António Leitão Amaro
30 abril 2024 às 07h09
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Migrações: “Portugal era uma referência na UE, agora é fonte de preocupações”

Os processos em atraso na AIMA devem já ultrapassar os 400 mil, segundo o Ministro da Presidência que diz ter ouvido em Bruxelas preocupações de outros países sobre as políticas de migrações portuguesas. Leitão Amaro alerta que, devido a falhas do governo anterior, Portugal pode ficar na “lista vermelha” de Schengen.

As políticas públicas portuguesas para as migrações e os vários atrasos na execução de medidas de controlo das fronteiras estarão a  ser alvo de apreensão de países da União Europeia (UE), segundo revelou ao DN o Ministro da Presidência.

António Leitão Amaro esteve em Bruxelas nesta segunda-feira, numa reunião de alto nível, onde os estados-membros da UE começaram a apresentar os seus projetos para “operacionalizar” o novo Pacto de Migrações e Asilo, aprovado no passado mês de fevereiro no parlamento Europeu.

“Além da atual estimativa de haver mais de 400 mil  processos em atraso na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que preocupa a todos, em reuniões bilaterais com alguns países recebi várias manifestações de preocupação relativamente a falhas na execução de medidas e às políticas migratórias nacionais. Havia a ideia de que Portugal era um exemplo para a Europa nesta matéria, mas passou de ser uma referência para fonte de preocupação”, sublinhou, à margem da reunião.

Recorde-se que o Pacto para as Migrações tornou obrigatória "a solidariedade" com os países da que estão "sob pressão migratória" e os estados-membros "podem escolher entre a realocação de requerentes de asilo para o seu território, fazer contribuições financeiras ou ajudar com apoio operacional e técnico, quando necessário".

Ao mesmo tempo exige um controlo reforçado da chegada de migrantes à EU, centros fechados perto das fronteiras para devolver mais p-rapidamente aqueles que não têm direito a asilo.

“Enquanto outros países já estão a apresentar os seus projetos para operacionalizar o Pacto para fazer face a novas vagas de migrações, Portugal não tem praticamente nada tratado. A incapacidade operacional e administrativa foi total, incluindo a situação das Manifestações de Interesse, pouco abonatórias em termos de fiabilidade de controlo”, assevera o também vice-presidente do PSD.

Uma das preocupações principais é o sistema ETIAS, um novo equipamento de controlo de fronteiras, que todos os países têm de ter a funcionar em outubro para arrancar no início de 2025. “Até julho têm de ser feitos testes e validado o sistema, há anos que se sabe desta exigência, e nada foi feito. Corremos o risco de passar para a ‘lista vermelha” de Schengen”, alerta Leitão Amaro. Esta medida, sublinhe-se, pode deixar Portugal de fora, ou com limitações, na livre circulação no espaço Schengen.

Como o DN tinha noticiado em fevereiro passado, Portugal perdeu o financiamento europeu de 10 milhões de euros que anteriormente era processado pelo SEF, para a instalação do referido sistema de “fronteiras inteligentes”, montante que teve de devolver a Bruxelas. Quando o SEF foi extinto a 29 de outubro de 2023, o financiamento não tinha sido executado.

Os custos para cada estado-membro desenvolver os componentes nacionais do ETIAS e do SES (sistema eletrónico que registará e armazenará as informações sobre a entrada, a saída e as recusas de entrada) foram suportados pelo orçamento geral da UE, sendo que as verbas começaram a ser disponibilizadas no âmbito do quadro plurianual do Fundo de Segurança Interna (FSI) para o período 2014-2020. Os montantes diferenciaram-se em função de fatores como a extensão da fronteira externa, o número de pontos de passagem de fronteira ou o número de pessoas que os atravessam.

Portugal viu aprovado, logo em 2020, o valor de 9.625.064 milhões de euros, uma comparticipação a 100% para as candidaturas apresentadas pelo ex-SEF para o ETIAS (3.216.564 euros) e o para o SES (6.412.500), mas que nunca chegaram a ser executados, deixando o país numa situação de atraso para o desenvolvimento destes sistemas

Foi o Sistema de Segurança Interna (SSI) que herdou todo o processo no início do ano, quando a verba já estava perdida, e o secretário-geral, embaixador Paulo Vizeu Pinheiro (que sairá em julho para a NATO) preparou com o governo em gestão um processo de ajuste direto no valor de 25 milhões de euros.

Na Resolução de Conselho de Ministros que aprovava a medida, o executivo reconhecia  que “apenas em outubro de 2023 e fruto de diversos condicionalismos, entre os quais os decorrentes da pandemia da doença COVID-19” a fase de implementação “viu confirmado o seu novo calendário e os requisitos finais para a respetiva interoperabilidade”. 

Por entender ser “crucial que Portugal continue a garantir no Espaço Schengen a capacidade de controlo das fronteiras externas da UE” e por considerava ser “manifesta a urgência a realização da despesa, com a aquisição de hardware e software com vista à implementação e ou atualização dos sistemas europeus de informação em matéria de fronteiras e estrangeiros”. 

Porém, assinala o Ministro da Presidência, “também este processo de ajuste direto se atrasou e ainda não está pronto. O que sente que está de fora é que apesar de este processo de extinção demorou três anos (arrancou em 2021 com o decreto-lei ) houve um paralisação total em várias áreas”.

A Agência Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (eu-LISA), a entidade responsável pela execução das referidas “fronteiras inteligentes”, já terá questionado Portugal.

Leitão Amaro diz que o governo partilha o diagnóstico do Presidente da República que criticou duramente o processo de extinção do SEF e o serviço da nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), classificando-o como “inépcia política”.

Conforme o DN noticiou, Marcelo Rebelo de Sousa considerou os atrasos na emissão de documentos “uma coisa de outro mundo” e uma “discriminação negativa”.

Para o chefe de Estado, o PSD deve tratar do tema com “prioridade” de forma “urgente”, mas sem “soluções radicais” para que os cidadãos estrangeiros possam seguir com suas vidas em Portugal. “Para saberem qual é o seu estatuto, para trabalhar, ter acesso à Saúde, à Segurança Social e escola das crianças”, frisou.

“Ou fazemos uma recuperação estoica e para recuperar todo o tempo perdido e ter o sistema a funcionar a tempo, ou a inépcia política levará a problemas sérios para Portugal”, conclui Leitão Amaro.

Questionado sobre que soluções tinha preparadas, quer para a execução do ETIAS, quer para os atrasos dos processos na AIMA, remeteu para “mais tarde”.