutura da AIMA sofrerá mudanças, com a retirada de algumas funções. É o caso da instrução e decisão dos processos de retorno de imigrantes, que passará a ser de responsabilidade do Conselho para as Migrações e Asilo, que será “refundado”. Por outro lado, as renovações de residências, antes realizadas em partilha com o Instituto de Registos e Notariado (IRN) será de atribuição exclusiva da AIMA.

A Polícia de Segurança Pública (PSP) terá as competências reforçadas, com a criação de uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UEF), responsável pelo retorno dos imigrantes, controlo das fronteiras e fiscalização de todo o território nacional. O Governo deixou claro que não estão em causa a transferência as demais forças de segurança, como a Guarda Nacional Republicana (GNR).

Membros da PSP e da GNR também vão compor uma “equipa multiforças de fiscalização”, para combater a imigração ilegal, exploração laboral, violação de Direitos Humanos e tráfico de seres humanos. Ainda nas fronteiras, uma das 42 medidas é realizar “intervenções urgentes nas infraestruturas, sistemas informáticos e bases de dados do controlo de fronteiras existentes”.

Está previsto ainda “prosseguir com a recuperação do sério atraso” nos novos sistemas de controlo das fronteiras, nos termos do compromisso assumido por Portugal. O prazo estipulado por Bruxelas para validação é já no verão deste ano.

Desmontar o discurso populista

Num dia em que a imigração dominou o debate político para as Eleições Europeias, tanto António Leitão Amaro quanto Luís Montenegro foram taxativos no discurso. “Não há nenhuma ligação direta entre a nossa capacidade de acolher imigrantes e aumentos de índices de criminalidade”, afirmou o primeiro-ministro.

“Digo isto de olhos nos olhos”, reforçou o líder do Governo. “Há crimes cometidos por cidadãos portugueses e crimes cometidos por cidadãos estrangeiros”, sublinhou. Segundo o governante, existem “episódios casuísticos”, que não devem ser utilizados para “a estigmatização de grupos de estrangeiros”.

Para Montenegro, o panorama da imigração hoje é “um desafio” e  o Governo “está aqui para resolvê-lo” e “olhar para os imigrantes como portugueses”.

amanda.lima@globalmediagroup.pt