Estados Unidos
12 fevereiro 2024 às 06h44
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A longa história de desamor (e os erros) de Trump em relação à NATO

O republicano avisou este sábado que, se for reeleito para a Casa Branca, encorajará a Rússia a fazer “o que bem entender” com países com dívidas à NATO.

Mesmo  antes de tomar posse como presidente, em janeiro de 2017, Donald Trump já tinha abalado a NATO mais do que qualquer um dos seus antecessores na Casa Branca. Enquanto candidato, disse considerar que era uma organização “obsoleta”, questionando o peso da contribuição dos Estados Unidos em comparação com os países europeus e posto em causa a prontidão de Washington em seguir o sagrado artigo 5 do Tratado da Organização do Tratado do Atlântico Norte - defender qualquer aliado sob ataque - dizendo que dependeria do aliado em questão e se este “tinha cumprido as suas obrigações financeiras”, numa referência aos 2% do PIB  em gastos com a defesa dos países da Aliança. Este fim de semana, novamente, como candidato, o republicano voltou a mostrar o seu pouco apreço pela organização, ao dizer que, se for reeleito presidente dos Estados Unidos, encorajará a Rússia a fazer o que entender com países com dívidas à NATO.

Num comício este sábado na Carolina do Sul, Donald Trump contou mais uma vez uma história sobre um líder de um Estado-membro da NATO não identificado que o terá confrontado sobre a ameaça de não defender os países que não cumprissem a meta de financiamento da Aliança Atlântica. “Um dos presidentes de um grande país levantou-se e disse: ‘Bem, senhor, se não pagarmos e formos atacados pela Rússia, vai defender-nos?’”, relatou o republicano antes de revelar a resposta: “Não, não vou proteger-vos mais. Aliás, vou encorajá-los a fazerem o que quiserem. Vocês têm de pagar as dívidas. Não pagou, é delinquente”, acrescentou Trump ao recordar o episódio.

A arma favorita de arremesso de Donald Trump contra a NATO e a participação dos Estados Unidos na organização tem a ver com a contribuição de cada país para o seu orçamento, apontando o dedo aos países europeus. Mas a verdade é que o ex-presidente norte-americano tem uma visão errada de como é que funciona o financiamento da NATO.

Desde 2006, os países da NATO têm como referência pelo menos 2% do seu Produto Interno Bruto em gastos com a defesa até 2024, sendo que os Estados-membros já vêm a aumentar os seus orçamentos desde 2014, quando a Rússia anexou de forma ilegal a Crimeia, território que faz parte da Ucrânia. E, segundo o Politico, 11 dos 31 países alcançaram a meta dos 2% no ano passado, na sequência da invasão russa da Ucrânia - a Polónia tornou-se no país mais gastador da NATO, com 4,2% do seu PIB a ir para a defesa. Segundo a versão de Trump, existe um orçamento centralizado da NATO para o qual os países contribuem, e os seus Estados-membros, exceto os Estados Unidos, não estão a cumprir a referência dos 2%, esquecendo-se de que esta é uma linha orientadora e não uma regra vinculativa e refere-se ao orçamento de cada país.

A única vez do artigo 5

Esta não é a primeira vez que Trump ameaça que os Estados Unidos não defenderão os seus aliados da NATO em caso de ataque russo. Num evento em 2022, recordou uma reunião em que disse aos seus homólogos estrangeiros que poderia não seguir o artigo 5 se muitos dos Estados-membros não aumentassem as suas contribuições em resposta à invasão russa da Ucrânia. Em janeiro, o Politico noticiou também que, em 2020, Trump já havia dito à presidente da Comissão Europeia que os Estados Unidos não viriam em defesa da Europa se esta fosse atacada. “A única vez que a cláusula de defesa do artigo 5 foi acionada foi em resposta ao 11 de Setembro. Os nossos aliados vieram então ajudar-nos, seria vergonhoso e enganador não fazer o mesmo”, recordou ao The Washington Post Alina Polyakova, presidente do Center for European Policy Analysis.

A somar a tudo isto, segundo uma notícia de janeiro de 2019 do The New York Times, Trump também chegou a equacionar a saída dos Estados Unidos da NATO, tendo discutido a possibilidade com os conselheiros mais próximos. “Estou-me a cagar para a NATO”, terá dito, segundo contou o antigo conselheiro de Segurança Nacional John Bolton no seu livro The Room Where It Happened.

Atualmente, o site da campanha de Trump tem a seguinte mensagem: “Temos de terminar o processo que iniciámos durante a minha Administração de reavaliar o propósito da NATO e a sua missão.” 

Um risco acrescido

A Casa Branca reagiu veementemente à proposta de Trump. “Encorajar a invasão dos nossos aliados mais próximos por regimes assassinos é confrangedor e insano”, afirmou o porta-voz da Administração Biden, Andrew Bates. 

“Qualquer sugestão de que os aliados não se vão defender uns aos outros mina a segurança de todos nós, incluindo os Estados Unidos, e expõe os soldados americanos e europeus a um risco acrescido”, afirmou o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg.

ana.meireles@dn.pt

Tópicos: NATO, Donald Trump